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Porto do Açu e o canto da sereia. Entrevista com Marcos Pedlowski

 

“Dificilmente o Porto do Açu acontecerá nas dimensões que foram apresentadas por Eike Batista. Afinal, o superdimensionamento do empreendimento já é visto por muitos como a principal razão de todo o atraso que se deu”, constata o geógrafo.

               Foto: www.mulheresnopoder.com.br

Confira a entrevista.

O Porto do Açu, um empreendimento localizado no município fluminese de São João da Barra, e desenvolvido pelo grupo EBX, “se encontra num estado de animação suspensa em meio a grave crise financeira e de credibilidade do Sr. Eike Batista e do seu conglomerado de empresas”, diz Marcos Pedlowski (foto abaixo) à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. E ironiza: o “chamado Complexo Logístico, Industrial do Superporto do Açu – CLIPA não passou de muita espuma e pouco chopp”.

De acordo com Pedlowski, os prognósticos em torno do futuro do Porto do Açu são “arriscados, pois não se sabe bem a real condição do que já foi construído e da viabilidade de se construir ou ampliar uma série de estruturas de apoio, tais como ferrovias, linhas de transmissão e rodovias”. A continuidade da obra, assinala, “vai depender do esforço que o governo federal, através principalmente do BNDES, fizer para convencer grandes corporações de que o Porto do Açu é um negócio viável”.

Na entrevista a seguir, Pedlowski, que vem acompanhando o empreendimento de perto, comenta a situação de agricultores e pescadores que tiveram suas terras desapropriadas, e aponta que, apesar da incerteza em relação à continuidade do projeto, terras continuam sendo desapropriadas. De acordo com ele, 29 agricultores do V Distrito de São João da Barra apresentaram uma queixa-crime contra Eike Batista, Sérgio Cabral e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, por conta das desapropriações. “É apenas a ponta do iceberg de uma grande batalha judicial que se inicia por causa de tudo que vem ocorrendo no Porto do Açu desde que as desapropriações começaram em 2009”, afirma.

Marcos Pedlowski é graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Environmental Design And Planning – Virginia Polytechnic Institute and State University. É professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, com atuação no âmbito do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da UENF.

Confira a entrevista.

              Foto: programafaixalivre.org.br

IHU On-Line – Qual a atual situação do Porto de Açu? Há dúvidas em relação aos investimentos no Porto de Açu, considerando a situação financeira de Eike Batista e ao fato de seus sócios estarem deixando o negócio? Como fica o empreendimento caso a situação financeira de Eike piore?

Marcos Pedlowski – Eu diria que a melhor definição da situação do Porto do Açu é que o empreendimento se encontra num estado de animação suspensa em meio a grave crise financeira e de credibilidade do Sr. Eike Batista e do seu conglomerado de empresas. Em relação ao possível abandono de sócios, creio que a situação é até anterior a isso, pois o que houve foi a assinatura de uma série de cartas de intenção entre o Grupo EBX e uma série de corporações nacionais e multinacionais que, ao longo do tempo, vêm anunciando o abandono do empreendimento. O fato, usando uma linguagem popular, é que o chamado Complexo Logístico, Industrial do Superporto do Açu – CLIPA não passou de muita espuma e pouco chopp. Essa, aliás, é uma característica marcante da ação do Sr. Eike Batista, que anunciava feitos incríveis pelo Twitter, e que agora ficamos todos sabendo que era muito mais propaganda do que fatos.

Em relação ao futuro do Porto do Açu, creio que todo prognóstico é arriscado, pois não se sabe bem a real condição do que já foi construído e da viabilidade de se construir ou ampliar uma série de estruturas de apoio, tais como ferrovias, linhas de transmissão e rodovias. Eu me arriscaria a dizer que tudo vai depender do esforço que o governo federal, através principalmente do BNDES, fizer para convencer grandes corporações de que o Porto do Açu é um negócio viável. Entretanto, mesmo que esse convencimento seja exitoso, dificilmente o Porto do Açu acontecerá nas dimensões que foram apresentadas por Eike Batista. Afinal, o superdimensionamento do empreendimento já é visto por muitos como a principal razão de todo o atraso que se deu.

