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Secas urbanas, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

 

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[EcoDebate] Os reservatórios de água doce que abastecem S. Paulo e seu grande entorno estão em seu menor nível dos últimos 80 anos. Em Los Angeles, a escassez de água devido à baixa pluviosidade é a maior dos últimos 100 anos. Nós aqui no Nordeste estamos saindo – bem devagar, é verdade – da pior estiagem dos últimos 50 anos.

A novidade é que essas estiagens – há um debate global se já são agravadas pelas mudanças climáticas – agora não impactam apenas o meio rural, mas o meio urbano. Nessas concentrações estão dezenas de milhões de pessoas dependentes da água que sai das torneiras.

Fomos deseducados nos últimos anos a achar que água vem das paredes de nossas casas. O consumo absurdo de 70% da água doce para fins de agricultura, 20% para a indústria e 10% para o uso doméstico são constatados, mas pouco questionados. Até os movimentos sociais defendem cegamente a irrigação como modelo de saída para a agricultura aqui no Nordeste. E nessa estiagem que passamos foi exatamente o uso para irrigação que secou o açude de Mirorós, na região de Irecê, obrigando o governo a fazer 100 km de adutora em poucos meses para que a população urbana não entrasse em colapso hídrico.

É provável que as chuvas voltem e os reservatórios recuperem volumes suficientes para atravessar o ano. Os americanos de Los Angeles, que já buscam a água para a sua cidade de outros cantos da Califórnia – é o modelo exaltado e copiado aqui na região de Juazeiro-Petrolina -, com um histórico cheio de conflitos e disputas pela água, agora falam em buscar a água ainda mais longe ou partir para a problemática e cara dessalinização da água marinha.

Os paulistanos que já buscam sua água na bacia do Piracicaba, agora estão falando em racionamento, compensação social e outros estímulos para a poupança de água, além de buscar mais água na bacia do Ribeira do Iguape.

Porém, se todos os santos não ajudarem – nessas horas um técnico da Chesf aqui no São Francisco apelava até para São Pedro -, poderemos ver a falência de cidades que em tudo dependem da água encanada. Sem ela não há indústria, não há serviços, não há como viver dentro de um apartamento. Ficar preso a um apartamento sob o fedor das pias cheias, dos vasos sanitários entupidos, da sujeira das roupas, do banho que não se pode ter, do calor infernal e falta de água para beber seria um inferno. Em pouco tempo o mercado da água engarrafada seria insuficiente.

O problema vem de longe e as advertências também. Já na Campanha da Fraternidade da Água, em 2004, sabíamos que um paulistano tem média menos água que um Nordestino. Isso mesmo. Devido à alta concentração urbana, para todos os fins, cada paulistano tem em média pouco mais de 200 m3 de água ao ano, enquanto no Piauí – embora imobilizados no lençol freático do Gurguéia – cada piauiense tem em média nove mil m3 de água por ano. O acesso é outra questão.

Nos momentos de aperto todos falam no aproveitamento da água de chuva, no reuso, na utilização racional, no combate ao desperdício, em novos métodos de irrigação, mas, sem dar consequências a essas práticas, exceto a sociedade civil do Semiárido.

A humanidade não quer aprender com suas tragédias. A da água é uma das mais visíveis há décadas e prosseguimos como se ela não existisse. Contudo, teremos que aprender a lidar diferentemente com a água, seja por bem, ou por tragédias socioambientais anunciadas.

Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

Citação:

Malvezzi, R. (2014). Cidades sofrem com baixo nível de água. Revista Cidadania & Meio Ambiente [Impressa]. Ano IX, número 50, 2014. Disponível online em <http://ecodebate.com.br/pdf/rcman50.pdf> [PDF].  Acesso em xx/xx/20xx

Malvezzi, R. (2014). Secas urbanas. Portal EcoDebate [Online]. Ano IX, número 2011, 2014. Disponível online em http://www.ecodebate.com.br/2014/02/06/secas-urbanas-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/ [HTML].  Acesso em xx/xx/20xx

EcoDebate, 06/02/2014


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4 thoughts on “Secas urbanas, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

