Redução da maioridade penal: uma proposta falaciosa. Entrevista com André Luís Callegari
“Na América Latina, quando índices de criminalidade de um determinado delito aumentam, a primeira solução do legislador não é verificar o que está acontecendo, mas dar uma resposta ao clamor social”, lamenta o advogado.
Confira a entrevista.
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Reduzir a maioridade penal para acabar com a violência “é uma falácia”, diz André Luís Callegari à IHU On-Line. Segundo ele, a proposta não é fundamentada empiricamente e a aprovação da maioridade penal “seria uma mera transferência física do lugar de cumprimento da pena. Transferiríamos fisicamente os menores da Fundação de Atendimento Socioeducativo – FASE para o Presídio Central”, adverte em entrevista concedida por telefone.
Na avaliação dele, a discussão sobre a redução da maioridade penal apresenta algumas preocupações, e entre elas está a criação de casas prisionais para jovens menores de 16 anos. “Por um sistema biológico que o Código Penal adota, consideramos que nessa fase de 16 anos, embora o jovem tenha o direito civil de votar, ele não atingiu a maturidade plena. O que fariam os outros presos em relação a esse jovem? Todo esse aspecto social tem que ser avaliado porque nós não temos, dentro do sistema prisional, as condições de separarmos os presos primários, aqueles que estão ingressando, e os presos provisórios, que estão lá no sistema presos por uma decretação de uma prisão preventiva para uma investigação, dos presos condenados”. E conclui: “A minha pergunta sociológica é: Será que estamos fazendo bem ou mal ao reduzir a maioridade penal? Não estaremos colocando em contato com pessoas de alta periculosidade jovens que ainda têm uma chance de recuperação?”
André Luís Callegari (foto abaixo) é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, e doutor em Direito Público e Filosofia Jurídica pela Universidad Autónoma de Madrid. É doutor honoris causa pela Universidad Autónoma de Tlaxcala e pelo Centro Univesitário del Valle del Teotihuacan, do México. Leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que contexto histórico, político e social surge a proposta de reduzir a maioridade penal?
Foto: http://www.cartaforense.com.br |
André Luís Callegari – Essa proposta surge de ondas de populismo penal ou de sentimentos de vingança. Atendendo ao clamor social diante de momentos históricos de aumento de um determinado crime, o legislador pensa que a melhor maneira de solucionar o problema é aumentar a lei penal. Esse é um entendimento histórico na América Latina, onde se legisla com base nos casos de comoção social. Diante do aumento de casos de criminalidade, queremos responder com aumento de pena ou redução da maioridade penal.
IHU On-Line – Quais são os argumentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal? Como esse tema está sendo discutido na área jurídica?
André Luís Callegari – Os argumentos favoráveis são mais emotivos e populistas. Temos de recordar que essa discussão voltou à tona por causa do assassinato de um jovem em São Paulo, em que o assaltante completaria 18 anos três dias depois. Isso acontece cotidianamente, mas como esse caso teve grande repercussão, os favoráveis dizem: “Temos de acabar com a violência, e para isso é preciso reduzir a maioridade penal”. Sabemos que essa mensagem é falaciosa, não tendo comprovação empírica. Aprovar a maioridade penal seria uma mera transferência física do lugar de cumprimento da pena. Transferiríamos fisicamente os menores da Fundação de Atendimento Socioeducativo – FASE para o Presídio Central. Temos um sistema penal falido na América Latina; a pena deveria ser ressocializadora e retributiva, mas não cumpre nenhum desses papéis. Hoje existem depósitos de presos e o Rio Grande do Sul é um exemplo disso. O Presídio Central é o novo Carandiru.
Não nos damos conta, e ninguém faz essa análise, mas muitas vezes o menor de idade cumpre uma medida socioeducativa mais dura do que uma pessoa penalmente responsável. Explico: o menor de 18 anos, quando pratica um delito, recebe a pena máxima de três anos de internação. No caso de um maior praticar um homicídio simples, a pena varia de seis a vinte anos. Se ele for condenado a seis anos e cumprir um sexto da pena, ficará preso por um ano e poderá trocar de regime, ficando no regime aberto. Quer dizer, ele sai mais cedo da prisão. Então, reduzir a maioridade penal é uma alternativa falaciosa porque queremos dar uma resposta à sociedade através do Direito Penal; esse não é o melhor caminho.
IHU On-Line – Os defensores da redução da maioridade penal argumentam que os jovens de 16 anos devem ser responsáveis pelos seus atos. Considerando a questão da responsabilidade, que alternativas existem diante dessa proposta?
