Crise Ambiental: É preciso correr, adverte a ciência, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Deveria ser leitura obrigatória para todos os governantes, de todos os níveis, todos os lugares, o documento de 22 páginas entregue no último dia 20 de fevereiro, em Nairóbi, no Quênia, aos ministros reunidos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, escrito e assinado por 20 dos mais destacados cientistas que já receberam o Prêmio Blue Planet, também chamado de Prêmio Nobel do Meio Ambiente. Entre eles estão a ex-primeira-ministra norueguesa Gro Brundtland, coordenadora do primeiro relatório da ONU sobre desenvolvimento sustentável; James Lovelock, autor da “Teoria Gaia”; o professor José Goldemberg, ex-ministro brasileiro do Meio Ambiente; sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, consultor do governo britânico sobre clima; James Hansen, do Instituto Goddard de Estudos Espaciais (Nasa); Bob Watson, conselheiro do governo britânico; Paul Ehrlich, da Universidade Stanford; Julia Marton-Lefèvre, da União Internacional para a Conservação da Natureza; Will Turner, da Conservação Internacional – e vários outros.
Nesse documento os cientistas traçam, com palavras sóbrias e cuidadosas, um panorama dramático da situação do mundo, hoje, em áreas vitais: clima; excesso de consumo e desperdício; fome; necessidade de aumentar a produção de alimentos e escassez de terras; desertificação e erosão; perda da biodiversidade e de outros recursos naturais; subsídios gigantescos nas áreas de transportes, energia, agricultura – e a necessidade de eliminá-los. Enfatizam a necessidade de “empoderamento” das mulheres e de grupos sociais marginalizados; substituir o produto interno bruto (PIB) como medida de riqueza e definir métodos que atribuam valor ao capital natural, humano e social; atribuir valor à biodiversidade e aos serviços dos ecossistemas e deles fazer a base da “economia verde”.
É um documento que, a cada parágrafo, provoca sustos e inquietações, ao traçar o panorama dramático que já vivemos em cada área e levar todo leitor a perguntar qual será o futuro de seus filhos e netos. “O atual sistema (no mundo) está falido”, diz Bob Watson. “Está conduzindo a humanidade para um futuro que é de 3 a 5 graus Celsius mais quente do que já tivemos; e está eliminando o ambiente natural, do qual dependem nossa saúde, riqueza e consciência. (…) Não podemos presumir que a tecnologia virá a tempo para resolver; ao contrário, precisamos de soluções humanas”.
“Temos um sonho”, afirma o documento. “De um mundo sem pobreza e equitativo – um mundo que respeite os direitos humanos – um mundo de comportamento ético mais amplo com relação à pobreza e aos recursos naturais – um mundo ambientalmente, socialmente e economicamente sustentável, onde desafios como mudanças climáticas, perda da biodiversidade e iniquidade social tenham sido enfrentados com êxito. Esse é um sonho realizável, mas o atual sistema está profundamente ferido e nossos caminhos atuais não o tornarão realidade”.
Segundo os cientistas, é urgente romper a relação entre produção e consumo, de um lado, e destruição ambiental, de outro: “Crescimento material sem limites num planeta com recursos naturais finitos e em geral frágeis será insustentável”, ainda mais com subsídios prejudiciais em áreas como energia (US$ 1 trilhão/ano), transporte e agricultura – “que deveriam ser eliminados”. A tese do documento é de que os custos ambientais e sociais deveriam ser internalizados em cada ação humana, cada projeto. Valores de bens e serviços dos ecossistemas precisam ser levados em conta na tomada de decisões. É algo na mesma direção das avaliações recentes de economistas e outros estudiosos, comentadas neste espaço, a respeito da finitude dos recursos naturais e da necessidade de recompor a vida econômica e social em função disso.
O balanço na área de energia é inquietador, com a dependência de combustíveis fósseis, danos para a saúde e as condições ambientais. Seria preciso proporcionar acesso universal de toda a população pobre aos formatos “limpos” e renováveis de energia – a transição para economia de “baixo carbono” -, assim como a formatos de captura e sepultamento de gases poluentes (ainda em avaliação). Como não caminhamos assim, as emissões de dióxido de carbono equivalente já chegam a 50 bilhões de toneladas anuais, com a atmosfera e os oceanos aumentando suas concentrações para 445 partes por milhão (ppm)- mais 2,5 ppm por ano, que desenham uma perspectiva de 750 ppm no fim do século. E com isso o aumento da temperatura poderá chegar a mais 5 graus Celsius.
Na área da biodiversidade, 15 dos 24 serviços de ecossistemas avaliados pelo Millenium Ecosystem Assessment estão em declínio – quando é preciso criar caminhos para atribuir valor à biodiversidade e seus serviços, base para uma “economia verde”. Mas para isso será preciso ter novos formatos de governança em todos os níveis – hoje as avaliações cabem a estruturas políticas, sociais, econômicas, ambientais, separadas e competindo entre elas.
E para que tudo isso seja possível, dizem os cientistas, se desejamos tornar reais os nossos sonhos, “o momento é agora” – enfrentando a inércia do sistema socioeconômico e impedindo que sejam irreversíveis as consequências das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade. Se falharmos, vamos “empobrecer as atuais e as futuras gerações”. Esquecendo que vivemos em “uma sociedade global infestada pela crença irracional de que a economia física pode crescer sempre, deslembrada de que os ricos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento se tornam mais ricos e os pobres são deixados para trás”.
Não se trata de um manifesto de “ambientalistas”, “xiitas” ou hippies. São palavras de dezenas dos mais conceituados cientistas do mundo, que advertem: “A demora (em mudar) é perigosa e seria um erro profundo”.
É preciso ler esse estudo (www.af-info.or.jp). Escutar. E dar consequências.
Washington Novaes, jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 12/03/2012
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