Um em cada dez proprietários com nomes na ‘lista suja’ do trabalho escravo é infrator ambiental
Maioria das terras de proprietários com nomes na ‘lista suja’ do trabalho escravo embargadas pelo Ibama estão na Amazônia e servem à pecuária
Por Stefano Wrobleski. da Agência de Notícias Repórter Brasil
Exploração de trabalho escravo e devastação do meio ambiente continuam caminhando juntas no Brasil. A relação foi reforçada pela última atualização da “lista suja” do trabalho escravo, como é conhecida a relação oficial de empregadores flagrados explorando escravos mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Das 142 empresas e empregadores incluídos na última sexta-feira, dia 28, 18 também estão no cadastro de proprietários de terras embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com a atualização semestral, a “lista suja” atingiu o número recorde de 504 nomes, dos quais 58 também cometeram crimes ambientais, conforme levantamento feito pela Repórter Brasil a partir do cruzamento com dados do Ibama. Praticamente um em cada dez integrantes do cadastro da escravidão é também um infrator ambiental, quase a mesma proporção da última atualização, em dezembro de 2012.
A “lista suja” vem sendo atualizada semestralmente, desde o final de 2003, e reúne empregadores flagrados pelo poder público na exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. A “lista suja” tem sido um dos principais instrumentos no combate a esse crime, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do nome do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco da Amazônia, o Banco do Nordeste e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso ao crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho Monetário Nacional. Quem é nela inserido também é submetido a restrições comerciais e outros tipos de bloqueio de negócios por parte das empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo – cujo faturamento representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto brasileiro.
O nome de uma pessoa física ou jurídica é incluído na relação depois de concluído o processo administrativo referente à fiscalização dos auditores do governo federal e lá permanece por, pelo menos, dois anos. Durante esse período, o empregador deve garantir que regularizou os problemas e quitou suas pendências com o governo e os trabalhadores. Caso contrário, permanece na lista.
Amazônia
Dentre as 19 terras embargadas de 18 empregadores, 14 estão dentro da Amazônia Legal. Entre elas está a Fazenda Três Rios, do pecuarista Aldo Pedreschi, vice-presidente da Associação Rural de Ribeirão Preto (ARRP). Ele foi reinserido na “lista suja” do trabalho escravo por decisão da Justiça, que cassou a liminar que o mantinha fora do cadastro desde 2005, quando foi incluído por uma operação que libertou oito trabalhadores de sua propriedade dois anos antes. A terra, que fica no município mato-grossense de Canarana, foi embargada em 2009 pelo desmatamento ilegal de 414 hectares, uma área equivalente a 580 campos de futebol.
Pecuária é a atividade com maior presença entre desmatadores que estão na “lista suja” (Foto: Verena Glass)
O crime colocou Aldo entre os 75 maiores desmatadores e madeireiros da região de Cuiabá (MT) e o Ibama multou-o em R$ 2,6 milhões (valores corrigidos). Procurado para comentar o caso, um funcionário da ARRP informou que Aldo estava viajando e não poderia atender a reportagem. De acordo com o portal “Às Claras”, o pecuarista fez doações em 2002, 2008 e 2010 a Welson Gasparini, ex-prefeito de Ribeirão Preto e deputado estadual em São Paulo pelo PSDB desde 2011, quando foi empossado depois que Bruno Covas, seu titular, foi nomeado secretário de Estado do Meio Ambiente. Somadas, as doações chegam a R$29 mil reais em valores corrigidos.
Deputado Urzeni Rocha (PSDB/RR). Foto: Divulgação/PSDB
Outro pecuarista notável é o deputado Urzeni Rocha (PSDB-RR), que ocupa o cargo desde 2012, quando a titular Teresa Surita (PMDB) deixou o mandato para assumir a prefeitura da capital Boa Vista (RR). Em 2003, a Fazenda J.K., propriedade sua que fica no município de Mucajaí, a 60 quilômetros a capital de Roraima, foi multada pelo Ibama em R$ 44 mil por infrações da flora, em valores atuais. Já em 2010, 26 pessoas, incluindo adolescentes, foram libertadas da Fazenda Paraíso, uma propriedade sua no município de Cantá, que fica a 30 quilômetros da capital de Roraima.
Nela, a única fonte de água para os trabalhadores beberem, tomarem banho e cozinhar era a de um córrego em que animais faziam suas necessidades. Além disso, a comida fornecida era descontada dos salários dos empregados, que se endividavam mês após mês sem conseguir ir embora, já que não havia qualquer meio de transporte e a cidade mais próxima ficava a seis a oito horas de caminhada dentro da floresta. Procurado, um assessor do deputado informou à Repórter Brasil que o parlamentar não falaria sobre o caso. Além de Urzeni, outros sete políticos também fazem parte da “lista suja” do trabalho escravo.
Principal atividade na “lista suja“, envolvendo 66 das 142 novas inclusões, a pecuária tem presença ainda maior entre os nomes também incluídos na lista de embargos do Ibama: dentre as 19 terras onde foram cometidos crimes ambientais, 13 (76%) eram destinadas à atividade. Três dessas terras estão nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu, no Pará, e Nova Maringá, no Mato Grosso, e fazem parte da lista de municípios da Amazônia considerados prioritários pelo Ministério do Meio Ambiente, uma relação mantida desde 2007 com os locais em que a taxa de desmatamento aumentou em ao menos três dos últimos cinco anos. Outro local que também está na relação é Moju (PA), que marcou a entrada do dendê na “lista suja”, com o vice-prefeito do município envolvido com a escravização de dez pessoas. O dendê é a maior aposta do programa nacional de biodiesel na Amazônia.
EcoDebate, 08/07/2013
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