André Luís Callegari – Onde o Estado não entra se estabelece outro tipo de relação. Estudos sociológicos realizados nas favelas do Rio de Janeiro demonstram por que as milícias tomaram conta. Então, não se pode atribuir tudo ao Direito Penal. Temos de dar oportunidades aos jovens que têm a violência como base de identidade social e cultural. Precisamos de políticas públicas para que eles possam ter educação, alimentação e política social. Essas medidas não são adotadas. Fala-se que o país está erradicando a miséria, mas se vende muita coisa boa e se esconde muita coisa ruim. Volto a insistir que na América Latina, quando índices de criminalidade de um determinado delito aumentam, a primeira solução do legislador não é verificar o que está acontecendo, mas dar uma resposta ao clamor social. Estatisticamente, nunca o aumento da pena ou a redução da idade penal foram a solução para o índice de criminalidade. Se assim fosse, nos países em que há pena de morte não existiriam crimes.
Há uma proposta em São Paulo de que, caso não se reduza a idade penal, se aumente o tempo de internação dos menores de três para oito anos. Aí eu pergunto: Por que se interna um menor por três anos? Porque se espera ter mais chance de recuperá-lo e reintegrá-lo à sociedade. Isso é mais difícil de acontecer com um regresso. Se aumentar o tempo de ingresso dos menores em um estabelecimento prisional com outro nome, porque a FASE tem as mesmas mazelas e problemas do presídio, a chance de recuperação será cada vez menor.
IHU On-Line – Qual a eficácia da Fundação de Atendimento Socioeducativo – FASE?
André Luís Callegari – O sistema que funciona na FASE é o mesmo sistema que funciona dentro do presídio. Existem as mesmas gangues, alguns são submetidos por força à vontade dos outros; há alguns que são forçados a assumir determinados atos infracionais lá dentro em nome dos outros; trata-se de um círculo vicioso.
Temos de pensar na política do egresso: o que é feito depois da internação? A FASE existe para reeducar e ressocializar os menores, mas muitas vezes eles nem entram socializados lá dentro. Então a proposta acaba sendo uma falácia. Seria preciso pensar num sistema que, após a saída, o menor pudesse de fato ser matriculado numa escola, ter um aprendizado técnico, ter uma oportunidade dentro da sociedade. Isso é muito difícil e esse é um investimento do Estado.
IHU On-Line – A solução é investir em outras questões, como trabalho e educação?
André Luís Callegari – Exato! O Estado tem que investir nisso. Há uma eclosão do sistema carcerário; todo mundo sabe disso. O Brasil está sendo condenado pelo Tribunal Internacional de Direitos Humanos, porque os presos estão aglomerados sem as condições mínimas de saúde, de higiene e de possibilidade de reinserção na sociedade.
É claro que o crime que aconteceu em São Paulo chocou, foi amplamente divulgado e criou essa comoção, essa sensação de impunidade. Isso acontece cotidianamente; uns são mais noticiados, outros menos. Acontece que, quando isso vem à tona com tanta força, a população evidentemente se revolta. E o que ela pede? Vingança através do Estado.
IHU On-Line – Quais as implicações sociais da redução da maioridade penal?
André Luís Callegari – A população tem de estar ciente de que todas as medidas endurecedoras que virão, caso a maioridade penal seja reduzida, não serão para casos já praticados. No aspecto sociológico, nós faríamos com que jovens de 16 anos (se fosse esse o limite estabelecido pelo legislador) ingressassem nas casas prisionais.
Aí vem outra preocupação: criaríamos uma ala especial dentro dessas casas prisionais, com um tratamento diferenciado? Porque por um sistema biológico que o Código Penal adota, consideramos que nessa fase de 16 anos, embora o jovem tenha o direito civil de votar, ele não atingiu a maturidade plena. O que fariam os outros presos em relação a esse jovem?
Todo esse aspecto social tem que ser avaliado porque nós não temos, dentro do sistema prisional, as condições de separarmos os presos primários, aqueles que estão ingressando, e os presos provisórios, que estão lá no sistema presos por uma decretação de uma prisão preventiva para uma investigação, dos presos condenados. Então, a minha pergunta sociológica é: Será que estamos fazendo bem ou mal ao reduzir a maioridade penal? Não estaremos colocando em contato com pessoas de alta periculosidade, jovens que ainda têm uma chance de recuperação?
