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MPT pede que as empresas Shell/Raízen e Basf depositem mais de R$ 1 bilhão pelos danos causados à sociedade

 

O Ministério Público do Trabalho ingressou com medida judicial na 2ª Vara do Trabalho de Paulínia pedindo a inclusão de ex-empregados, autônomos e terceirizados das empresas Shell (atual Raízen) e Basf, assim como seus filhos, na lista de habilitados a receberem de imediato o custeio prévio de despesas com tratamento integral de saúde. Até o momento, 786 pessoas detêm esse direito, conforme estabelecido pelo comitê criado para dar andamento à execução provisória da sentença que determina o custeio de saúde. Se a Justiça do Trabalho acatar o pedido do MPT o número de beneficiados será ampliado para 1142 pessoas.

As procuradoras do MPT, Clarissa Ribeiro Schinesctsk e Fabíola Junges Zani, também ingressaram com pedido para que seja depositado em juízo o valor de mais de R$ 1 bilhão, relativo à indenização por danos morais causados à coletividade, valor atualizado das condenações de primeira e segunda instâncias no processo contra as duas empresas, de forma a garantir o pagamento do montante em caso de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manter as condenações das empresas.

No pedido de inclusão de ex-trabalhadores e filhos na lista de habilitados e beneficiários do custeio à saúde, o MPT expõe à Justiça os motivos pelos quais todos os trabalhadores, ex-empregados, autônomos e terceirizados, incluindo os filhos destes nascidos no curso ou após a prestação de serviços às multinacionais, devem ser beneficiados pelas decisões judiciais, em fase de execução, e, por isso, devem receber tratamento integral de saúde previamente custeado pelas empresas.

Nas reuniões do comitê, realizadas periodicamente no MPT, do qual os representantes das empresas fazem parte, não houve consenso sobre a habilitação dos trabalhadores. Isso porque as empresas impugnaram a habilitação de alguns ex-empregados, autônomos e terceirizados, e de seus respectivos filhos, sob a alegação de ausência ou insuficiência de documentos ou por não terem trabalho na planta industrial das empresas, localizada na cidade de Paulínia (SP). Contudo, as procuradoras entendem que a decisão judicial em fase de execução não exige que os trabalhadores provem a relação de trabalho que tiveram com as empresas.

“É entendimento do Ministério Público do Trabalho que para considerar-se como habilitado e beneficiário da decisão ora executada provisoriamente, basta que haja informações capazes de identificar que o trabalhador tenha exercido suas funções no local onde as empresas mantiveram suas atividades de produção de agrotóxicos ou ser filho de ex-trabalhador de tais empresas, nascido no curso ou após a contratação de seus pais, bem como que tenha manifestado o seu interesse a ser abrangido pelos efeitos de tal decisão. Por esta razão, tem-se que as informações prestadas pelos interessados quando efetuaram a sua inscrição no site do MPT e, eventuais documentos por ele juntados, tinham por objetivo servir de base para que as empresas pudessem cotejá-los com seus dados e registros funcionais que se encontram em seu poder, verificando, assim, se aquelas pessoas prestaram serviços em seu favor na planta industrial localizada na cidade de Paulínia e, não eram, assim, estranhas ao processo”, afirmam as procuradoras.

A controvérsia sobre a relação de pessoas que devem ser consideradas habilitadas e aptas a receberem o custeio de assistência integral à saúde obrigou o MPT a levar o caso ao Judiciário, suspendendo os trabalhos do comitê.

Quanto ao pedido de depósito prévio do valor de mais de R$ 1 bilhão em conta judicial, o MPT alega que a medida pretende garantir o pagamento da indenização em caso do TST manter as condenações das empresas, garantindo, assim, a reversão do valor à sociedade lesada por uma das maiores contaminações ambientais já ocorridas no Brasil.

Conheça minuciosamente o caso

Em 1977, a Shell instalou no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, uma fábrica de agrotóxicos usados para pulverização rural. Durante décadas, centenas de trabalhadores manusearam substâncias altamente tóxicas ao organismo humano, compostas por substâncias organocloradas com potencial cancerígeno, além de respirarem metais pesados e outros componentes químicos que eram queimados nas caldeiras da fábrica.

A área em Paulínia abrigou a Shell até 1995. Naquele ano, parte da área foi vendida para a American Cyanamid CO., que obrigou a Shell a realizar, como condição do negócio de compra e venda, uma auditoria ambiental que, ao final, acusou a contaminação de água e solo locais. A partir de então, a Shell apresentou a situação à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). No documento, a Shell reconheceu a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin.

Após os resultados das análises toxicológicas, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras das chácaras do entorno e a fornecer água potável para as populações vizinhas. Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa, foram verificadas concentrações de metais pesados e de pesticidas clorados no solo e em amostras de águas subterrâneas.

Em 2000, a Basf adquiriu a Cyanamid e manteve a mesma atividade industrial, inclusive a produção de azodrin. Após receber uma série de denúncias e informações que ganharam notoriedade, o MPT instaurou inquérito civil em face das empresas Shell e Basf, com o objetivo de apurar e de reparar possíveis danos à coletividade e à saúde dos trabalhadores

Em dezembro de 2002, a empresa Basf S/A anunciou o encerramento de suas atividades na unidade de Paulínia, o que implicaria a dispensa das pessoas que trabalhavam no local. Nessa mesma época, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em ação conjunta com o MPT, interditou todas as atividades da planta. A dispensa dos trabalhadores foi sobrestada até que fossem esclarecidos os impactos da contaminação ambiental sobre a saúde de todos eles.