IHU On-Line – Como foram negociadas as desapropriações de terras dos agricultores do V Distrito de São João da Barra? Qual é o emaranhado legal que envolve essas desapropriações?

Marcos Pedlowski – A primeira coisa que precisa ficar clara é que no tocante aos agricultores familiares e pescadores nunca houve uma negociação para que as desapropriações fossem feitas. Desde o início, o que tivemos foram medidas de força, aprovadas pelo governo do Rio de Janeiro, para garantir a quantidade de terra demandada pelo Grupo EBX. E agora chegamos a uma situação muito complexa, onde os próprios decretados do governo estadual, que foram supostamente feitos em nome do interesse público, podem ser questionados em função da crise em que o empreendimento se encontra. Além disso, há a questão de que as desapropriações comandadas pela Companhia de Desenvolvimento Industrial – CLIPA foram feitas de forma em que os interesses legais dos desapropriados não foram respeitados. Tudo isso dá uma ampla margem para uma interminável quantidade de processos na justiça, seja contra o governo do Rio de Janeiro ou contra o Grupo EBX. E justamente isso que já começou a acontecer.

IHU On-Line – Qual a situação dos agricultores e pescadores que vivem no entorno do Porto de Açu? Por que os ex-proprietários de terras são considerados réus ignorados?

Marcos Pedlowski – A situação de agricultores e pescadores, especialmente aqueles que decidiram resistir contra o processo de desapropriação, é a mais caótico possível.  Temos inúmeros casos em que os atingidos pelas desapropriações esperam em vão pelo ressarcimento de suas propriedades. Além disso, o fato de que o sistema produtivo que vigia há vários séculos foi interrompido pelo estabelecimento de cercas que interrompem ou dificultam a locomoção do gado implica numa diminuição flagrante da produção agrícola e pecuária. O fato é que ali tínhamos um sistema que combinava agricultura com pecuária em rodízio de áreas que exemplificava uma bela adaptação às condições ecológicas da região. Quando se interrompeu isto, a vida dos agricultores ficou muito difícil, para não dizer impossível. No caso dos pescadores, temos ainda o fato de que eles estão enfrentando graves dificuldades por causa do fechamento de áreas tradicionais de pesca que ficam exatamente na chamada área de exclusão do Porto do Açu. Além disso, o processo de salinização que atingiu várias lagoas, mas principalmente a Lagoa de Iquipari, diminui os estoques de peixes e colocou a maioria dos pescadores artesanais que ali trabalhavam em graves dificuldades.

Em relação à questão dos “réus ignorados” esse é um dos aspectos mais peculiares desse processo todo, pois é sabido que a CODIN cadastrou todos os proprietários e não haveria razão alguma para citá-los ignorados. Aliás, há uma razão sim, a de dificultar que os desapropriados possam constituir advogados para se defender. Esse, aliás, foi o caso da desapropriação do Sítio Camará, que pertencia há 40 anos ao Sr. José Irineu Toledo. No dia 26 de julho, exatamente no dia em que o José Irineu faleceu, a propriedade dele foi desapropriada, e o gado da família foi removido para uma fazenda do Grupo EBX e, pasme, o processo movido contra ele se deu usando a figura do “réu ignorado”.

IHU On-Line – Em que consiste a queixa-crime contra Eike Batista, Sérgio Cabral e Luciano Coutinho por causa das desapropriações feitas pelo governo do Rio de Janeiro?

Marcos Pedlowski – Essa queixa-crime, que foi apresentada por 29 agricultores do V Distrito de São João da Barra contra Eike Batista, Sérgio Cabral e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é apenas a ponta do iceberg de uma grande batalha judicial que se inicia por causa de tudo que vem ocorrendo no Porto do Açu desde que as desapropriações começaram em 2009.  Ao se ler a peça jurídica que instruiu a entrada desse processo, é possível ver que os agricultores estão apontando para a existência de uma série de relações ilegais entre Sérgio Cabral e Eike Batista para tomar terras agrícolas que eram altamente produtivas.

No tocante ao presidente do BNDES, o que está se apontando é que a entrega de vários bilhões de recursos públicos se deu de uma forma em que a crise do empreendimento poderá implicar em graves perdas para o tesouro nacional. Quero frisar é que esta queixa-crime é provavelmente apenas o início de uma longa batalha dentro dos tribunais.

