Projeto da FAU/USP propõe aproveitar hidrovias que cercam 14 cidades da região metropolitana de São Paulo
O projeto da FAU: ideia é aproveitar hidrovias que cercam 14 cidades da região metropolitana de São Paulo
A navegação fluvial – que está entre os sistemas de transporte mais baratos e limpos que existem – é pouco praticada quando comparada a outros meios de locomoção no Brasil. Pensando num futuro em que o transporte rodoviário estará cada vez mais sobrecarregado em metrópoles como São Paulo, o Grupo Metrópole Fluvial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP desenvolveu um projeto para a construção de um hidroanel na região.
O projeto do Hidroanel Metropolitano de São Paulo, arquitetado em 2011, prevê a conexão e o pleno aproveitamento das hidrovias que circundam 14 cidades da Grande São Paulo e a geração de 40 mil empregos diretos e 120 mil indiretos.
O Grupo Metrópole Fluvial pertence ao Laboratório de Projeto do Departamento de Projeto da FAU e é constituído por professores, alunos da graduação, da pós-graduação e técnicos. A equipe é coordenada pelos professores Alexandre Delijaicov, Antonio Carlos Barossi e Milton Braga e pelo arquiteto da Prefeitura de São Paulo, André Takiya.
em>Eclusa do Cebolão, na foz do rio Pinheiros: já pronta
Anel – O projeto do Hidroanel Metropolitano de São Paulo propõe uma rede de vias navegáveis composta pelos rios Tietê e Pinheiros e pelas represas Billings e Taiaçupeba, além de um canal artificial ligando essas represas – resultando em um total de 170 quilômetros de hidrovias urbanas. A conexão entre rios e represas, de acordo com o projeto, demanda a construção de 20 eclusas (elevadores de embarcações). “Já existe uma eclusa pronta no ‘Cebolão’ (Complexo Viário Heróis de 1932), na foz do Rio Pinheiros. E agora o governador está para autorizar o início da obra de uma outra eclusa, na Penha”, comenta o professor Alexandre Delijaicov.
A construção das eclusas do hidroanel visa ao uso dos rios urbanos como máquinas fluviais, de modo que as funções portuárias e de navegabilidade possam ser controladas. No entanto, é necessário entender antes como deve estar a situação dos rios da metrópole para que eles sejam chamados de “rios urbanos”.
Um rio urbano deve ser constituído por, no mínimo, três canais. Um canal central de navegação e drenagem das águas da chuva e dois canais-túneis de esgoto, um em cada margem do rio. Mas, embora esse conceito tenha sido desenvolvido na Europa do século 18, a maior cidade do Brasil não se preocupou com a situação dos rios durante seu desenvolvimento, isolando-os com avenidas de alta velocidade e descartando neles deliberadamente todo o lixo produzido. Como define Delijaicov, “os rios urbanos de São Paulo são hoje canais de esgoto a céu aberto emparedados por rodovias”.
Rios Tietê e Pinheiros e represas Billings e Taiaçupeba estão incluídos no projeto: 40 mil empregos diretos
O Hidroanel Metropolitano de São Paulo deverá, então, mudar essa realidade, e pretende fazê-lo da seguinte maneira: no projeto estão previstas as construções de vários portos na borda dos rios e das represas que circundam as cidades da Grande São Paulo. Esses portos deverão servir para receber todo o material descartado pela metrópole. O transporte dessas cargas até os portos ainda seria feito por caminhões, porém, ao invés dos cerca de 30 quilômetros percorridos hoje por esses veículos, eles irão percorrer apenas de cinco a oito quilômetros até alcançarem um desses portos.
Assim, esses caminhões não teriam que atravessar a cidade para coletar o lixo, o que desafogaria uma parte considerável do trânsito.
Ao mesmo tempo, as embarcações encarregadas de transportar o lixo pelo restante do caminho estarão atracadas nos portos, esperando pelos caminhões. Enquanto cada caminhão possui a capacidade de transportar apenas oito toneladas de material descartado, as embarcações, planejadas com 20 contêineres de 20 toneladas, terão capacidade de transportar 400 mil quilos de material descartado.
Além dos portos de processamento, o projeto também prevê a construção de 60 “ecoportos” – espécie de cais culturais com espaços de convivência e estruturas para atividades lúdicas – e de 24 portos para passageiros, criando assim alternativas para a locomoção, além dos meios rodoviários e ferroviários. Dessa forma, os rios urbanos se colocam como vias para transporte de cargas e passageiros, uso turístico e de lazer.
Como destino final, o projeto prevê a construção de três centros de processamento de lixo, os “triportos”, com capacidade de receber 800 toneladas de lixo por hora. “Em 20 horas, são 16 mil toneladas que desembarcam em cada um dos triportos, que vão transformar esse lixo, entulho e terra em matéria-prima e insumos para novos processos produtivos. Como é um modelo sistêmico, um sistema deve cobrir o outro em caso de pane. Estima-se, então, que cerca de 40 mil toneladas possam ser processadas pelos triportos nessas 20 horas”, comenta Delijaicov.
Consciência – Há quem diga que o investimento em hidrovias só é economicamente viável quando o percurso proposto tem no mínimo cerca de 400 quilômetros. No entanto, Delijaicov alerta que esse pensamento justifica apenas a formação de hidrovias regionais. Assim, o fato de a hidrovia urbana proposta possuir 170 quilômetros de extensão não representa um quesito negativo. A relativamente baixa metragem da hidrovia urbana não é considerada, pois nela não serão transportadas, como diz Delijaicov, “cargas de passagem”. “A produção de soja do interior do Brasil não passará por esses canais para chegar ao porto de Santos”, exemplifica. Com isso, o ponto de origem e o ponto de destino estão dentro do hidroanel, de modo que as cargas transportadas não percorrem longas metragens.
Delijaicov: esgoto a céu aberto
Outra possível crítica em relação ao projeto é a de que outros meios de transporte, principalmente o rodoviário, sejam mais rápidos que o hidroviário. Porém, como alerta o professor, o transporte hidroviário “realmente não é o mais rápido, mas isso não é uma competição. No caso de um transporte eficiente, com fluxo constante de cargas, não há essa questão da velocidade. São cargas contínuas, não de pronta entrega”.
De acordo com o professor, não é nem a questão financeira ou técnica que dificulta a execução do projeto, mas a necessidade de um maior entendimento da população e dos governos sobre a importância do hidroanel.
“A grande dificuldade da implementação de infraestruturas urbanas, sobretudo nas fluviais, não está na dificuldade de elaborar projetos ou obras. O problema é o grau de dificuldade na mudança da mentalidade das pessoas. Nós estamos muito servis do pensamento mercantilista e rodoviarista. Estamos reféns do automóvel e do mercado imobiliário. É preciso mudar o imaginário dos cidadãos”, comenta.
Matéria de Valdir Ribeiro Jr., no Jornal da USP n° 1014, publicada pelo EcoDebate, 04/10/2013
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