Em maio de 2004, o MPT solicitou o apoio do Ministério da Saúde (MS) para a análise de aproximadamente trinta mil laudas referentes à contaminação ambiental e à exposição de trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf. O trabalho teve como objetivo avaliar os riscos de exposição dos ex-trabalhadores das empresas a diversos contaminantes. O MS contratou consultoria especializada para realizar o estudo in loco.

Na área de formulação, construída durante o período de 1977 a 1982, os estudos realizados comprovaram a contaminação do solo e da água subterrânea por compostos aromáticos, hidrocarbonetos halogenados, pesticidas e hidrocarbonetos diversos. Os levantamentos realizados indicavam que o “solo superficial” estava contaminado com os compostos DDT, aldrin e endrin. Nas amostras de solo “sub-superficial” foram encontradas mais de vinte substâncias tóxicas em níveis bem acima do valor considerado aceitável para o organismo humano.

Na planta em que era feita a produção de organofosforados, as amostras de solo indicaram a presença de contaminantes em concentrações altíssimas.

No geral, os compostos tóxicos analisados em todas as unidades da fábrica eram agrotóxicos organoclorados ou solventes. Segundo a conclusão do estudo do MS, essas substâncias possuem potencial teratogênico, genotóxico e carcinogênico. Alguns compostos manifestam seus efeitos na geração seguinte, sob a forma de malformações congênitas ou desenvolvimento de tumores nos descendentes das pessoas expostas. Por fim, o relatório final do MS indica a necessidade de acompanhar a saúde dos ex-trabalhadores, cônjuges e filhos.

Com base no estudo do MS, o MPT firmou TAC com os municípios de Campinas e Paulínia, onde os entes públicos se comprometeram a formular um protocolo de atendimento à saúde da população exposta à contaminação no CISP (Centro Industrial Shell Paulínia). Posteriormente, outro TAC foi firmado para dar início à implementação do protocolo.

Em março de 2007, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública junto com Atesq, ACPO e Instituto Barão de Mauá em face das empresas Shell e Basf.

Entre outros requerimentos, pediu-se a antecipação da tutela para que fossem contratados planos de saúde vitalícios em benefício dos ex-trabalhadores atingidos e de seus familiares. O valor estimado para a causa chegava aos R$ 620 milhões, considerada a pretensão de reparação dos danos causados a interesses difusos e coletivos, cuja indenização seria revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Contudo, no julgamento do mérito, a Justiça do Trabalho de Paulínia condenou as empresas a custearem o tratamento médico de todos os ex-trabalhadores da unidade de fabricação de agrotóxicos, assim como de seus filhos, e a pagar uma indenização por danos morais no valor total de R$ 1,1 bilhão.

Segundo a sentença da juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, a cobertura médica deve abranger consultas, exames e todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações.

“A contaminação a que se expuseram os trabalhadores não ocorria, apenas, nos momentos em que se encontravam em seus postos de trabalho, mas em todo o período em que se encontravam no Recanto dos Pássaros, local onde foi instalado o parque fabril e hoje isolado. No início, no final da jornada, nos intervalos, no trânsito pela área externa do parque fabril, na utilização da água ofertada no local, a exposição aos contaminantes se mantinha e os trabalhadores não estavam, nestes momentos, utilizando equipamentos de proteção que, de qualquer forma, não os impedia de respirar o ar contaminado e de ingerir a água que lhes era ofertada. Não se pode, portanto, admitir a tese simplista da Shell de que a existência de substâncias tóxicas no corpo humano, por si só, não configura intoxicação”, afirma a juíza, “(…) e se não é certo afirmar que todos os trabalhadores desenvolverão doenças como o câncer, também não se pode afirmar de que doenças ficarão alijados. O fato já detectado é que, na população exposta aos contaminantes já descritos, a incidência de câncer é sobremaneira maior do que nas demais populações”, diz a decisão.

Cada ex-trabalhador e cada filho de ex-trabalhador nascido durante ou depois da prestação de serviços deverá receber o montante de R$ 64.500, indenização que se refere à protelação do processo pelas empresas. Este valor será acrescido de juros e correção monetária a partir da sentença e de mais R$ 1.500 por mês caso não seja feito o reembolso mensal das despesas nos meses seguintes.

As empresas também foram condenadas ao pagamento de indenização por danos morais causados à coletividade no valor de R$ 622.200.000, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Na data da sentença, o valor com juros e correção já estava na casa dos R$ 761 milhões.

As multinacionais devem constituir um comitê gestor do pagamento da assistência médica. Se descumprir a obrigação, as empresas devem pagar multa diária no valor de R$ 100 mil.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região negou recurso impetrado pelas empresas Shell do Brasil e Basf S/A contra decisão em primeira instância que condena as multinacionais ao custeio de tratamento de saúde de ex-funcionários e ao pagamento de uma indenização bilionária por danos morais.

O acórdão proferido pelo TRT mantém a sentença da Vara do Trabalho de Paulínia, que também abrange filhos de empregados que nasceram durante ou após a prestação de serviços, autônomos e terceirizados.

Uma das obrigações da sentença, a de custear previamente o tratamento de saúde de ex-trabalhadores e filhos, foi executada provisoriamente, obrigando as empresas a cumpri-la antes do transito em julgado. Para formar a lista de habilitados, foi criado um comitê com a presença do MPT, trabalhadores e empresas, que manteve discussões pendentes acerca da inclusão de terceirizados e autônomos na relação de beneficiados. Para resolver a questão, o caso foi parar novamente na Justiça do Trabalho.

Fonte: ASCOM PRT-15

EcoDebate, 29/05/2012

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