A Trilogia da Escassez na Amazônia, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves
Só com tecnologias inovadoras será possível superar a escassez de terra, capital e trabalho na Amazônia rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável
[EcoDebate] A primeira vista parece que tudo é grandioso e farto na Amazônia. A complexidade de ecossistemas com milhares de espécies vegetais e animais, a diversidade de solos entrecortados de rios e igarapés, a variedade de minerais no subsolo nos remete ao raciocínio da fartura, da riqueza incomensurável de recursos naturais.
Nunca se imaginava que em menos de 50 anos as políticas de ocupação orientadas pelo Governo Federal com jargões como “integrar para não entregar” ou “terra sem gente para gente sem terra” dirigidas a região antes denominada de “inferno verde” ou de grande “vazio demográfico” (BECKER, 1989), se constituiria em tempo tão reduzido, numa ameaça a sustentabilidade da Amazônia em seu frágil e complexo ecossistema.
No momento em que atingimos o ponto de inflexão entre a disponibilidade de recursos naturais e a sua exploração desenfreada, gostaria de provocar a discussão e a reflexão sobre o desafio de produzir alimentos na Amazônia e a escassez de três fatores clássicos de produção: terra, trabalho e capital.
Estima-se em 74 milhões de hectares já antropizados na Amazônia, o que corresponde a áreas que foram desmatados ou alterados para alguma atividade econômica tais como pecuária, agricultura, mineração, urbanização e outras atividades. Se a legislação ambiental for efetivamente aplicada, desse total destinar-se-á a agropecuária apenas 14,8 milhões de hectares, considerando que 80% deve se destinar a reserva legal, devendo-se ainda considerar que parte destas terras são áreas de preservação permanente. Portanto terra não é mais um fator de produção abundante na Amazônia, mesmo tendo valor três vezes menor que no sul e sudeste a tendência é tornar-se um recurso cada vez mais escasso em decorrência as pressões ambientais.
A forte tendência de urbanização da Amazônia nos últimos 40 anos esvaziou o campo. Hoje de cada quatro habitantes, apenas um mora no meio rural. Há uma carência acentuada de mão-de-obra, especialmente a qualificada, para dar suporte à modernização tecnológica que o mercado exige das atividades agropecuárias. Particularmente na carência de assistência técnica especializada com o êxodo de jovens para os grandes centros urbanos em busca de oportunidades. Na maioria das comunidades rurais só se encontra crianças e idosos, sendo a maioria semianalfabetos. Portanto o grande desafio é elevar a produtividade da escassa mão-de-obra disponível, para que cada agricultor possa produzir alimentos para três pessoas a mais nas cidades. A escassez de capital social repercute na carência de projetos de investimento e custeio, fazendo com que os recursos de programas governamentais como o PRONAF e dos Fundos Constitucionais aplicados na Amazônia, sejam inferiores aos aplicados nas demais regiões inclusive no Nordeste.
As projeções para o futuro do agronegócio brasileiro indicam crescimento da área plantada, da produção e da produtividade, mas também apontam fatores críticos capazes de afetar a competitividade das commodities brasileiras no mercado internacional. Dentre os mais relevantes insumos, os fertilizantes se destacam pela capacidade de afetar os custos de produção agrícola, influenciando significativamente a competitividade deste setor.
O consumo de fertilizantes no País, em 2005, estava na faixa de 21 milhões de toneladas por ano e em 2010 saltou para 24,5 milhões de toneladas, sendo Mato Grosso (16,47%) o maior consumidor, seguindo-se São Paulo (14,24%), Minas Gerais (12,78%), Rio Grande do Sul (12,65%) e Paraná (13,10%), entre os cinco principais. Na Região Norte, o uso de fertilizantes em 2010 foi restrito, representando apenas 1,89% do total nacional. O Estado do Tocantins consumiu 41,02% de fertilizantes, seguindo o Estado do Pará com 36,56% e Rondônia com 15,48% do total da região (ANDA, 2010).
Por outro lado existe dificuldade de acesso ao calcário agrícola devido à baixa produção na região Norte. Apenas os Estados do Tocantins e Maranhão apresentaram produção na Amazônia, representando apenas 4,85% e 0,95% respectivamente, da produção nacional, que foi em 2009 de cerca de 21 milhões de toneladas de calcário (ABRACAL, 2009). Portanto os demais estados da Amazônia ficam dependentes de importações dos estados maiores produtores de calcário representados pelo Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e outros elevando o custo do insumo que gira em torno de R$ 300,00/tonelada no nordeste paraense.
