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Em economia somos todos responsáveis pelo que acontece, artigo de Marcus Eduardo de Oliveira

 

[EcoDebate] A Economia (enquanto ciência e atividade produtiva) “somente será viável se for humana, para o homem e pelo homem”. Essa frase, interessante pela abrangência social, é atribuída ao papa João Paulo II (Karol Voitjila, 1920-2005).

Para iniciarmos essa conversa, um fato importante precisa, antecipadamente, ser ressaltado: uma economia com uma face mais humana e social, centrada em análises de questões sociais, tem sido constantemente “sufocada” em nome de modelos macroeconômicos distorcidos, típicos da economia convencional que são dirigidos em favor dos ganhos cada vez maiores na escala especulativa, atendendo, assim, uma minoria de privilegiados.

Esses modelos econômicos, em geral, têm sido desenhados para atingir objetivos no curto prazo, quase sempre apontando para a necessidade de se fazer com que a produção cresça, como se o crescimento econômico significasse, automaticamente, progresso humano.

Cabe reiterar, nesse pormenor, que a busca por uma maior produção não assegura, por consequência, que todos dela participarão ou que, na essência, todos terão uma fatia disponível para abocanhar esse “bolo” que representa o crescimento econômico.

Isso, por si só, nos permite afirmar que crescimento não rima com desenvolvimento; e que, por definição mais ampla e significativa, crescer não permite se desenvolver como mera contrapartida.

Desenvolvimento econômico (melhoria da qualidade de vida) passa por uma abordagem bem mais ampla, envolvendo, no bojo, substancial elevação no padrão de vida dos mais necessitados. Essa melhoria na vida das pessoas significa, antes de tudo, ter capacidade e acesso aos bens e serviços que se deseja. Isso é o princípio que realça a afirmação que desenvolvimento conduz à liberdade, como apregoa com propriedade o Nobel, Amartya Sen.

Dessa constatação parte uma provocação e um chamado a quem se interessa e luta por construir uma economia mais humana e menos tecnicista, mais social e menos mecânica, em seu sentido capitalista-espoliador.

A provocação é simplista: é necessário enveredar esforços no sentido de lançar-se um olhar renovador sobre a economia para, a partir disso, entender e propor alternativas a esse mundo-econômico repleto de injustiças e distorções, repleto de fome e de miséria, quer seja na África, na América do Sul ou em partes da Ásia.

O objetivo disso tudo, em termos de melhorar a penetração da ciência econômica em nossas vidas, é apenas um: criar modelos econômicos que permitam condicionar uma substancial melhora na vida de milhões de pessoas que hoje conformam os elevados índices de exclusão social. Esse é, certamente, um dos grandes e mais instigantes desafios que o economista moderno deve enfrentar no afã de ajudar a edificar um mundo melhor e mais seguro. Para tanto, uma ruptura com a tradicional teoria econômica precisa acontecer, até mesmo porque a teoria tradicional insiste em propor um ensino pautado no individualismo, e não no coletivismo.

Mudar o eixo central da economia

Nesse sentido, essa ruptura passa por definir alguns novos objetivos na escala dos valores e conceitos econômicos: o primeiro deles é que o eixo central da economia tem que ser mudado. A base da economia tradicional não pode ser estritamente o mercado e, o objeto, a mercadoria como temos presenciado; mas, antes, o indivíduo com suas necessidades básicas e peculiares precisa ser colocado em primeiro plano.

Lembremos, contudo, que a Economia é feita pelos homens e para os homens, no intuito específico de qualificar a vida daqueles que vivem em precárias condições e que, por isso, muitas vezes são levados a morrer precocemente.

Que a Ciência Econômica “carregada” por todos aqueles que vislumbram a necessidade de mudar os atuais modelos macroeconômicos pautados na busca excessiva do lucro fácil para um que seja capaz de construir um mundo melhor seja posta, urgentemente, na direção da igualdade entre os homens.

As diversas crises que a economia e a sociedade, por não raras vezes, são (e tem sido) acometidas (vejamos o caso atual de alguns países europeus) servem para acender a chama da renovação e da urgente mudança, até mesmo porque é inaceitável conviver pacificamente com imposição de certas “ordens” ditadas pelos abonados mandantes da ordem econômico-financeiro-política estabelecida.

Amartya Sen, a esse respeito, certa vez disse que: “É difícil entender como uma ordem mundial compassiva pode incluir tanta gente atormentada pela miséria extrema, pela fome persistente e por vidas miseráveis e sem esperança, e por que a cada ano milhões de crianças inocentes têm de morrer por falta de alimentos, assistência médica ou social”.

Talvez seja por isso que certas situações nos causam tanto incômodo. Vejamos, por exemplo, que os dentes afiados da financeirização internacional que movimentam, em termos especulativos, 3 trilhões de dólares por dia, nos dilaceram a carótida e nos tornam ínfimos e raquíticos perante a força do grande capital.

Bocas esfaimadas

Disso resulta uma constatação que é simplesmente insano; patológico mesmo quando se percebe essas verdades sabendo serem também verdadeiros os números que retratam as desigualdades no mundo atual em que, a cada ano, milhões de pessoas – pobres, miseráveis e indigentes – padecem pela dor física da fome.

Nos dias que correm nesse século XXI, quase 900 milhões de pessoas – crianças, jovens, idosos, homens e mulheres comuns -, vão dormir de barriga vazia; não pela opção estética do corpo magro e perfeito, mas por terem as bocas esfaimadas; porque os famigerados sistemas econômicos que “manipulam” mercados ao doce sabor do lucro e que pelos mercados são “manipulados” em favor dos rápidos retornos financeiros assim determinam tal ordem ignominiosa.

Isso nos leva a outra reflexão para finalizarmos esse assunto. Em se tratando de economia, não tenhamos dúvidas: as ações econômicas possuem diversas dimensões e impactos múltiplos que afetam substancialmente à qualidade de vida das pessoas; às vezes de maneira positiva, outras vezes, de forma negativa. Em outras palavras, em economia somos todos responsáveis pelo que acontece.

Marcus Eduardo de Oliveira é Economista e professor universitário com especialização em Política Internacional e mestrado em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

EcoDebate, 17/01/2012

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