Soja, cana e pecuária ocupam novas áreas e avançam sobre o Centro-Oeste
O crescimento da produção de soja, cana-de-açúcar e pecuária bovina no Centro-Oeste do Brasil, registrado em anos recentes, se deu principalmente por causa da ocupação de novas áreas. Como consequência do avanço da fronteira agrícola, a região tem registrado a substituição de culturas, a degradação de solo e o desflorestamento. As constatações fazem parte da tese de doutorado de Vivian Helena Capacle Correa, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Walter Belik. A autora contou com bolsas concedidas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação, e Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
De acordo com Vivian, embora o rendimento das três atividades tenha aumentado, em razão da adoção de manejos adequados e de tecnologias avançadas, como o uso de novos cultivares, é a ocupação de novas áreas que tem impulsionado o crescimento da produção no Centro-Oeste. O avanço em direção à região, conforme a pesquisadora, tem sido estimulado por diversos fatores. Entre eles está a disponibilidade de terras. “São Paulo continua sendo o maior produtor de cana-de-açúcar do país, mas o Estado já está saturado. Assim, a alternativa encontrada pelas usinas para atender à crescente demanda por etanol, por exemplo, é levar a cultura para outras áreas, notadamente os estados do Centro-Oeste”, explica.
Outro aspecto que tem atraído o interesse dos produtores pela região é a disposição das prefeituras em oferecer incentivos como a anistia de impostos ou a doação de terras. Durante o trabalho de campo que realizou para a pesquisa do seu doutorado, Vivian teve a oportunidade de entrevistar inúmeros atores envolvidos com o tema, entre eles prefeitos. “No contato que tive com eles, alguns admitiram que os municípios ofereciam esses estímulos porque a chegada dos empreendimentos agropecuários traziam vantagens como a geração de emprego e o fortalecimento da economia local”, relata a pesquisadora.
É o que teria ocorrido na cidade de Quirinópolis, em Goiás, com a chegada da Usina Boa Vista, do Grupo São Martinho, um dos maiores do Brasil no segmento sucroalcooleiro. A usina pretende moer oito milhões de toneladas de cana por safra, estabelecendo-se como a maior unidade processadora em atividade no Brasil. “Na entrevista, o prefeito me disse que o município cedeu a área da unidade industrial da usina e os programas de redução de impostos atraíram a empresa para a sua cidade. Ainda segundo ele, com a chegada da Boa Vista e a expansão da cana-de-açúcar houve a geração de novos postos de trabalho e o aumento da arrecadação de impostos. Graças a isso, ele disse ter conseguido ampliar a oferta de serviços à população, através da construção de postos de saúde e creches”, informa Vivian.
IMPACTO AMBIENTAL
Se o segmento econômico experimentou avanços em alguns municípios do Centro-Oeste a partir desse movimento, o mesmo não se pode dizer do meio ambiente, conforme constatou a investigação promovida por Vivian. A autora da tese afirma que a expansão das três atividades analisadas no seu trabalho, notadamente a plantação de cana, tem provocado mudanças na região. Uma delas diz respeito à substituição de culturas. O arroz e o feijão, que foram importantes para a região, perderam espaço para os canaviais. Além disso, a própria pecuária extensiva, que também sempre se destacou naquele pedaço do país, tem sido gradativamente substituída pela cana.
Vivian explica que a cana chegou ao Centro-Oeste no momento em que a pecuária começava a apresentar declínio. “Por causa disso, muitos pecuaristas decidiram vender ou arrendar as suas terras para o plantio de cana. Alguns desses produtores passaram a viver de renda e foram morar nas cidades. Outros, porém, transferiram a produção para áreas mais distantes. Embora uma corrente diga que eles se instalaram na própria região, há registros de que muitos deles estão migrando em direção ao Norte, inclusive para o Pará, sob o bioma Amazônia, onde estão implantando novas pastagens, algumas em terras ocupadas originalmente por florestas. “O resultado dessa migração é perceptível. Em Goiás, eu visitei um frigorífico dotado de equipamentos moderníssimos, mas que está desativado. A explicação é a de que já não há mais nas imediações produtores que forneçam animais para o abate”, aponta a autora da tese.
