Decomposição da Transposição, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)
[EcoDebate] Não foi por falta de alerta da sociedade, de protestos, até de greves de fome. A Transposição sempre foi tida como absurda, mesmo que fosse concluída, porque atenderia muito mais aos grandes interesses que à sede das populações necessitadas.
Agora, anos depois de iniciada, vai comprovando uma por uma todas as preocupações da sociedade: já devorou 3,5 bilhões de reais, precisa de mais 1,8 bilhões em aditivos, obras paralisadas, decomposição das obras já realizadas, péssima indenização das comunidades ( até de 160,00 reais para uma velha senhora), rachaduras nas casas das comunidades próximas por explosões de dinamites, emprego temporário e problemas permanentes, desfazimento dos consórcios, novas licitações, uma ladainha sem fim de problemas.
Mas, a Articulação do São Francisco Vivo não se ilude, isto é, o governo vai voltar. Mas, agora, a prioridade são as obras da copa, os aeroportos, estádios e metrôs. A sociedade civil estima em mais de 600 mil pessoas relocadas por essas obras. Parece que o Brasil calculou mal, não tem pernas para enfrentar decentemente tantas iniciativas. Pior, as empreiteiras, acostumadas a esse jogo de subornos, aditivos, recontratações, estão podendo optar onde podem ganhar mais do que nunca.
O pior na Transposição ainda está por vir, isto é, se um dia essa obra for concluída, o povo vai ver que a água que corre pelos canais não era para ele. Vai ver canais enormes cercados por arame farpado, guardas motorizados impedindo o acesso das populações, ainda que seja para roubar um balde de água. Aí a crueldade do processo mostrará todas as suas evidências.
Por outro lado, o que precisa ser feito não está sendo feito, ou está sendo mal feito. A presidente Dilma agora para favorecer seu ministro da Integração, Fernando Coelho, permitiu que a Codevasf implante cisternas de plástico no lugar das cisternas de placas. As adutoras do Atlas do Nordeste não estão sendo feitas, ou apenas algumas, e milhares de municípios nordestinos poderão entrar em colapso de água até 2025, como prevê a Agência Nacional de Águas (ANA) em seu Atlas do Nordeste.
Por isso, nos diferenciamos mais uma vez da grande mídia nacional e da oposição de direita no Brasil. Mantemos nossa posição original. Não estamos interessados na continuidade da Transposição, mas na aplicação desses recursos no que deve ser feito, priorizando as populações efetivamente necessitadas. A grande mídia se entende com as empreiteiras, que se entendem com o governo. Nessa equação povo nordestino continua de fora.
A decomposição da Transposição fala por si mesma.
Roberto Malvezzi (Gogó), articulista do EcoDebate, é membro da Equipe Terra, Água e Meio Ambiente do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) e assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT.
EcoDebate, 07/12/2011
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Meu caro Roberto Malvezzi:
Você e eu tivemos um debate interessante sobre a transposição, em que procurei lhe dizer que devíamos guardar as energias para discutir métodos e não filosofias. A necessidade de água no Nordeste Setentrional está mais que demonstrada.
No entanto, como já tive oportunidade de escrever neste Eco
Debate, a transposição tem um erro muito grande, que sequer foi ventilado nas audiências públicas: por que canais e não rios artificiais?
Os canais de concreto em uma região de clima quente e semi-árido, com baixa umidade, o que faz com que os dias sejam quentes e as noites podem ser muito frias, com grande variação térmica, seria inevitável o rompimento da camada de concreto, sujeita a dilatação e a retração. Pior: haverá também o rompimento das mantas de impermeabilização.
Bati nessa tecla repetidamente e cheguei a propor ao Prof. Apolo e ao João Suassuna deixarmos de lado o debate filosófico e partirmos para uma ação prática: lutar pela transformação dos canais de transposição em rios artificiais.
Se você teve oportunidade de ler meu livro A Outra Face da Moeda, verificou que, no capítulo XVIII, eu trato dessa questão.
Embora com certo atraso, que tal ativarmos a frente para lutar pela transformação dos canais de concreto em rios artificiais?