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Artigo

As utopias do universo natural e as relações implícitas, artigo de Roberto Naime

 

artigo

 

[EcoDebate] A biologia contribui com alguns dos mais importantes conceitos para o conhecimento do ambiente e para a planificação de sua gestão, dentro de conceitos que podem mudar a interpretação do mundo, priorizando as observações naturais. Talvez se possa afirmar que o próprio estabelecimento da ciência ecológica, suas relações com as outras ciências e sua relevância para a humanidade sejam suficientes para legitimar a importância da biologia dentro do contexto ambiental.

A própria expressão ecossistema, que se refere à aplicação da idéia de sistema aos níveis de hierarquia organizacional, tem uma importância fundamental, porque posteriormente se ampliou para todas as áreas da abordagem ambiental e até para outras ciências como medicina e informática.

Conforme a clássica publicação de Eugene Odum (Ecologia, 1.988, Editora Guanabara), “Hierarquia” significa um arranjo numa série graduada, como na linguagem militar, e “sistema” consiste em “componentes interdependentes que interagem regularmente e formam um todo unificado”. Sob o enfoque da biologia, podemos dizer que a ecologia é a ciência que trata de todos os níveis do sistema de relações acima do organismo individual.

Bioma é um termo muito mais usado para denominar um grande biossistema regional ou subcontinental, caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto identificador da paisagem.

Um sistema biológico que se aproxima da auto-suficiência é denominado biosfera ou ecosfera, e freqüentemente se orienta por um estado contínuo de equilíbrio auto-ajustador que consegue se manter imune a perturbações menores, com níveis auto-regulados de entrada e saída de matéria e energia (“steady state”).

Outro conceito fundamental que a biologia traz para a análise sistêmica é o “Princípio das propriedades emergentes”, que significa uma conseqüência importante da organização hierárquica, determinando que à medida que os componentes se combinam, são produzidas novas propriedades que antes não existiam. As propriedades emergentes, por definição, são propriedades coletivas que emergem ou aparecem como resultantes da interação entre componentes.

Dando exemplos, quando misturamos efluentes de uma natureza, com efluentes de outra, sempre podem haver reações químicas entre ambos os efluentes, gerando terceiros compostos. Ou quando um homem e uma mulher vão viver juntos podem produzir um novo ser humano pela reação do espermatozóide com o óvulo.

O princípio da emergência diz que o todo é superior à soma das partes. Este conceito é fundamental na análise ambiental que é holística, integrada e sistêmica. Outro exemplo são as ligas metálicas, que tem propriedades que não existem em cada um de seus componentes isolados. Outro exemplo é o que ocorre quando um grupo se reúne para discutir um determinado assunto ou problema. Do diálogo que se estabelece, costumam surgir idéias novas, que antes não haviam ocorrido aos participantes.

Estas atividades separadamente podem não produzir impactos ambientais relevantes, quer sobre o meio físico, quer sobre os meios biológico e antrópico. Mas quando associadas, as atividades produzem o que em marketing recebe a denominação de sinergia, simplificando os conceitos, e que na verdade não passa da aplicação do conceito de propriedades emergentes em outra área.

Voltamos ao conceito básico de sistema, que é um conjunto de objetos ou atributos e das relações que se encontram organizadas para executar uma função particular (THORNESS e BRUNSDEN, 1977). O corpo humano é organizado em sistemas (sistema digestivo, respiratório, cardiovascular, etc). A natureza também é organizada em sistemas (ecossistemas) ou biomas que representam ecossistemas específicos, que apresentam conjuntos de relações hierarquizadas entre elementos físicos, biológicos e antrópicos, como Cerrado ou Pantanal.

A palavra “conjunto” que está na conceituação dos sistemas, implica que as unidades possuem propriedades comuns. O estado de cada unidade é controlado, condicionado ou dependente do estado das outras unidades (MILLER, 1965). A poluição de um recurso hídrico, ou qualquer recurso ambiental acaba contaminando as condições do meio ambiente naquele local.

A riqueza da humanidade pode ser de várias naturezas: material, cultural, biológica e outras. A riqueza material corresponde aos conjuntos de materiais disponibilizados para serem transformados em modos de sustento ou acumulação de riquezas. A cultura corresponde ao conjunto de significados que os serem humanos atribuem a suas experiências de vida.

E a riqueza biológica é representada pela biodiversidade, que por ser pouco conhecida, é pouco compreendida em toda a sua extensa importância. A expressão biodiversidade tem um significado. Engloba a variabilidade genética, que é a diferença existente entre indivíduos da mesma espécie, como a cor dos olhos, por exemplo.

Expressa também a diversidade biológica que significa a quantidade de espécies e por conseqüência de genes e cadeias genéticas.

A biodiversidade também integra o conceito de processo ecológico, que descreve todas as reações que ocorrem dentro de uma cadeia de vida. Ecossistema pode ser definido como a aplicação da teoria geral dos sistemas do biólogo alemão do século XIX Ludwig Von Bertallanfy, a ecologia. Desta forma significa todas as relações entre os indivíduos e seus atributos, envolvendo matéria, energia e informação.