Nas entrevistas que fez com políticos e gestores públicos, Vivam diz ter apurado dois pontos fundamentais em relação à questão da degradação do meio ambiente. Um deles é o fato de não haver uma consciência ambiental difundida entre as sociedades locais. “O prefeito de Quirinópolis, por exemplo, reforçou que ele quer mais é que a cana tome mesmo conta das áreas agrícolas do município. A preocupação mais imediata é com o crescimento econômico e a geração de empregos”, conta. O outro ponto refere-se à inexistência de políticas de zoneamento econômico e ecológico no Centro-Oeste como um todo. Com exceção de Mato Grosso do Sul, que conta com zoneamento próprio, os outros dois estados, Mato Grosso e Goiás, não dispõem de legislação nesse sentido.
Vivian explica que esse tipo de instrumento legal é indispensável porque ajuda a orientar as atividades produtivas. “O zoneamento não tem a finalidade de proibir que se produza isso ou aquilo neste ou naquele ponto. Entretanto, ele aponta quais são as áreas mais sensíveis e que, portanto, não são adequadas para receber determinados empreendimentos agrícolas. Isso é importante porque a inobservância ao zoneamento faz com que uma usina, por hipótese, não receba financiamento do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para a construção da sua planta industrial”, exemplifica a pesquisadora.
Em Goiás, conforme a autora da tese, a questão do zoneamento econômico e ecológico somente agora está sendo discutida. Em Mato Grosso, a legislação chegou a ser criada, mas ela foi posteriormente embargada a pedido do Ministério Público, que identificou falhas na sua formulação. “Vale reforçar que o zoneamento é importante para identificar as áreas sensíveis e as que podem ser exploradas. Existe uma legislação federal relacionada ao tema e um decreto federal que determina critérios para que os estados estabeleçam os parâmetros para essa distinção”, informa. Em seu trabalho, Vivian também analisou o papel desempenhado pelos conselhos municipais de Meio Ambiente, previstos na legislação. De acordo com a pesquisadora, nem todas as cidades contam com esse tipo de órgão. “Os que existem não têm competência para tratar de assuntos relevantes como a expansão da cana-de-açúcar, por exemplo. Normalmente, eles deliberam sobre questões menores como a exploração de areia ou a implantação de uma pequena planta industrial. Entretanto, não exercem qualquer influência quando o assunto é a instalação de uma grande usina na cidade”, assinala.
ESTRATÉGIA DE MERCADO
No contato que manteve com produtores do Centro-Oeste, Vivian diz ter identificado, ainda, dois outros aspectos. De acordo com o depoimento dos pecuaristas, o confinamento do rebanho não é uma alternativa para conter a expansão de áreas para a criação de pastagens. “O que eles informaram é que esse modelo de produção é somente uma estratégia de mercado. Ele é usado para engordar o gado em menor período, principalmente na época da entressafra”. Alguns pecuaristas também revelaram à pesquisadora que o sistema produtivo que integra lavoura e pecuária, apontado como uma medida que contribui para preservar a terra, ainda é pouco difundido . A característica predominante na região é a adoção de grandes áreas para a produção pecuária e o plantio de monoculturas. “Além disso, somente os pecuaristas bem capitalizados é que conseguem adotar alternativas como o pasto rotacionado, técnicas de manejo adequadas e produção intensiva”.
A metodologia empregada por Vivian em sua tese considerou, entre outros aspectos, a revisão bibliográfica sobre a expansão da agropecuária no Centro-Oeste e entrevistas com prefeitos, técnicos, produtores e gestores públicos. A fim de aperfeiçoar a constatação da redução de áreas de pastagens e de matas na região, bem como visualizar a alteração total da área agricultável utilizada por uma determinada atividade, a pesquisadora utilizou o modelo Efeito Escala (EE) e Efeito-Substituição (ES), a partir de dados de área plantada fornecidos pelos censos agropecuários de 1995 e 2006.
Conforme a autora do trabalho, trata-se de um método indicativo – não determinístico –, que supõe que todos os produtos que tiveram expansão de área substituíram proporcionalmente aqueles que os precederam. Também foi utilizado o modelo de Contribuição de Área e Contribuição de Rendimento para a análise sobre o padrão de crescimento das produções de soja e cana-de-açúcar na região.
Publicação
Tese: “O Desenvolvimento e a Expansão Recente da Produção Agropecuária no Centro-Oeste”
Autora: Vivian Helena Capacle Correa
Orientador: Walter Belik
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: Capes e Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento
Matéria no Jornal da Unicamp Nº 558, publicada pelo EcoDebate, 30/04/2013
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