A população da Índia em 2100, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A população da Índia era de 371,8 milhões de habitantes em 1950 e chegou a 1,224 bilhão em 2010. Mais que triplicou em 60 anos. A divisão de população da ONU estima, para o ano de 2050, uma população de quase 2 bilhões na hipótese alta, de 1,69 bilhão na hipótese média e de 1,457 bilhão na hipótese baixa. Para o final do século as hipóteses são: 2,57 bilhões de habitantes, na alta, de 1,55 bilhão, na média, e 880 milhões na hipótese baixa.
Ou seja, a população da Índia pode variar entre 880 milhões e 2,57 bilhões de habitantes em 2100, dependendo fundamentalmente do comportamento das taxas de fecundidade e um pouco menos da migração. A esperança de vida ao nascer era de 37,9 anos em 1950, passou para 64,2 anos em 2010, deve chegar a 73,7 anos em 2050 e alcançar 78 anos em 2100.
A taxa de fecundidade total (TFT) era de 6 filhos por mulher na época da conquista da Independência, em 1947. Em 1970 o número médio de filho por mulher ainda estava em 5,7 filhos. Nos últimos 40 anos a taxa de fecundidade indiana caiu rapidamente, mas o número de 2,73 filhos por mulher, em 2010, estava acima do nível de reposição. O número de nascimentos por ano estava na casa de 17 milhões de bebês na década de 1950 e chegou em um patamar máximo de 27 milhões de nascimentos ao ano, no quinquênio 2005-10. As projeções médias indicam que o número de nascimentos deve cair para 21 milhões ano ano em meados do século e 16 milhões ao ano em 2100.
Se este número de nascimentos se mantiver na casa de 21 milhões e a esperança de vida permanecer em torno de 78 anos, então, a população poderia se estabilizar em torno de 1,6 bilhão de habitantes (21 milhões vezes 78). Ou seja, mesmo na hipótese de estabilização da população, a Índia deve ficar com o dobro da população de toda a América Latina e o Caribe. Em qualquer dos cenários de projeção, a Índia vai ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo já na próxima década, mesmo com a continuidade da redução do número de filhos por família.
A queda da fecundidade na Índia tem apresentado resultados positivos tanto em nível microeconômico (das famílias), quanto em termos macroeconômicos, pois a redução da razão de dependência demográfica do país tem possibilitado o surgimento de um bônus demográfico, que ajuda no aumento das taxas de crescimento econômico e redução das taxas de pobreza.
De fato, a Índia, embora com altos níveis de pobreza, tem apresentado taxas de crescimento econômico elevadas, o que tem possibilitado o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Entre 2007 e 2010 o crescimento do PIB ficou na casa de 10% ao ano. O IDH que estava em 0,32 em 1980, passou para 0,44 em 2000 e chegou a 0,519 em 2010. Enquanto o IDH médio do mundo cresceu 37%, o IDH da Índia cresceu 62% entre 1980 e 2010. Portanto, mesmo considerado um país pobre, a Índia tem diminuido a diferença em relação ao resto do mundo.
O desempenho econômico e social da Índia, especialmente nas duas últimas décadas, gerou um certo otimismo em relação ao futuro e à presença do país na comunidade internacional. Assim como os demais BRICS, a Índia tem sido considerada uma nação emergente com destaque no cenário mundial.
Porém, os dados de 2012 mostraram uma desaceleração econômica que pode não ser conjuntural, mas sim estrutural. A Índia sofre com a falta de infra-estrutura e com o baixo nível educacional da população. Em julho, 700 milhões de indianos ficaram sem energia elétrica por dois dias. O apagão elétrico afetou o serviço de centenas de trens e os metrôs, especialmente nas cidades de Nova Delhi e Calcutá, assim como em 15 regiões do norte da Índia, sendo que quatro delas (Rajastán, Punjab, Haryana e Uttar Pradesh) consumiram uma quantidade de energia superior à capacidade de geração. Calcula-se que o déficit elétrico seja superior a 10%, mesmo considerando que a maioria da população rural não tem acesso à rede elétrica.
Em termos ambientais, a Índia sofre com a desertificação, a poluição dos rios e lagos, a falta de saneamento básico, a favelização e a pauperização da população. Segundo o relatório Planeta Vivo 2012, da WWF, a Índia possui uma pegada ecológica per capita muito baixa, de apenas 0,87 hectares globais (gha), mas possui uma biocapacidade per capita ainda menor, de somente 0,48 gha. Portanto, o déficit ambiental do país era de quase 100%, em 2008. Ou seja, a pegada ecológica era quase o dobro da biocapacidade. O crescimento econômico e populacional, sem dúvida, vai aumentar ainda mais este déficit ecológico nos próximos anos.
Os déficits sociais e ambientais são agravados pelas desigualdades de gênero. Numa cultura patriarcal, o aborto seletivo por sexo (fetocído feminino) e o superávit de homens, além de ferir os direitos humanos das mulheres, tem provocado um desequilíbrio na razão de sexo extremamente prejudicial para o país. A Índia possui uma grande discriminação de gênero, além de enormes desigualdades de raça e de status sócio-econômico.
De acordo com a consultoria McKinsey, a população urbana da Índia deverá aumentar de 350 milhões em 2012 para cerca de 590 milhões em 2030. Até lá, a Índia terá 68 cidades com populações de mais de 1 milhão de habitantes, incluindo seis megacidades com populações de 10 milhões ou mais, das quais Mumbai e Delhi, estarão entre as cinco maiores cidades do mundo.
Numa visão otimista, o rápido crescimento populacional tem sido visto como uma vantagem da Índia, pois o Bônus Demográfico poderia impulsionar a qualidade de vida da população nas próximas 4 ou 5 décadas. Porém, os entraves econômicos e os problemas ambientais são vistos, por outro lado, como um obstáculo intransponível, que pode transformar as vantagens demográficas em uma Bolha de Jovens (youth bulge), gerando desemprego, descontentamento e violência. Em meados de agosto, milhares de indianos naturais de Assam, no nordeste do país, fugiram de suas cidades no sul depois dos boatos de que poderiam ser atacados por muçulmanos, em decorrência de disputa por terras.
No dia 15 de agosto de 2012 a Índia completou 65 anos de independência, chegando na idade da maturidade. Porém, o governo que possui bombas atômicas e uma grande força armada, não consegue garantir os direitos básicos de cidadania, nem combater a corrupção e a incompetência das elites privilegiadas. Embora não consiga oferecer serviços adequados de saúde reprodutiva para a população, o governo pretende mandar um artefato a Marte como parte de um megalomaníaco programa espacial.
Nos últimos 20 anos parecia que a Índia ia finalmente se tornar uma grande potência mundial, resolvendo seus problemas sociais. Mas os últimos dados estão mostrando que existe uma “pedra no meio do caminho” e que não vai ser fácil erradicar a pobreza extrema, diminuir as desigualdades e proteger o meio ambiente.
Enquanto isto, o futuro está aberto e a Índia pode apresentar uma população, em 2100, acima de 2 bilhões de pessoas ou abaixo de 1 bilhão de habitantes. Tudo vai depender do comportamento futuro das taxas de fecundidade. Uma taxa de fecundidade abaixo do nível de reposição pode até não solucionar os graves problemas sociais e ambientais da Índia, mas sem dúvida poderá evitar que a situação social e ambiental se deteriore com mais rapidez.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 10/09/2012
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