Os prognósticos em relação ao potássio não são animadores, pois ele é produzido no Brasil por uma única empresa, que ainda não tem capacidade de produção para abastecer acima de 10% do consumo nacional. Entre 2005 e 2008, os preços desta commodity dispararam, atingindo valores muito altos, tendo praticamente triplicado, passando de US$ 319,00/t de K2O em 2005 para US$ 901,00/t de K2O em 2008 (KULAIF, 2009). Por outro lado existem grandes reservas localizadas nos Estados de Sergipe e Amazonas (Bacia Sedimentar Sergipe/Alagoas e Bacia Sedimentar do Amazonas em Nova Olinda do Norte), este último a segunda maior no mundo em superfície. Seria tecnicamente viável, de imediato na primeira fase, uma produção de 2 milhões de t/ano, o triplo da atual produção nacional, a um custo de US$ 3 bilhões com um prazo de três anos para a sua implantação e uma vida útil estimada em 500 anos (OGASAWARA et al. 2010). Para esses autores as importações de potássio pelo Brasil deverá se manter até 2030, a menos que se amplie o quadro de novos projetos, porque a dimensão anunciada para o ainda hipotético projeto de Nova Olinda no Amazonas (2,0 milhões de toneladas), somado aos dois novos projetos de Sergipe de 1,7 milhão de toneladas de potássio, e os projetos alternativos, que são de pequeno porte, totaliza uma quantidade adicional à produção brasileira de cerca de 3,7 milhões de toneladas ao fim dos próximos anos (2015), insuficiente para atender à demanda. A insuficiência em potássio foi em 2008 de 4 milhões de t/ano.
Com relação ao enxofre foram produzidas em 2008 apenas 490.000 toneladas no país para um consumo brasileiro total de 2.666.000 toneladas, representando somente 18,4%. Portanto o Brasil depende quase que totalmente do enxofre importado e as expectativas para o futuro não são animadoras, tanto mais estando em curso um grande programa de produção de etanol e de biocombustíveis na Amazônia, que necessitará deste insumo estratégico para a fabricação de fertilizantes, e não se vislumbra, até o presente, uma estratégia de governo voltada para o enxofre (OGASAWARA et al. 2010).
Outro fator que merece destaque é a subutilização de fertilizantes e corretivos agrícolas como uma das principais causas da baixa produtividade da agricultura amazônica. De acordo com Cunha et al (2011), o balanço de nutrientes realizado no ano agrícola 08/2009 revelou informações de grande importância sobre o aproveitamento de nutrientes pelas principais culturas cultivadas no Brasil. Os estados das regiões Norte e Nordeste do país apresentaram índices deficitários de utilização de nutrientes, que significa que as entradas de nutrientes, por meio dos insumos, foi muito menor que as saídas por intermédio das exportações das culturas. Essa condição se configura como agricultura extrativista de baixa produtividade, na qual a pressão necessária no ecossistema solo/floresta é maior do que deveria se níveis médios de tecnologias fossem utilizados, não sendo sustentável ao longo do tempo, como apresentado por Alves & Homma(2008), Tabela 1.
Tabela 1. Pressão necessária no ecossistema solo/floresta em hectares, segundo dois sistemas de exploração da terra na região Amazônica.
Para obtenção de: | Área (ha) | ||
No sistema tradicional | Com níveis médios de tecnologias | Redução da pressão sobre a floresta com uso da tecnologia (%) | |
1 tonelada de arroz | 0,83 | 0,30 | 63,8 |
1 tonelada de milho | 2,50 | 0,30 | 88,0 |
1 tonelada de mandioca | 0,08 | 0,025 | 68,7 |
1 tonelada de banana | 0,07 | 0,05 | 28,5 |
1000 frutos de abacaxi | 0,05 | 0,03 | 40,0 |
1 tonelada de carne | 6,66 | 2,50 | 62,4 |
1000 litros de leite | 1,66 | 0,41 | 75,3 |
Portanto, os desafios para produzir e desenvolver na Amazônia são diferentes e maiores que de outras regiões, considerando a escassez de terra, capital e mão-de-obra. A sociedade e o Governo Federal tem que considerar que o maior recurso da região é o seu capital social que deve ser capacitado para a geração e difusão de tecnologias inovadoras. Investimento pesado deve ser feito em educação, principalmente no meio rural para estimular a qualificação da mão-de-obra. Fortalecer as universidades existentes e criar mais campus universitário, investindo em pesquisadores especializados, focados para agregação de valores aos produtos oriundos da biodiversidade visando à elevação do registro de patentes. Para que as pesquisas gerem resultados aplicáveis deve ser estimulada a formação de grupos de pesquisadores para consolidar processos de modernização das diferentes cadeias produtivas. Práticas agroecológicas devem ser intensificadas visando maximizar a fonte energética mais abundante na região, a fotossíntese, como geradora de biomassa para produção de energia e fertilizantes orgânicos. Os editais de pesquisa devem orientar-se no enfoque destas demandas estratégicas.
