Mudanças climáticas e os ‘céticos’, artigo de José Goldemberg
[O Estado de S.Paulo] Por incrível que pareça, estamos atravessando, neste início do século 21, uma onda de obscurantismo cultural e científico sem precedentes. Ela tem origem, principalmente, nos Estados Unidos, mas está se propagando pelo restante do mundo.
Ao mesmo tempo que os físicos estão conseguindo desvendar os mistérios da natureza com a descoberta do bóson de Higgs – “a partícula de Deus” -, a cientologia avança nos Estados Unidos e a teoria da evolução de Darwin é questionada nas escolas de vários Estados daquele país.
Algumas dessas crenças têm origem em pequenos grupos religiosos retrógrados que exploram a boa-fé de pessoas de baixo nível educacional, mas outras têm, claramente, motivações mais perversas e até interesses comerciais. A cientologia, em particular, é considerada uma religião nos Estados Unidos, sendo, portanto, isenta do pagamento de impostos. Alguns de seus ensinamentos atingem o nível do absurdo ao afirmarem que bilhões de seres de outras galáxias se apossaram dos seres humanos há dezenas de milhões de anos, quando ainda nem havia seres humanos, e continuam neles até hoje.
O que elas todas têm em comum, contudo, é o completo desconhecimento do que é ciência. Isso é o que está ocorrendo no momento também com os “céticos” que questionam o fato notório de que a ação do homem está provocando o aquecimento do planeta.
As bases científicas do aquecimento da Terra são simples: desde o início da Revolução Industrial, no início do século 19, os seres humanos passaram a consumir quantidades crescentes de combustíveis fósseis – carvão mineral, petróleo e gás natural -, cujo resultado é a produção de um gás, o dióxido de carbono (CO2), que é lançado na atmosfera, onde permanece por um longo período de tempo. Sucede que esse gás é transparente e deixa a luz solar passar, atingindo o solo e aquecendo-o. O normal seria esse calor voltar para o espaço, porém isso não ocorre porque o dióxido de carbono não deixa o calor passar e voltar para o espaço. Com isso, todo o nosso planeta está ficando mais quente, como se verifica numa estufa onde se criam rosas ou vegetais no inverno.
Há muitas outras causas conhecidas para o aquecimento global, como as manchas solares, a inclinação do eixo da Terra, as erupções vulcânicas, etc. De fato, ao longo da existência do planeta – que se estende por bilhões de anos – houve grandes variações na temperatura e elas são bem entendidas pelos geólogos.
Acontece que, sobrepondo-se a essas causas naturais do aquecimento, existe a ação do homem, que consome combustíveis fósseis e lança gases na atmosfera. Esse fenômeno tem sido estudado por um grande número de cientistas há mais de 50 anos.
Para entender o que aconteceu até agora e tentar prever o que vai acontecer nas próximas décadas os cientistas construíram modelos de como o clima da Terra se comporta à medida que o tempo passa e a atmosfera se modifica com mais dióxido de carbono, originado da queima dos citados combustíveis fósseis. Nesses modelos, o que se faz é relacionar causa e efeito, que é a maneira como a ciência funciona. A causa é a presença de maiores quantidades de gases na atmosfera e o efeito, o aquecimento resultante do nosso planeta.
Há incertezas nas previsões científicas, mas com o passar do tempo elas estão ficando cada vez mais confiáveis e precisas. Por exemplo, James Lovelock, ídolo dos ambientalistas por suas ideias sobre a “hipótese Gaia” – que considera a Terra toda com características de um ser vivo -, não questiona a realidade do aquecimento global como resultado da ação do homem, mas sim a necessidade de mais pesquisa sobre o tema.
É contra essas evidências que se manifestam os “céticos”, cuja motivação não é clara. Alguns o fazem para atrair a atenção do público e outros podem estar sendo estimulados pelas indústrias que serão prejudicadas caso seja limitado o uso de combustíveis fósseis, que tem sido proposto por vários países.