IHU On-Line – Quais são as especulações em torno da possível venda do Porto de Açu?

Marcos Pedlowski – O fato é que o que temos até agora são meras especulações. Aliás, como existem sinais de que a obra do Porto do Açu enfrenta problemas, creio que a opção pela sua aquisição será precedida por uma cuidadosa avaliação estrutural. Afinal, num momento em que a economia mundial está vivendo um período de graves dificuldades, nenhuma grande corporação vai querer investir em alguma coisa que não tenha um retorno líquido e certo. E de líquido e certo no Porto do Açu, só existem os conflitos que estão ocorrendo em seu entorno. Mas se olharmos o retrospecto de Eike Batista, é possível observar que ele adora plantar informações para fortalecer a sua posição. O problema é que agora há menos gente querendo cair no seu canto de sereia. Talvez ai resida a maior dificuldade dele em passar o Porto do Açu para frente.

IHU On-Line – O senhor diz que o Porto do Sudeste, que fica em Itaguaí, está em melhores condições de ser vendido. Qual a situação do Porto e informações acerca de uma possível venda?

Marcos Pedlowski – O que a grande mídia está noticiando é que efetivamente o Porto do Sudeste é um ativo mais sólido e que existem diferentes grupos interessados em sua aquisição. A última notícia que se teve no final de julho é que a USIMINAS estaria se movimentando para adquirir sozinha ou em consórcio com outras empresas o controle do Porto do Sudeste. Entre estas empresas poderiam estar gigantes como a Usiminas, Gerdau e ArcelorMittal. Outra empresa que poderia entrar nessa aquisição é a AngloAmerican, que também tem participação direta no Porto Sudeste. Mas, mais uma vez, o que vem se desenrolando é algo que só poucas pessoas sabem neste momento.

IHU On-Line – O senhor mencionou recentemente que as desapropriações de terras em torno do Porto de Açu continuam e, segundo argumento da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – CODIN, tais terras serão utilizadas para construir um complexo industrial até 2030. Como está acontecendo esse processo e quais suas implicações?

Marcos Pedlowski – Olha essa é uma das questões que mais clamam por resposta neste momento. O fato é que apesar de toda essa crise que cerca o Grupo EBX e o Porto do Açu, a CODIN continua desapropriando terras como se nada estivesse acontecendo. Além disso, o mesmo esquema envolvendo o uso de grandes contingentes policiais e de seguranças privados das empresas “X” continuam a ser usados para remover de forma rápida e inapelável as famílias, seus pertences e animais. Tudo isso à luz da informação da própria CODIN que menos de 10% da área desapropriada está tendo algum uso útil. Agora a CODIN diz que essas desapropriações são para garantir a construção do Distrito Industrial de São João da Barra até 2030. Ora, se essa é a data de conclusão, por que tanta pressa de se retirar as famílias de suas terras?

As implicações desse processo é que estamos tendo uma espécie de reforma agrária a contrário, onde 7.200 de terras que eram usadas produtivamente por 1.500 famílias estão sendo passadas para um grupo econômico que se encontra à beira da falência que não está fazendo nada com elas, a não ser usá-las como peças de barganha na sua tentativa de não afundar de vez.

À luz disso tudo, o que está acontecendo aqui tem graves implicações não apenas para as famílias, que estão sendo diretamente atingidas pelas desapropriações, mas também por aquelas que dependiam de sua produção agrícola, que se ressalte não era pequena.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marcos Pedlowski – Eu queria finalizar dizendo que todo esse contexto de desrespeito aos direitos básicos dos habitantes do V Distrito de São João da Barra já vem sendo denunciado há vários anos. Lamentavelmente tivemos que ter o colapso do Império “X” para que tivéssemos mais abertura para falar desse assunto e para dar voz aos que estão sofrendo os impactos mais pesados disso tudo. Mas antes tarde do que nunca, e o que espera agora é que todos os responsáveis pela violação dos direitos dos agricultores e pescadores do Açu sejam identificados e punidos dentro das normas da lei. Afinal de contas, já passou o tempo em que se podia sapatear sobre o direito constitucional dos outros e ainda sair impune para continuar repetindo essas ações em outros cantos do nosso país.

(Ecodebate, 14/082013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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