Convenção do Clima – O que vai prevalecer, ciência ou finanças? artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Em princípio, termina hoje em Bonn mais uma reunião da Convenção do Clima em que se tenta chegar a acordos para um compromisso, a ser assinado no ano que vem, no qual todos os países-membros, em princípio, assumirão compromissos obrigatórios a partir de 2020 para reduzir as emissões de gases poluentes que aumentam a temperatura da Terra e intensificam os desastres climáticos. Pode ser que a reunião se prolongue neste fim de semana, porque em discussões dessa natureza ninguém abre todo o jogo antes da última hora e isso obriga a penosas negociações finais.
O grupo dos países menos desenvolvidos aperta as cravelhas: “Precisamos chegar a um acordo já, não podemos continuar rodando em círculos, porque nesse ritmo a temperatura planetária poderá subir mais de 4 graus Celsius; nós somos e seremos os mais atingidos pelos desastres”. O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, faz coro (Bloomberg, 24/4): “Os recursos para energias renováveis e eficiência energética não são suficientes para evitar as calamidades; é preciso investir mais e mais rapidamente em novas tecnologias energéticas. Já são muito fortes as ameaças às economias dos países e à estabilidade do sistema financeiro. O relógio está correndo. Nós só temos um planeta e não há plano B”. Christiana Figueres, secretária-geral da convenção, reforça: “Nenhum país está fazendo o suficiente”.
Todos têm razão. Apesar das gravíssimas ameaças conhecidas, os investimentos em energias “limpas” no primeiro trimestre deste ano ficaram 22% abaixo dos que foram feitos em igual período do ano passado. Em 2012 o investimento global em renováveis já caíra 11%, para US$ 269 bilhões. E, segundo a ONU, é preciso investir anualmente pelo menos US$ 700 bilhões para atender à população de 8 bilhões de pessoas em 2030. As emissões de poluentes na Grã-Bretanha (Environment, 25/4) aumentaram, embora o país as atribua a mais produtos importados (em lugar dos poluentes que eram fabricados internamente). Nos EUA, o presidente empaca em seus projetos de um modelo menos poluente, diante da resistência do Congresso. Metade da energia consumida no país é desperdiçada, mais que todo o consumo no Japão (New Scientist, 13/4). Na Austrália, teme-se que acabe implodindo a “bolha” do comércio de carbono, principalmente nas exportações, pois ao menos dois terços das gigantescas reservas de carvão terão de permanecer no subsolo, inexploradas (The Guardian, 28/4), diante de limites graves.
A China começa a assumir a vanguarda na área das renováveis, embora ainda seja o país que mais emite poluentes. Em 2012 investiu US$ 65 bilhões nessa área (AFP, 27/4), 20% mais que no ano anterior, ou 30% do investimento total dos países do G-20. Na energia solar o crescimento foi de 75%; na eólica, 36%. No mundo, o crescimento na primeira área foi de 42%; na segunda, 21%. Ainda assim, as emissões globais aumentaram em 2012. Rajendra Pachauri, que dirige o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não se cansa de advertir: se as emissões não baixarem, até 2050 a temperatura subirá entre 2 e 2,4 graus Celsius, pelo menos; e o nível dos oceanos se elevará entre 0,4 e 1,4 metro; poderá ser até mais com o degelo no Ártico.
E onde fica o Brasil nesse panorama? Garantem nossos técnicos que o Plano Nacional de Mudanças do Clima está sendo revisto e será levado à convenção, com o compromisso de reduzir as emissões entre 36,1% e 38,9% sobre o patamar previsto para 2020 – o que significa 1 bilhão de toneladas equivalentes de carbono. Estudo da Unicamp garante (24/4) que a agropecuária poderá contribuir com 13% da redução, graças principalmente à recuperação de 19 milhões de hectares de pastagens degradadas.
O Observatório do Clima, que reúne mais de 30 ONGs, observa, entretanto, que o governo Dilma Rousseff não dá a devida importância à área do clima (Valor Econômico, 25/4). Outros críticos afirmam que não se pode continuar depositando as esperanças nacionais no petróleo do pré-sal, pois, além dos problemas da poluição no consumo, não estão equacionados os das tecnologias a serem usadas na extração e possíveis consequências ambientais. Nesse contexto é lembrado o relatório da Carbon Tracker e do Instituto de Pesquisas Grantham segundo o qual de 60% a 80% das reservas de petróleo, carvão e gás natural em poder das grandes empresas “nunca poderão ser aproveitadas” – diante do que estabelecem e estabelecerão os acordos em discussão na área do clima, como na conferência que se realiza em Bonn. Trata-se, diz o relatório (apoiado por HSBC, Standard and Poor’s e Agência Internacional de Energia), de uma nova “bolha financeira”, que poderá gerar nova crise mundial. Ainda assim, adverte o conceituado economista Nicholas Stern, as 200 maiores empresas do setor investiram US$ 674 bilhões na descoberta de novas reservas no ano passado – cerca de 1% do PIB mundial.
Reforça apreensões o relatório do Scripps Institution of Oceanography, da Universidade de San Diego, segundo o qual no dia 22 último um laboratório no Havaí registrou o índice de 398,36 partes de poluentes por milhão (ppm) na atmosfera (eram 250 no início da revolução industrial). E há outros pontos do planeta onde esse índice já superou 400 ppm – taxa só registrada na Terra há pelo menos 3,2 milhões de anos. Se chegar a 450 ppm, dizem os cientistas, as consequências serão inimagináveis.
Que prevalecerá? A lógica apenas econômico-financeira? Ou a crença – que a ciência julga perigosa – de que novas tecnologias resolverão tudo? Ou ainda a convicção de economistas (ou ex-economistas, assim ele se qualificou há algum tempo) como André Lara Resende de que “existem limites físicos para o crescimento” (Valor Econômico, 26/4) – pensamento que está no livro Os Limites do Possível, que acaba de ser lançado?
* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wrlnovaes@uol.com.br.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 06/05/2013
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