Esses “céticos” não adotam o método científico ao fazerem as suas críticas. Eles simplesmente emitem opiniões e previsões esdrúxulas, como a de que a Terra estaria passando por um processo de resfriamento, em lugar de se aquecer, num futuro que eles não especificam. Cartomantes podem fazer isso, mas não cientistas.
Os “céticos”, a maioria deles sem formação científica na área de mudanças climáticas, conseguiram notoriedade nos Estados Unidos publicando artigos no Wall Street Journal (!). Alguns jornalistas mal informados frequentemente dão grande cobertura a essas pessoas porque elas provocam controvérsias que atraem os leitores. Para alguns, é considerado bom jornalismo que “se ouçam os dois lados”, o que é válido para muitos outros assuntos, como, por exemplo, a descriminalização da maconha ou as vantagens da introdução da pena capital para crimes hediondos, em relação aos quais existem opiniões divergentes.
Sucede que no caso do aquecimento global não há “dois lados”: o que existe são previsões científicas baseadas na ciência que conhecemos, que podem não ser perfeitas – como é todo o conhecimento científico -, mas têm avançado muito. O “outro lado”, de modo geral, utiliza informações pseudocientíficas, ou simplesmente dúvidas lançadas ao vento que não podem ser respondidas sem uma argumentação científica que não é adequada para programas populares.
Opiniões pessoais ou crenças religiosas devem ser respeitadas, mas argumentos incorretos que prejudicam a adoção de políticas públicas importantes – como as de prevenir o aquecimento da Terra reduzindo o consumo de combustíveis fósseis – são perniciosos e não atendem ao interesse público.
JOSÉ GOLDEMBERG É PROFESSOR EMÉRITO E EX-REITOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO GOVERNO FEDERAL E DO ESTADO DE SÃO PAULO
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 21/08/2012
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O tema “aquecimento global” é bastant controverso. O que me deixa surpreso nessa discussão é o fato de relegarem os fatores naturais que caracterizam o período geologico atual, denominado Holoceno. Por convenção, quando a temperatura média da terra ultrapassa os 15 ºC, ela vive um período de aquecimento. Quando ocorre o contrário, resfriamento. Há cerca de 10.000 anos atrás, saímos do Pleistoceno (grande idade de gelo, resfriamento) e entramos no Holoceno, com as temperaturas maiores que o parãmetro térmico convencionado (há bases científicas na convenção). Dentro de cada período desses (de resfriamento ou de aquecimento) ocorreram (e devem acontecer no futuro), variações positivas chamadas de idades interglaciais e, portanto, de aquecimento e negativas, estas denominadas de “pequenas idades de gelo”. Nesses períodos, a temperatura, naturalmente, atinge valores mínimos ou máximos (paroxismos negativos ou positivos), a partir dos quais, voltam a subir ou a cair. Não se tem certeza de que o Holoceno já tenha, naturalmente, atingido o paroxismo e a temperatura voltou a decrescer, de forma a “como que compensar”, o possível aquecimento provocado pela ação antrópica. Porque, pior que o aquecimento, para a vida em geral na Terra, o resfriamento é pior que o aquecimento. As maiores mazelas ocorridas no Planeta coincidiram com as épocas frias (fome, doenças, etc.). Mas, para finalizar este já longo comentário, tenho que, infekizmente, dizer que o Dr. José Goldemberg, no ser artigo em pauta, cometeu um equívoco ao afirmar que “as erupções vulcânicas estão entre as causas do aquecimento global”. Não! As erupções, por lançarem nos espaço partículas ricas em SO2 (di-óxido de Enxofre) e outros aerossóis, impedem a passagem dos raios solares que, assim, não atingem a superfície da Terra, resfriando-a. Os grandes eventos eruptivos de grandes vulcões como o Santa Helena (EUA), Cracatoa e outros foram sucedidos de resfriamentos que necessitaram de anos para se dissiparem.
Céticos e não céticos,convenhamos,fala-se fala-se,mas quem efetivamente pode deter a utilização dos combustíveis fósseis ou impedir a degradação do planeta?Até agora vi proibirem as sacolas plásticas.Mais que isso,vejo cada vez mais,pessoas embolsarem grandes somas para engrossar os discursos que,para quem não é ingênuo,não enganam mais!