  • Interessantíssimo o artigo do Gogó. Ele toca em assuntos de suma importância.
    Por exemplo, o maior percentual do consumo de água doce é feito pela agricultura. O assunto tem merecido inúmeros estudos e já há, até mesmo, o conceito de água virtual. Ao comermos um morango, qual é a água virtual que estamos consumindo? Nesse conceito não entra apenas a água necessária ao desenvolvimento do fruto. Toda a água gasta em sua produção, desde a irrigação do solo até a água usada na lavagem das caixas de frutas entra no cálculo. Daí esse número tão expressivo: 70% da água doce consumida pelo ser humano é empregada na agricultura!
    Se, por um lado, é possível reduzir esse consumo, especialmente na irrigação, usando métodos mais eficientes, por outro lado é imprescindível que a água doce venha a ser usada uma única vez e ser descartada nos rios e lagos e daí ir para o mar. A água doce precisa ser usada e reusada tantas vezes quantas necessárias. Se isso já estivesse acontecendo de forma generalizada, os paulistanos não precisariam buscar água na bacia do Paraíba do Sul além da que já buscam na bacia do Piracicaba.
    O Gogó fala em métodos para aumento da disponibilidade de água doce e cita especificamente a dessalinização da água marinha, chamando-a de solução problemática e cara. Nesse caso, ele vai-me permitir discordar desse ponto de vista. A dessalinazação da água do mar já é uma realidade em países com falta crônica de água, como a Arábia Saudita. O fato de os atuais métodos de dessalinização da água do mar e de seu transporte para o continente serem caros, isso não inviabiliza novas pesquisas com o fim de se obter métodos mais eficientes e mais baratos para dessalinização e transporte da água do mar.
    Não tenho nenhuma dúvida de que, num futuro não muito distante, a dessalinização da água do mar, aliada ao reúso da água doce e a obtenção de métodos mais eficientes para o transporte da água fará com que o pesadelo pela carência de água passe a ser algo do passado.

  • Flávio Togni Ferreira

    Tenho muitas dúvidas a respeito do percentual de água doce usada na agricultura. Creio que no Brasil este percentual está bem abaixo de 70%. A maioria das nossas lavouras são de sequeiro.
    No nosso pais, a maior parte das terras (20% do território nacional) está ocupado pela pecuária, e a de corte é de longe a maior e mais extensiva. Áreas urbanas e agrícolas ocupam, percentualmente, áreas bem menores e muito próximas (5 e 7% respectivamente, segundo o Censo de 2006).
    Como agrônomo, tenho pesquisado e incentivado produtores a adotarem práticas que dispensam o revolvimento do solo e reduzem a necessidade de irrigação, principalmente através da utilização das chamadas hortaliças não convencionais, por serem mais rústicas e melhor adaptadas às nossas condições edafo-climáticas, além de nutritivas.
    Digo também que um dos maiores responsáveis pela redução dos níveis de água doce, pelo menos na região da Zona da Mata Mineira e sul de Minas é o gado, seja o de corte, seja o leiteiro.
    Os pastos, salvo raras exceções, são mal manejados, há muita erosão, açoreamento de rios e lagos, o fogo ainda é um grande meio de manejo, muitos proprietários drenando pequenas e médias áreas de várzea, sem estudos ou planejamento. O resultado é, as nascentes estão com um volume cada vez menor de água.
    Nestas duas regiões, há uma cultura predatória que primeiro desmatou, depois plantou café. Depois que o solo foi degradado, virou pasto de baixa produtividade. A água já não mais penetra o solo adequadamente devido ao adensamento e; via de regra a erosão toma conta destes campos.
    Com uma produtividade baixa e uma renda pequena, poucos são os produtores que investem em manejo, fertilização e preservação de solo.
    Entre Barbacena e Lavras (onde há duas universidades federais), na região mineira chamada “Campos das Vertentes”, há extensas áreas de vossorocas onde raramente se vê outra coisa, nas áreas menos degradadas, que não seja pasto e eucalípto.
    Minas concentra importantes contribuintes do rio São Francisco que com a degradação das nascentes, possuem um caudal cada vez menor e muitas nascentes e afluentes destes rios já secaram. Não é um fenômeno exclusivo da região nordeste.
    Cumprida a fase de degradação, quando já é quase impossível produzir até mesmo capim, as áreas são loteadas em pequenas chácaras, que não se enquadram nem como urbanas, nem rurais, recaindo em um limbo legal. Servem apenas para enriquecer especuladores. São os grajeamentos.
    Via de regra tornam-se áreas de laser e contribuem ainda mais para a impermeabilização do solo nas áreas onde isso ocorre.
    Por outro lado, contesto este número de 20% para a indústria. Com a globalização, as empresas dos países ricos transferiram as indústrias mais poluentes para os países mais pobres e onde havia recursos mais baratos. A indústria siderúrgica consome um volume de água gigantesco para produzir aço laminado. Na automobilística são cerca de 120 mil litros para se produzir apenas um único automóvel de pequeno porte. As outras indústrias também consomem um volume significativo de água, pricipalmente nas fases iniciais do seu processo.
    Dizer que a fábricação de plásticos não consome água, é desconhecer o processo de produção das principais matérias-prima dos plásticos, o polietileno, polipropileno, PET, etc.
    Dizer também que a indústria eletro-eletrônica consome pouca água, é desconhecer os processos desde o início da mineração e lavagem do silício e os metais que são utilizados no processo de fabricação de um chip.
    Já nas áreas urbanas, o consumo e desperdício de água também são enormes. Que o diga a Sabesp com suas perdas por vazamento em canos e adutoras. Sem contar os furtos.
    Estamos passando por um período crítico de escassez de chuvas na região sudeste, mas é comum ver donas de casa lavando a calçada e outras pessoas lavando seus carros.
    Para encerrar, afirmo que pessoas mudam sua forma de agir e pensar de duas formas: consciência ou dor. Não acredito em soluções milagrosas, nem acho que seremos salvos pela cavalaria na última cena do filme. Isso aqui não é Hollywood. E como consciência anda um artigo raro e caro, logo…

