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Artigo

População e consumo: onde está o problema? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

[EcoDebate] Existem pessoas que colocam toda a culpa dos problemas do mundo no tamanho e no ritmo de incremento da população e consideram que o crescimento demográfico é o principal responsável pela reprodução da pobreza e pela degradação do meio ambiente.

Mas também existem outras pessoas que dizem exatamente o contrário e consideram que a população não é um problema, pois a culpa da pobreza se deve à concentração da renda e da propriedade, enquanto os maiores danos ao meio ambiente decorrem do impacto provocado pelo volume e crescimento do consumo, especialmente das parcelas mais afluentes da população.

Os ricos culpam os pobres pelos problemas da miséria e do meio ambiente. Os pobres devolvem os “insultos” e consideram que o padrão de vida e os privilégios dos ricos são os verdadeiros responsáveis pelo aumento da pobreza e da degração ambiental.

Quem está com a razão? Os dois tipos de argumentos estão certos? Ou os dois estão errados?

Vejamos sinteticamente o debate sobre população e pobreza.

Os dados mostram que, ao longo da história, a grande maioria da população mundial era pobre e tinha uma esperança de vida média em torno dos 30 anos, situação que se manteve até a maior parte do século XIX. No Brasil, nesta época, as péssimas condições de saúde e educação da população em geral eram agravadas pela escravidão e a total falta de autonomia das mulheres (que não podiam votar, estavam subjugadas aos espaços privados e eram legalmente dependentes dos pais e/ou maridos).

Mas diversos avanços econômicos, médicos e sanitários possibilitaram a redução das taxas de mortalidade, especialmente da mortalidade infantil, na maior parte do mundo e também no Brasil. Com o maior número de filhos sobreviventes e vivendo vidas mais longas, as famílias passaram a limitar a quantidade de filhos nascidos vivos e investir mais na qualidade dos mesmos. Este processo conhecido como transição demográfica gera, inexoravelmente, uma mudança na estrutura etária que abre uma janela de oportunidade e cria um bônus demográfico que, se bem aproveitado, possibilita o combate à pobreza e o avanço de políticas para a melhoria da qualidade de vida da população.

Portanto, a transição da demográfica (de altas para baixas taxas de mortalidade e fecundidade) e o processo de redução da pobreza são dois fenômenos que se reforçam mutuamente. Neste sentido, podemos dizer que não é o crescimento populacional que gera as situações de miséria, mas, inegavelmente, uma redução no ritmo de crescimento demográfico ajuda no processo de saída das condições de pobreza.

Por outro lado, a falta de recursos educacionais e econômicos por parte das famílias e do Estado está correlacionada com os territórios com maiores taxas de fecundidade. Desta forma, alto crescimento populacional e carencia de recursos econômicos e culturais se somam e constituem o chamado fenômeno da “armadilha da pobreza”. Assim, nestes casos, a pobreza explica o alto crescimento populacional tanto quanto o alto crescimento populacional explica a pobreza. Romper com este círculo vicioso é o grande desafio colocado, por exemplo, pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados pela ONU, na Cúpula do Milênio, no ano 2000.

Agora vejamos sinteticamenente o debate sobre população e meio ambiente.

É muito fácil para um ser humano dizer, por exemplo, que “7 bilhões de habitantes não são um problema”. Mas qual seria a resposta se perguntássemos se a Terra está superpovoada para uma onça, um tigre, um elefante, um rinoceronte, um tamanduá ou um orangotango? E se perguntássemos para um cedro, um mogno, um jacarandá ou um pau-brasil? O que nos diria um sabiá, um bem-te-vi ou um pintassilgo?

Evidentemente, comparado com outras espécies, 7 bilhões de habitantes não é pouco, pois cada pessoa precisa de água, comida, casa, transporte, saúde, educação, lazer, etc. Tirando a água, as outras coisas não caem do céu. E embora exista muita água na Terra, a água potável é escassa e geograficamente mal distribuída. Pior, a humanidade está poluindo, danificando e sobre-utilizando as fontes limpas de água, no solo e no sub-solo.

O impacto das atividades antrópicas sobre a natureza já ultrapassou a capacidade de regeneração do Planeta. Do ponto de vista do aquecimento global, são os países ricos e com maior desenvolvimento industrial que mais emitiram e emitem gases do efeito estufa. Calcula-se que o segmento dos 13% mais abastados da população mundial seja responsável por 50% da emissão de carbono do mundo. Resolver este imbróglio é uma tarefa urgente.

Contudo, a população pobre do mundo e que pouco contribui para o aquecimento global tem outros impactos não desprezíveis sobre o meio ambiente. Por mais pobre que seja uma população ela precisa de água, comida, lenha e outros consumos básicos.

Por exemplo, a bacia hidrográfica do rio Nilo, abrangendo uma área de 3.349.000 km², já não dá conta de abastecer as populações dos 10 países que, em maior ou menor proporção, dependem de suas águas. A população conjunta de Uganda, Tanzânia, Ruanda, Quênia, República Democrática do Congo, Burundi, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia e Egito era de 84,7 milhões de habitantes em 1950, passou para 411,4 milhões em 2010 e deve chegar a 877,2 milhões em 2050 e 1,3 bilhão de habitantes em 2100, segundo dados da divisão de população das Nações Unidas.

