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Fragmentos de Mata Atlântica falham em manter animais de médio e grande porte por falta de proteção

 

fragmento de Mata Atlântica

 

Contrariando a teoria, mesmo os maiores remanescentes falham em manter animais de médio e grande porte por falta de proteção, que permite ação de caçadores

Não é de hoje que os biólogos da conservação sabem que pequenos fragmentos de floresta tropical, ilhados em meio a fazendas ou cidades, pouco contribuem para a sobrevivência de animais de médio e grande porte, que precisam de espaço para se locomover, se alimentar e se reproduzir. Um novo estudo [Pervasive Defaunation of Forest Remnants in a Tropical Biodiversity Hotspot] de pesquisadores brasileiros mostra que, ao menos para a Mata Atlântica, a realidade está desafiando essa teoria clássica. Mesmo grandes remanescentes estão sendo incapazes de manter a biodiversidade. Matéria de Giovana Girardi, em O Estado de S.Paulo, com informações adicionais do EcoDebate.

Sem uma proteção efetiva que impeça a entrada de pessoas nesses locais, a pressão histórica e atual de caçadores está minimizando os benefícios de ter uma área remanescente grande com uma floresta relativamente intacta, explica o biólogo Carlos Peres, da Universidade East Anglia, que liderou a pesquisa publicada nesta terça-feira, 14, na revista científica de livre acesso PLoS ONE.

O trabalho inventariou 18 espécies de mamíferos em 196 fragmentos ao longo da Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do Brasil, que já perdeu cerca de 90% de sua cobertura original. Mais de 205 mil quilômetros de estradas foram percorridos.

Os pesquisadores descobriram que cinco delas já tinham sido totalmente ou virtualmente extintas numa escala regional: queixada (Tayassu pecari), onça-pintada (Panthera onca), anta (Tapirus terrestris), muriqui (Brachyteles hypoxanthus) e tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla).

Eles observaram que o fator que fez mais diferença para a manutenção da biodiversidade foi uma proteção efetiva da área. Isso ficou claro quando eles compararam fragmentos de tamanhos parecidos em que a diferença entre eles era o nível de proteção – os mais protegidos apresentaram mais animais.

E falar em proteção significa não apenas criar unidades de conservação (como parques e reservas). Em muitos casos elas existem, mas não necessariamente estão implementadas nem têm segurança, sendo incapazes de impedir, por exemplo, a entrada de caçadores ou madeireiros. Ou de proteger contra os impactos do chamado efeito de borda e do fogo que pode vir de fazendas vizinhas.

“No total, somente cinco dos remanescentes investigados eram realmente protegidos na prática e estes foram os que apresentaram as maiores taxas de retenção de espécies”, diz Peres.

Situação crítica. A situação se mostrou mais crítica nos fragmentos da Mata Atlântica na porção oeste do Nordeste do País, onde existem ainda menos unidades de conservação.

“Historicamente, a disponibilidade de proteína animal nesta região é baixa, principalmente por conta das altas taxa de densidade demográfica na zona rural. A economia de muitas casas de baixa renda é rotineiramente subsidiada por um padrão de caça que varia de recreativo à subsistência. Praticamente só a fauna relativamente tolerante a esta pressão ainda persiste na região”, explica Peres.

Muitas espécies de mamíferos desapareceram até mesmo do folclore das comunidades. “Ninguém nunca viu um muriqui ou um tamanduá-bandeira. Nem sabia dizer o que eles eram. Naquele caso, as reservas já chegariam atrasadas”, complementa Gustavo Canale, primeiro autor do artigo e que fez a pesquisa para seu doutorado na Universidade de Cambridge (Inglaterra).

“Mesmo se existirem ainda populações muito isoladas, elas estão tão reduzidas que já não são mais viáveis”, diz o biólogo, atualmente professor da Universidade Estadual do Mato Grosso. “A gente vê aquela mata bonita, acha que tem bicho, mas a verdade é que são florestas vazias.”

Durante dois anos, entre janeiro de 2004 e janeiro de 2006, ele, Peres e colegas entrevistaram 8.846 pessoas que viviam no entorno dos remanescentes florestais havia pelo menos 15 anos.

Foram escolhidos moradores que tinham intimidade com a mata e conhecimento do que acontecia dentro dela. Em muitos casos eram caçadores ou madeireiros, apesar de ninguém se declarar como tal. “Todo mundo fala que come a carne daqueles bichos, mas ninguém admite que caça”, conta Canale.

Eram eles que contavam quais animais já foram vistos por ali. A análise mostrou uma taxa impressionante de extinções locais na fauna de mamíferos. De um total de 3.528 populações possíveis de existir nos 196 fragmentos, somente 767 foram contabilizadas. Na média, os remanescentes retinham somente 3,9 das 18 espécies investigadas.

De acordo com Peres, o padrão de extinção não conseguia nem ser minimizado por eventos de recolonização por indivíduos de outras populações.

Medidas futuras. Apesar das falhas em algumas das unidades de conservação existentes, os pesquisadores ainda recomendam, com base nos resultados do trabalho, a criação de novas reservas e parques, um reforço da segurança nas demais e o aumento da conectividade entre elas. “Só manter a floresta em pé não vai manter a diversidade se não tiver uma fiscalização séria sobre a entrada de pessoas”, diz Canale.

Canale GR, Peres CA, Guidorizzi CE, Gatto CAF, Kierulff MCM (2012) Pervasive Defaunation of Forest Remnants in a Tropical Biodiversity Hotspot. PLoS ONE 7(8): e41671. doi:10.1371/journal.pone.0041671

O estudo ‘Pervasive Defaunation of Forest Remnants in a Tropical Biodiversity Hotspot‘ é Open Access e para acessar, no original no formato HTML, clique aqui.

EcoDebate, 16/08/2012

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