  • Convivemos , atualmente, com toda essa problemática relativa a recursos hídricos. Mas “só” temos pouco mais de 7 bilhões de seres humanos habitando a Terra. E como será quando essa população dobrar e atingir mais de 14 bilhões de habitantes, supondo que chegaremos a tanto? E quando triplicar, atingindo, aproximadamente, 22 bilhões de humanos vivendo na Terra? E quando o planeta Terra estiver totalmente pavimentado?
    Esses questionamentos tem o único objetivo de alertar a humanidade para a necessidade urgente de regular a população humana às possibilidades de recuperação dos biomas terrestres, de forma a permitir que haja condições favoráveis para o desenvolvimento da biodiversidade e, por fim, para o equilíbrio sistêmico.
    Evidentemente, o capitalismo não dispõe de condições “psicológicas” para empreender essas atividades regulatórias, uma vez que elas se opõem aos seus “instintos” mais naturais: lutar pela própria sobrevivência e se desenvolver até o ponto máximo, semelhantemente a todos os seres vivos.
    Sigmund Freud, sem explicações que sejam do meu conhecimento, se negou a defender o socialismo. Isto é, declarou-se adepto do capitalismo. Quando tomei conhecimento dessa posição do fundador da psicanálise, na época em que estudava sua obra – na minha juventude – e sentia-me encantado com suas descobertas, senti também um certo desconforto, alguma coisa tipo decepção. De uns anos para cá, tenho realizado o seguinte questionamento: Será que Freud se negou a confrontar o poder do capitalismo por saber da força imbatível do seu “instinto de sobrevivência”?
    Evidentemente, os interesses capitalistas, que promovem o crescimento da população humana e, por conseguinte, a devastação ambiental, não permitem que o capitalismo empreenda essas medidas regulatórias, uma vez que elas lhes são opositivas.
    E agora, fazer o quê?

  • Roberto Malvezzi

    Gente,

    não gosto de entrar no debate a partir de um texto que eu mesmo fiz, mas achei os comentários tão pertinentes que não consegui me furtar.

    Chamou-me a atenção a observação do Paulo que a dessalinização marinha pode ser caminho. Digo que aqui no Nordeste temos imensas dificuldades com a dessalinização das águas subterrâneas. Nesses 35 anos que estou por aqui nunca vi dar certo. O problema das membranas, dos rejeitos, etc., tornam tudo caro e com muitas consequências ambientais. Mas, gostaria de ver onde isso tem dado certo.

    Quanto ao consumo de água na agricultura, observação do Flávio, lembro que é a chamada média mundial. Mas, a ANA, tempos atrás, já dava a média brasileira em 69% para fins agrícolas. São os dados disponíveis.

    Quanto à questão populacional – observação de Valdeci – os demógrafos dizem que a humanidade vai estabilizar em 9 bilhões de pessoas – não sei de onde vem essa certeza -. Em todo caso, o problema central está na agricultura e na indústria – também tenho dúvidas nessa média de consumo -, não tanto no abastecimento doméstico.
    Em todo caso, a certeza é que a civilização humana não caminha em bases sustentáveis nem mesmo no uso da água.

Fechado para comentários.