Grande parte das áreas de pastagens degradadas deve ser convertida em sistemas de Integração lavoura/pecuária com maior produtividade e sustentabilidade por unidade de área. Sistemas agroflorestais devem ser difundidos com espécies de alto valor agregado, visando à diversificação de produtos. Tal sistema tem mais possibilidades de sustentabilidade frente as pragas e doenças que ocorrem naturalmente na região, quando comparado aos sistemas de “plantation” como já demonstrado em passado recente. Reflorestamentos para produção de madeiras nobres e energia devem ser intensificados. As explorações de espécies perenes são mais sustentáveis considerando os solos pobres e a lixiviação de chuvas intensas na Amazônia. A produção de proteínas em lâminas d`água é outra grande vocação da região, considerando a sua espetacular coleção de espécies e a sua colossal bacia hidrográfica.
Verticalização da produção deve ser obstinação estratégica para pelo menos triplicar o valor bruto da produção. A mineração, em vez de se beneficiar da isenção de impostos, deveria financiar o fortalecimento de outras cadeias produtivas. Cadeias importantes como da pecuária, mandioca, madeiras e frutas devem intensificar a verticalização para obter maior valor agregado aos produtos e gerar mais emprego e renda. Em qualquer área do conhecimento existem tecnologias e experiências exitosas já em prática que vem sendo executadas por produtores ou empreendedores que necessitam ser prospectadas, sistematizadas, descritas e difundidas para o nivelamento de outros atores e para promover o desenvolvimento da região.
Só com tecnologias inovadoras será possível superar a escassez de terra, capital e trabalho na Amazônia rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental
Literatura consultada
ABRACAL. Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola. Calcário agrícola Brasil – Produção por Estado. Disponível em: http://www.calcario-rs.com.br/ Downloads/CALCARIO_AGRICOLA_BRASIL_PRODUCAO_POR_ESTADO_1987_A_2009.pdf. Acesso em: 15 de mar/2012.
Alves, R. N. B.; Homma, A. K. O. Amazônia: do verde ao cinza – 2.ed. rev. – Belém, PA: Embrapa Amazônia Oriental, 2008. 243 p : il ; 21cm.
ANDA. Associação Nacional para Difusão de Adubos. Consumo de fertilizantes por região. Disponível em: http://www.potafos.org/ ppiweb/brazil.nsf/$webindex/7A41892BCC7634FB83256B1200656701?opendocument&navigator=profile. Acesso em: 15 de mar/2012.
BECKER, B. Grandes projetos e produção do espaço transnacional: umanova estratégia do estado na Amazônia. Revista Brasileira de Geografia, v. 51, n. 4, p. 230-254, 1989.
CUNHA, J. F.; CASARIN, V.; PROCHNOW, L. I. Balanço de nutrientes na agricultura brasileira de 1988 a 2010. Informações Agronômicas, Piracicaba, SP, n. 135, p. 1-7, setembro, 2011.
KULAIF, Y. Relatório Técnico 52: Perfil do Potássio. Desenvolvimento de estudos para elaboração do plano duodecenal (2010 – 2030) de Geologia, Mineração e Transformação Mineral ‐ PDGMT 2010/2030. Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, 2009. Disponível em: http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/a_mineracao_brasileira/P29_RT52_Perfil_do_Potxssio.pdf. Acesso em: 15 de mar/2012.
OGASAWARA, E.; KULAIF, Y.; FERNADES, F. R. C. A Indústria brasileira de fertilizantes (cadeia NPK, enxofre, rocha fosfática e potássio) ‐ projeções de 2010 A 2030. FERNADES, F. R. C.; LUZ,A. B.; CASTILHOS, Z. C. editores técnicos. Agrominerais para o Brasil. Rio de Janeiro, RJ: CETEM/MCT, p. 145-168, 2010. Disponível em: http://www.cetem.gov.br/ agrominerais/novolivro/cap8.pdf. Acesso em: 15 de mar/2012.
EcoDebate, 01/10/2013
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