Os problemas de fome, perda de biodiversidade e pobreza humana e ambiental são cada vez mais graves na região. A capacidade de carga da bacia hidrográfica do rio Nilo já não está suportando a população atual. Já existem diversos conflitos pela disputa da água entre os povos e os países. Também já existem multidões de deslocados ambientais e ecorefugiados decorrentes da deterioração das condições do solo, da seca, do desmatamento e das mudanças climáticas.

Por outro lado, a China, com 1,35 blhão de habitantes, está conseguindo retirar milhões de pessoas das situações de pobreza, embora enfrente, ao mesmo tempo, os problemas de falta de água, de desertificação, de poluição e de aumento acelerado da Pegada Ecológica. Para minorar este problemas o governo adota uma política autoritária de “filho único” e o país deve perder entre 500 e 600 milhões de habitantes entre 2030 e 2100.

Os demais povos querem emular a estratégia chinesa de produção em massa de bens e serviços, mas num quadro de crescimento da população como no Egito, Etiópia, Sudão, etc. Atualmente, mesmo que haja distribuição igualitária da renda e do consumo, em termos internacinais, a Pegada Ecológica já ultrapassou o uso de um planeta. Estamos consumindo mais de um planeta. Portanto, o mundo já sente as consequências do “sucesso” chinês e da busca desesperada das economias dos países em desenvolvimento em busca dos mesmos padrões de vida dos países desenvolvidos.

O fato é que o incremento do consumo, de um lado, e o aumento da população, de outro, estão contribuindo, mesmo que de forma diferenciada, para uma rápida degradação ambiental. Não existe consumo sem população e nem população sem consumo. Crescimento econômico e populacional ilimitado é uma equação impossível em um Planeta finito.

Por tudo isto, a próxima Conferência da ONU para o Meio Ambiente, a Rio + 20, precisa lidar com uma agenda para o decrescimento da Pegada Ecológica, estabelecendo ações para reduzir o impacto do consumo humano sobre a natureza, mas sem omitir medidas que viabilizem, democraticamente, a estabilização da população mundial em um futuro próximo. A necessidade de uma mudança de rumo é urgente.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 14/12/2011

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4 thoughts on “População e consumo: onde está o problema? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Ótimo artigo sobre um tema fundamental, mas que por vários motivos é sempre deixado de lado.

  • É como estar no “fio da navalha” pois a virtude está no meio…
    A humanidade chegou à civilização atual através de milhões de anos sem a tecnocracia que temos hoje, resultado da emergência pós revolução industrial e revolução agrícolas!
    Hoje tem a “ciência” do balanceamento alimentar e gera uma psicose social no controle de obesidades resultantes de se alimentar mais (sem ser melhor) e gastar menos calorias (a quase extinção do esforço em tarefas pesadas, todas facilitadas…ou mecanizadas! Por experiência própria (já mudei meu patamar quantitativo e saí para o qualitativo) deixei de comer demais e como o suficiente, guiado pelos instintos milenares de meu organismo desenvolvido de Homo Sapiens, e me tornei vegetariano. Não foi difícil e está sendo muito bom! Só por ter cessado o consumo das carnes (de boi, de porco, de aves, de peixes, qualquer…) já não incendeiam e desmatam florestas para gerar pastagens, ou para plantios de soja (que não se produz apenas para os humanos mas, também para ração dos animais de criação e engorda para abate e alimentação humana), tudo a justificar a introdução dos transgênicos a título de aumentar a produtividade (nem sempre verdade e apenas em certas condições degradantes do meio ambiente) que vai desdobrando um problema em outro e mais outro… e foge do controle dos “tecnólogos” do “mercado global”.
    Nas coordenadas à avaliação da população mundial devem entrar as quantidades que se comem demais além de registrarem os que comem de menos e passam fome, e morrem, como também acabam morrendo por obesidade mórbida grande parte dos “bem abastecidos”.
    Enquanto a ciência de ponta me revela novos milagres a cada dia, em cada boletim de fontes seguras, eu me pergunto por que alardeiam tanto a falta de água em meio a tantas águas salgada e poluídas? Não aprenderam ainda a despoluir (o suficiente) ou a dessalinizar (eficaz e economicamente) as águas sujas e as dos oceanos?
    Questão de prioridade! Gastam mais com aparelhamento de guerra e domínio hegemônico do que com encontrar as soluções primordiais para que o mundo possa vir a cumprir o desígnio bíblico do “crescei e multiplicai…”!
    O homem do futuro se alimentará de quase nada…
    E já saberá quase tudo!
    E deixará de ser escravo das supremacias impostas pelo poder mortal da grandeza bélica com que se equipam, atualmente, os pretensos “donos da terra”.
    Muitas falácias servem de escudo à promoção de interesses nem sempre legítimos, o mais das vezes escusos e sub-reptícios.
    E elas têm curso normal, fazem parte do PAC, lastreiam Belo Monte… E um sem número de posições de autoridades, que têm o posto mas não a “autoridade da sabedoria”…

  • Se a atual população humana na Terra fosse igual a 10% da que realmente é, o meio ambiente seria equilibrado e muitos dos problemas com que convivemos não existiriam.
    A reprodução humana é assunto sério demais. Portanto, não deve ser deixado ao acaso.
    Quando se pretende que alguma ação atinja os objetivos desejados, o planejamento é necessário.

  • Excelente artigo, aborda os dois lados da moeda, na verdade precisamos repensar quase tudo, para que todos possam ter a chance aumentar a sua qualidade de vida. Vou recomendá-lo no meu blog.

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