O Sertanejo lamenta, mas resiste à seca, artigo de Juracy Nunes
[EcoDebate] No meu tempo de menino nascido e vivendo no interior, a crença popular era mais forte do que os escassos ensinamentos técnicos disponíveis à população. A seca e o inverno eram discutidos à luz das “experiências” com observação acurada do comportamento dos animais, da evolução das plantas, da força do vento e até mesmo da posição das nuvens no céu.
A confiança da chegada da chuva até o dia de São José era mantida com fé inabalável. Hoje, segundo os meteorologistas a interação entre seca e chuva é influenciada por diversos fatores dos quais vale destacar a diferença de temperatura superficial entre as águas do Atlântico e do Pacífico, o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), entre outras causas. O homem do campo atual tem essas informações, escuta cuidadosamente os boletins meteorológicos, mas não deixa de valorizar um carrego de formiga ou a localização do enxu de abelhas na várzea ou no terreno de alto sinalizando seca ou inverno. Mesmo com informações técnicas diárias através de vários meios de comunicação, ainda existem resquícios de crença popular transmitida oralmente com alusões a ocorrências de fenômenos naturais. No começo do ano, o trabalhador rural Moacir Romão vaticinou com veemência: “nunca vi era de três boa, e este ano não vai ser diferente de 93, quando aqui não choveu que desce prá passarim beber”
Os prenúncios de continuidade da seca atual, seja por parte dos institutos de meteorologia ou oriundos da sabedoria popular, são desanimadores. Desde o ano passado diz-se que a seca atual no Nordeste é a pior dos últimos 40 anos. A longa estiagem é semelhante a uma doença crônica. Destrói pouco a pouco as reservas naturais, o prejuízo alcança toda biodiversidade do semiárido e não poupa as pessoas habitantes do lugar.
Nesta seca que se arrasta por tempo indeterminado, as consequências vêm sendo diferentes de outras que presenciamos no século passado. Antes, o clamor nas grandes secas era por falta de água e alimento para a população. Via-se no sertão e no agreste de toda região semiárida, gente pedindo esmola, leva de retirantes sem destino, saques, campos de concentração para prender retirantes frentes de emergência, pau-de-arara deixando o Nordeste em busca de sobrevivência. Pouco se falava de mortandade animal, embora as perdas por parte dos criadores fossem maiores do que hoje.
Atualmente, os danos para as pessoas são menos severos. Essa é uma modesta observação pessoal apoiada apenas no conhecimento telúrico que merece ser estudada e debatida com base em conhecimento científico.
No presente, até parece que a população está excluída da adversidade climática. Vemos alguns carros-pipa abastecendo cisternas rurais, pequenas filas de agricultores comprando milho da CONAB subsidiado pelo governo federal e ademais só o lamento do povo ante a caatinga tão seca que parece não resistir à forte insolação. Não se ouve falar em qualquer tipo de perturbação da ordem pública relacionada com a seca.
Diferente do passado, não se vê êxodo rural, nem notícias de menino morrendo a míngua por desidratação e diarreia. Realmente, essas mazelas estão cada vez mais raras. A mídia hoje dedica grandes espaços aos cemitérios de animais. Mas a seca existe, é duradoura, é severa como foram tantas outras do século passado, e chega até ao litoral.
Os mananciais que abastecem a capital pernambucana estão com baixo volume de água acumulada e a cidade já enfrenta racionamento d’água.
E porque o sertanejo resiste?
A resistência atual é fruto de trabalho de mais de 50 anos. Nesse longo período o povo vem se acostumando a vencer obstáculos. As ações de combate ao flagelo das secas começaram nas primeiras décadas do século passado com a criação do DNOCS, que ganhou força com o aparecimento do GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – montado em 1958 por Juscelino Kubitschek dentro do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), teve seu trabalho concluído por Celso Furtado, culminando na OPERAÇÃO NORDESTE e, consequentemente, na criação da SUDENE.
A SUDENE logo que entrou em operação abriu centenas de poços artesianos pelo sertão adentro retirando a água do subsolo através de cata-ventos. Esta conquista técnica tão simples e tão eficaz proliferou e ainda hoje é utilizada em todo Polígono das Secas.
Governos passados fizeram chegar até homens e mulheres do campo os benefícios da Previdência Social. Já nos últimos anos o Programa de Bolsa Família e outras ações e inclusão social têm aumentado a renda familiar deixando a população mais resistente às intempéries.
Outras causas têm contribuído para facilitar a convivência com as estiagens. A queda da natalidade, melhores salários no campo e na cidade, diminuição da taxa de analfabetismo, aumento da quantidade e qualidade de escolas, assistência à saúde, moradias de melhor qualidade
Os investimentos em infraestrutura rural criando estradas, açudagem, utilização em larga escala água do subsolo, eletrificação rural, construção de cisternas e emprego urbano para população jovem, especialmente no setor de serviços, são outras vertentes do desenvolvimento que favorecem a manutenção da emblemática expressão euclidiana, “o sertanejo é antes de tudo um forte”. São conquistas que embora com centenas de anos de atraso estejam sendo incorporadas à população do interior do país melhorando a qualidade de vida, especialmente do homem do campo.
Pode-se dizer que a despeito das intempéries o sertanejo está aprendendo a conviver com a seca sem mendigar e nem dela fugir.
- Juracy Nunes é professor aposentado da UFPE, mora e faz medicina em Monteiro/PB – lugar em que nasceu e tem atividade rural de pequeno produtor.
- Endereço: juracysnunes@gmail.com
EcoDebate, 15/03/2013
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