A diversidade genética talvez represente a expressão maior do patrimônio natural, representando milhões de anos de evolução, concentrados no espaço e no tempo, e que podem representar um patrimônio imensurável e intangível de codificações genéticas com suas devidas atribuições.

Um exemplo de utilização da biodiversidade pode ser descrito como a praga que assolou os arrozais asiáticos na década de 70 e devastou populações asiáticas por falta de alimento.

Pouco tempo depois, cientistas descobriram que o cruzamento com espécies de arroz não-utilizadas para plantio nas monoculturas atribuía resistência ao cereal. Esta é uma boa forma de avaliar o potencial da biodiversidade.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 30/08/2012

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2 thoughts on “As utopias do universo natural e as relações implícitas, artigo de Roberto Naime

  • Bruno Versiani dos Anjos

    Muito bom o artigo . Concordo quase integralmente.

    Só queria fazer uma observação (não uma crítica ligada ao artigo mas que remete ao seu exemplo final): temos que valorizar a biodiversidade (aliás, todas as coisas) não pelos seus fins pragmáticos à humanidade, mas como um bem valoroso em si.

    Abraços

    Bruno Versiani

  • Muito profunda a reflexão do Professor Naime. A biologia, que trata da natureza, da vida – e tudo se resume a natureza e vida – parece ter muito a nos ensinar, especialmente a necessidade de uma visão ampla, dissociada de radicalismos.
    Adiciono aqui algumas reflexões pessoais a partir da colocação do articulista, de de outros teóricos, visando o debate.
    O radicalimos é necessário tão somente para o rompimento, a geração do caos momentâneo, a revolução, mas depois demanda por homeostase. Afinal, não se pode ir da tese para a síntese, sem a antítese, a análise. Parece que isto nem sempre ocorre.
    Ocorre que o ser humano, por suas características, mesmo fazendo parte da natureza, interfere mais, gerando desequilibrios e contrariando o curso natural que seria necessário.
    As pessoas precisam viver com qualidade e atendendo suas necessidades, entre elas bens materiais e ambiente ecologicamente equilibrado. O homem extrai da natureza os recursos naturais, que ora são matéria-prima ora insumos necessários para a produção dos bens materiais de que necessita. O homem precisa, deve, interferir. Ao consumir para sobreviver, o homem causa impactos ambientais necessários e indispensáveis, como exaustão e poluição em geral. Ou utiliza os recursos naturais, ou perece.
    Críticas são feitas à utilização de modelos simplificados para explicações (CAPRA, 2006; MORIN, 2006a), sem que, no entanto invalidem a necessidade de sua utilização para melhor e possível entendimento.
    O quebra-cabeça da vida é sistêmico e o movimento de uma peça afeta outra ou todas. A vida é dinâmica e demanda por movimento, impacto, que afeta os componentes. Os contrários precisam conviver de forma harmoniosa, envolvendo o consumo de recursos e sua preservação. Parece difícil resolver a questão ambiental dissociada da questão social, mediada pela econômica, pois todas estão a serviço da vida e de sua perpetuidade com qualidade e equilíbrio. Castoriadis já alerta que o homem pode tudo, mas não deve fazer tudo, devendo renunciar, impondo limites à sua atuação.
    Eu penso que não existem soluções simplificadas, únicas, e muito menos solução dissociada da considerações das consequências que ela causa. Tenho lido sugestões simples teóricos de várias áreas, soluções válidas e fundamentadas para a área, mas que não levam em conta os demais componentes. Cria-se um cenário numa área, apresenta-se a solução e parece que tudo está resolvido. A teoria da complexidade procura ampliar para uma visão sistêmica, introduzindo conceitos e explicações de outras áreas, em contraposição à visão linear, mecanicista e cartesiana atualmente predominante (MORIN, 2006a).
    Mas como conciliar isto, se cada um vê uma das faces do mesmo prisma? Se cada um tem limitações de visão do todo? Se cada ser procura sua satisfação pessoal em primeiro lugar? Quanto e quem deve renunciar? Como equacionar a demanda econômica, com a ambiental e social? O radicalismo de qualquer área se constitui num ponto intransponível para a integração holística, impedindo a consideração sistêmica. Defender radicalmente a preservação significa negar a possibilidade de consumo e, portanto, de sobrevivência. Defender o consumo ilimitado implica em acelerar o esgotamento de recursos e aumentar o nível de poluição e comprometimento dos ecossistemas.
    Como resumo sugere-se que os defensores radicais da preservação incondicional de todos recursos naturais, que levem em conta, em seus discursos, a necessidade humana inadiável de se destruir e consumir para sobreviver. Aos defensores do consumo desenfreado, a necessidade inadiável de se preservar, para a continuidade da vida.
    Afinal, o Ser Humano e a realização de seu potencial, embora irrelevante para o cosmos, parece ser o maior objeto de nossas preocupações e reflexões.

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