IHU On-Line – Como resolver o problema da criminalidade e da superlotação dos presídios?
André Luís Callegari – Em primeiro lugar, temos de pensar que o Direito Penal sempre foi pensado como a última justificativa de uma sociedade. Precisamos ter outras medidas, alternativas que visem solucionar os conflitos. O Direito Penal nunca vai deixar de existir, porque é a forma de o Estado intervir na solução de conflitos.
O problema é que nós temos de ter também políticas públicas fortes nas áreas menos favorecidas e de investimentos para que essas pessoas possam ter as mesmas chances do que os outros em uma sociedade igualitária. Esse é um fato que nós não temos.
Em segundo lugar, continua existindo aquela ideia de que o Direito Penal atinge as pessoas menos favorecidas. Se fizermos um levantamento no sistema prisional brasileiro, vamos constatar que 1%, e talvez nem chegue a isso, da população carcerária são presos relativos a delitos econômicos, delitos com sistema financeiro nacional, delitos contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro etc. 99% dos presos são de classes menos favorecidas. E isso tem uma explicação lógica: não punimos e não temos a força punitiva de atingir as classes mais altas que, também, através do desvio de dinheiro público, de recursos, de medicamentos, acabam matando indiretamente muita gente.
Acontece que esses delitos não têm repercussão, porque não são delitos de sangue, como nós dizemos, não são delitos de interesse da mídia. O que acaba acontecendo é que nós nos focamos sempre nos delitos com violência ou grave ameaça à pessoa. Como resolver esse problema? Não há uma solução mágica para isso. Efetivamente as penas não vão diminuir a criminalidade. Temos de investir para que essas pessoas saiam da zona de marginalidade e possam conviver socialmente com os mesmos direitos e garantias individuais que as outras pessoas têm.
(Ecodebate, 26/04/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
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Todos dizem as mesmas coisas: que não resolve, que o sistema prisional não atende à recuperação do condenado para a sociedade, os presídios são desumanos, superlotados e cheios de falhas, etc., etc., etc.. Também concordo, haja vista os absurdos e situações imorais que a imprensa cuida de trazer a público quase todos os dias. Pois bem: E O QUE É QUE RESOLVE? Ou não há como resolver? Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A diminuição da maioridade penal é um imperativo, quaisquer sejam as condições do sistema prisional brasileiro. Pessoas de menos idade, até crianças assim como adolescentes, sabem perfeitamente o que é certo e o que é errado, o que podem/devem ou não fazer. SEJAM RICOS OU SEJAM POBRES, de classe social baixa, média ou alta! Muito mais sabem quando cometem crimes, “hediondos” ou não. Dizer que não se há de diminuir a maioridade penal porque as prisões são desumanas é muito mais falacioso. Os problemas brasileiros são inúmeros (e como são!), nossos políticos e governantes são desonestos (e como são!). Não são, porém, justificativas para que nada se faça, ou se faça alguma coisa para buscar resultados a longo prazo. A comoção pública existe, sim, é contínua. Mas se manifesta somente quando a imprensa publica horrores, por que não? A sociedade brasileira vive atemorizada, porque sabe-se que não há mais segurança, eis que os marginais estão soltos nas ruas e o cidadão de bem há que ficar preso em suas casas ou em carros blindados! A busca da solução, não a melhor e/ou definitiva, além da responsabilização penal em idade reduzida, situa-se na revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI ÓTIMA PARA PAÍSES ÓTIMOS, ADIANTADOS, COM POPULAÇÃO ALFABETIZADA E EDUCADA, NÃO PARA O BRASIL). O ECA é inaplicável à situação brasileira. A criança menor de 16 anos, proibida de trabalhar e impedida de estudar face à incompetência política e administrativa de nossos governantes, pertencente a famílias envolvidas na criminalidade, só aprenderão o que a marginalidade lhe ensinar. Além disso, com a isenção penal, será sempre ferramenta fácil e ao alcance de marginais maiores de idade, que a utilizará como escudo, colocando-a precocemente no crime. A verdade é mais cruel do que parece e, por isso mesmo, a solução precisa ser bem mais esperta do que meras pregações ideológicas e inteligentes. O entrevistado ilustre é formador de opinião, e sua fala deixa a desejar em face da urgente necessidade de encontrar-se melhor solução para problemas tão graves na sociedade brasileira. O PODER PÚBLICO PRECISA SER MAIS COMPETENTE E MELHOR. COM URGÊNCIA!!!