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Pegada Ecológica e Biocapacidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Pegada Ecológica e Biocapacidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Pegada Ecológica e Biocapacidade

[EcoDebate] O relatório Planeta Vivo de 2012, da WWF, traz duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” de cada país, região e do mundo. Os dados são para o ano de 2008.

A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera.

A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecosistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

A população mundial era de 6,74 bilhões de habitantes, em 2008, com uma pegada ecológica de 2,7 hectares globais (gha) per capita, o que significa uma utilização de 18 bilhões de hectares globais. Como o mundo tinha apenas 12 bilhões de gha de terras e águas bioprodutivas, isto significa que a pegada ecológica da população mundial estava gastando 50% além da biocapacidade do Planeta. Ou dito de outra forma, a humanidade estava gastando em 1 ano o que a capacidade regenerativa da natureza só repunha em 1,5 (um e meio) ano.

Isto quer dizer que a população mundial já ultrapassou os limites da sustentabilidade e só mantém o atual padrão de vida em função das riquezas naturais e dos recursos fósseis acumulados há milhões de anos. Quando estes recursos acabarem (especialmente os não renováveis) haverá um grande descompasso entre o capital econômico e o capital natural. Se nada for feito nos próximos anos o choque de um colapso ambiental poderá ser extremamente doloroso no futuro.

A pegada ecológica e a biocapacidade são diferenciadas de acordo com a escala de análise. Nos países de alta renda (classificados como desenvolvidos) a pegada ecológica estava em 5,6 gha e a biocapacidade em 3 gha per capita. Isto significa que a população do grupo de países mais ricos tinha um déficit ambiental de 84% entre o impacto do consumo e a capacidade regenerativa do território da região (ou sobreconsumo de 84%). O grupo de países de renda média (inclui China, Índia, Brasil, etc.) tinha uma pegada ecológica de 1,92 gha – bem menor do que a do grupo desenvolvido – mas também uma biocapacidade per capita bem menor, de 1,72 gha, resultando em um déficit ambiental de 12% (ou um sobreconsumo de 12%). Já os países de baixa renda tinham tanto uma pegada ecológica quanto a biocapacidade em 1,14 gha, significando consumo baixo, mas baixa biocapacidade e uma situação de equilíbrio entre consumo e ambiente (mas não uma situação desejável em termos sociais).

O continente africano tinha uma pegada ecológica de 1,45 gha e uma biocapacidade de 1,52 gha, com um superávit de apenas 5%. Como a população e a economia da África estão crescendo a taxas elevadas, provavelmente o continente vai entrar em uma situação de déficit ambiental em breve. Mas o maior déficit ambiental acontece no Oriente Médio e Ásia Central (inclui Iraque, Irã, Ageganistão, etc.) que tinha uma pegada ecológica de 2,47 gha e uma biocapacidade de 0,92 gha. Portanto, com um déficit ambiental de 168%, ou dito em outros termos, o consumo desta região estava 2,7 vezes maior do que a capacidade regenerativa do seus recursos naturais. O déficit do Oriente Médio e Ásia Central era maior do que o déficit da América do Norte que tinha uma pegada ecológica maior, de 7,12 gha, mas uma biocapacidade também maior, de 4,95 gha. Ou seja, o déficit ambiental da América do Norte era de 44%.

Outra região com grande déficit (de 111%) era a Europa Ocidental, com pegada ecológica de 4,72 gha e biocapacidade de 2,24 gha. Ou seja, os europeus estavam consumindo pouco mais de 2 vezes a capacidade biológica do seu território. Já a Europa Oriental (que inclui o Leste europeu e a Rússia) apresentava superávit de 17%, com pegada ecológica de 4,05 gha e biocapacidade de 4,88 gha.

Porém, o maior impacto global acontece na Ásia/Pacífico (inclui o leste e sul da Ásia e a Oceania), pois com uma população total de 3,73 bilhões de habitantes tinha uma pegada ecológica, relativamente baixa, de 1,63 gha, mas uma biocapacidade per capita mais baixa ainda, de apenas 0,86 gha, resultando em um déficit ambiental de 90%. Ou seja, mesmo com todos os problemas de pobreza que existe na região, o consumo está quase duas vezes maior do que a capacidade regenerativa da natureza da região. Por conta do alto volume da população, o montante da pegada ecológica da Ásia/Pacífico foi de 6 bilhões de hectares globais (metade dos 12 bilhões de gha do mundo), enquanto o montante da pegada ecológica da América do Norte (EUA e Canadá) foi de 2,4 bilhões de gha (20% do total mundial).

A única região que apresentou grande superávit ambiental em 2008 foi a América Latina, que tinha uma pegada ecológica per capita de 2,7 gha, mas uma biocapacidade de 5,6 gha. Isto significa um superávit ambiental de 107%. Ou seja, mesmo o consumo médio sendo o dobro do consumo africano, a América Latina tinha uma capacidade biológica do seu território pouco mais de duas vezes superior ao nível da pegada ecológica da região. Portanto, a América Latina é a única região do mundo com superávit capaz de ser exportador líquido de biocapacidade. Ou dito em outros termos, a população mundial (especialmente da Europa Ocidental, América do Norte e Ásia/Pacífico) vai depender cada vez mais dos recuros naturais da América Latina.

Em termos de países, os dois com maior impacto negativo no meio ambiente são a China, que utiliza 2,9 bilhões de hectares globais (população de 1,36 bilhões de habitantes multiplicada por uma pegada ecológica de 2,13 gha) e os EUA com 2,2 bilhões de hectares globais (população de 305 milhões vezes 7,2 gha de pegada ecológica). Mas, dos 10 países mais populosos do mundo, aquele com maior déficit ambiental (607%) é o Japão, que tinha pegada ecológica de 4,17 gha, mas uma biocapacidade per capita de apenas 0,59 gha. No outro oposto, o país que apresentou maior superávit ambiental foi o Brasil (229%), com pegada ecológica per capita de 2,93 gha, mas com uma biocapacidade per capita de 9,63 gha. Isto não quer dizer que o Brasil está cuidando de forma excelente do seu meio ambiente, mas apenas quer dizer que o país tem uma população e um consumo relativamente pequenos diante da disponibilidade da biocapacidade do seu território. Se o Brasi cuidar bem do seu meio ambiente ele poderá ajudar muito a população mundial.

Todos estes dados são muito úteis para a compreensão da situação de consumo e das condições ambientais dos países e regiões do mundo, pois os dados da pegada ecológica devem ser vistos em conjunto com a biocapacidade. Por exemplo, é comum se dizer que a pegada ecológica do Paquistão (0,75 gha per capita) é 10 vezes menor do que a pegada ecológica dos Estados Unidos (7,2 gha per capita). Mas a biocapacidade dos EUA (3,86 gha per capita) é também 10 vezes maior do que aquela do Paquistão (0,40 gha per capita). Desta forma, ambos os países – a despeito da dramática diferença do nível de consumo – possuem déficit ambiental de 87% (EUA) e 88% (Paquistão).

Portanto, o grande desafio do mundo nos anos vindouros (além de reduzir as desigualdades de renda e das disparidades das condições de vida) será minimizar os impactos do consumo do alto padrão de vida dos habitantes dos países desenvolvidos e minimizar os impactos do alto crescimento populacional nos países mais pobres. Mas acima de tudo, será preciso que a pegada ecológica da humanidade seja compatível com a biocapacidade da Terra.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 23/05/2012

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