Ibama reavalia uso de quatro tipos de agrotóxico e sua relação com o desaparecimento de abelhas no país
Mesmo na ausência de levantamentos oficiais, alguns registros sobre a redução do número de abelhas em várias partes do país, em decorrência de quatro tipos de agrotóxico, levaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a restringir o uso de importantes inseticidas na agropecuária brasileira, principalmente para as culturas de algodão, soja e trigo.
Além de reduzir as formas de aplicação desses produtos, que não podem ser mais disseminados via aérea, o órgão ambiental iniciou o processo de reavaliação das substâncias imidacloprido, tiametoxam, clotianidina e fipronil. Esses ingredientes ativos foram apontados em estudos e pesquisas realizadas nos últimos dois anos pelo Ibama como nocivos às abelhas.
Segundo o engenheiro Márcio Rodrigues de Freitas, coordenador-geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas do Ibama, a decisão não foi baseada apenas na preocupação com a prática apícola, mas, principalmente, com os impactos sobre a produção agrícola e o meio ambiente.
Estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), publicado em 2004, mostrou que as abelhas são responsáveis por pelo menos 73% da polinização das culturas e plantas. “Algumas culturas, como a do café, poderiam ter perdas de até 60% na ausência de agentes polinizadores”, explicou o engenheiro.
A primeira substância a passar pelo processo de reavaliação será o imidacloprido, que responde por cerca de 60% do total comercializado dos quatro ingredientes sob monitoramento. A medida afeta, neste primeiro momento, quase 60 empresas que usam a substância em suas fórmulas. Dados divulgados pelo Ibama revelam que, em 2010, praticamente 2 mil toneladas do ingrediente foram comercializadas no país.
A reavaliação é consequência das pesquisas que mostraram a relação entre o uso desses agrotóxicos e a mortandade das abelhas. De acordo com Freitas, nos casos de mortandade identificados, o agente causal era uma das substâncias que estão sendo reavaliadas. Além disso, em 80% das ocorrências, havia sido feita a aplicação aérea.
O engenheiro explicou que a reavaliação deve durar, pelo menos, 120 dias, e vai apontar o nível de nocividade e onde está o problema. “É o processo de reavaliação que vai dizer quais medidas precisaremos adotar para reduzir riscos. Podemos chegar à conclusão de que precisa banir o produto totalmente, para algumas culturas ou apenas as formas de aplicação ou a época em que é aplicado e até a dose usada”, acrescentou.
Mesmo com as restrições de uso, já em vigor, tais como a proibição da aplicação aérea e o uso das substâncias durante a florada, os produtos continuam no mercado. Juntos, os agrotóxicos sob a mira do Ibama respondem por cerca de 10% do mercado de inseticidas no país. Mas existem culturas e pragas que dependem exclusivamente dessas fórmulas, como o caso do trigo, que não tem substituto para a aplicação aérea.
Ontem (25), o órgão ambiental já sentiu as primeiras pressões por parte de fabricantes e produtores que alertaram os técnicos sobre os impactos econômicos que a medida pode causar, tanto do ponto de vista da produção quanto de contratos já firmados com empresas que fazem a aplicação aérea.
Freitas disse que as reações da indústria são naturais e, em tom tranquilizador, explicou que o trabalho de reavaliação é feito em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e com o Ministério da Agricultura – órgãos que também são responsáveis pela autorização e registro de agrotóxicos no país. “Por isso vamos levar em consideração todas as variáveis que dizem respeito à saúde pública e ao impacto econômico sobre o agronegócio, sobre substitutos e ver se há resistência de pragas a esses substitutos e seus custos”, explicou o engenheiro.
No Brasil, a relação entre o uso dessas substâncias nas lavouras e o desaparecimento de abelhas começou a ser identificada há pouco mais de quatro anos. O diagnóstico foi feito em outros continentes, mas, até hoje, nenhum país proibiu totalmente o uso dos produtos, mesmo com alguns mantendo restrições rígidas.
Na Europa, de forma geral, não é permitida a aplicação aérea desses produtos. Na Alemanha, esse tipo de aplicação só pode ser feito com autorização especial. Nos Estados Unidos a aplicação é permitida, mas com restrição na época de floração. Os norte-americanos também estão reavaliando os agrotóxicos compostos por uma das quatro substâncias.
Reportagem de Carolina Gonçalves, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 26/07/2012
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Aqui mesmo no EcoDebate há vários artigos que dão conta dos efeitos nocivos desses agroquímicos sobre a população se insetos polinizadores e a reação, em diversos países, a seu uso. Na França, por exemplo, o uso do ingrediente Fipronil foi proibido no ano de 2000. Um dos experimentos que serviram de argumento a favor da proibição tratava sementes de girassol com o ingrediente e, depois de germinadas e desenvolvidas, o pólen das plantas adultas ainda continha traços da substância. Imagem o grau de persistência desse produto na natureza! O Imidacloprido é sucedâneo do Fipronil e também com sérias restrições na Europa.
No Estado de São Paulo o Fipronil é largamente utilizado na cultura da cana, aplicado no solo, de onde é assimilado pela planta (é sistêmico) “protegendo-a” contra brocas, cupins, formigas e afins. Até bem pouco tempo, quando ainda se queimava a cana-de-açúcar antes do corte, havia suspeita de que a grande mortandade de abelhas se devesse ao exsudato da cana queimada, coletado pelas abelhas, estar contaminado com o Fipronil. Da cultura da cana, onde seu uso é legal, o produto muitas vezes acaba sendo desviado para outras culturas, como a de citrus, onde a aplicação foliar tem causado verdadeiro assassinato de abelhas. Há casos documentados em minha região que, inclusive, acabaram na Justiça.
Um dos fatores da grande letalidade desses produtos aos insetos sociais é que eles não matam ao contato. O inseto retorna à colônia e contamina muitos outros indivíduos. Quando não mata, causa danos neurológicos, prejudicando a orientação espacial, fazendo com que não retornem à colônia.
Não sei se há estudos, mas especula-se também com respeito à contaminação do lençol freático e o próprio açúcar com esse agente tão persistente e de difícil degradação.
Não tenho qualificação técnica alguma que me dê autoridade nesse assunto. Sou formado em História pela USP mas atuo há 32 anos como apicultor e me interesso muito por questões ambientais.