Código Florestal e as Florestas nas águas da Amazônia
Artigo encaminhado pelo grupo de pesquisadores do Inpa e do Museu da Amazônia sobre recente estudo que sugere a inclusão de áreas úmidas nas discussões do novo Código Florestal.
A precipitação é a principal fonte de água na bacia amazônica; cerca de 50% dessa precipitação depende da evaporação e da transpiração da cobertura vegetal. Por outro lado, cerca da metade da precipitação incidindo na bacia é transformada em descarga, indo, primeiramente, para os pequenos riachos, os igarapés.
A trama de pequenos igarapés da bacia amazônica alimenta os grandes rios com seu fluxo de água de diferentes propriedades químicas. Por sua vez, esses igarapés são margeados por florestas que alimentam os organismos aquáticos, mostrando a íntima relação e mútua dependência entre água, floresta e organismos na Amazônia.
Devido a diferenças ao longo do ano no volume da precipitação, o nível dos grandes rios flutua sazonalmente com uma amplitude da ordem de 10m, na Amazônia Central, podendo chegar a quase 15 metros em outras áreas, implicando em uma expansão da cheia de quilômetros nas planícies alagáveis marginais e suas florestas. No pico da fase de águas baixas as áreas alagáveis podem ser reduzidas a apenas 20% da área total inundada durante o pico das cheias. Contudo, elas contribuem com 30% do balanço total de água do canal principal do rio, pois a capacidade de estocagem das áreas alagáveis, desde que mantidas com suas florestas associadas, é bem superior à do canal principal.
Em nenhum outro lugar do planeta são encontradas florestas que toleram períodos de inundação tão longos, de até 270 dias ao ano, como aquelas encontradas nas áreas alagáveis ao longo dos grandes rios amazônicos. Todos os anos, durante as cheias, quando a água invade as margens laterais, essas árvores passam a fazer parte dos corpos de água por vários meses, tendo suas raízes, troncos ou mesmo as copas inteiramente recobertas pela água dos rios associados.
Essa vegetação é adaptada a esta situação de inundação, compondo florestas únicas no mundo, com a maior biodiversidade registrada para esses ambientes (mais de 1000 espécies). A vegetação das florestas alagáveis é também de capital importância para o desenvolvimento e manutenção da biodiversidade amazônica, oferecendo alimento e habitat para vários animais, como peixes, macacos e pássaros. Além disto, um número muito grande de invertebrados terrestres vive permanentemente nas copas das árvores da floresta, ou migra para elas para escapar às inundações.
As áreas de florestas alagáveis devem ser incluídas nos dispositivos legais que protegem as florestas uma vez que a sua devastação ou sua retirada massiva trarão reflexos negativos imediatos à estrutura física e integridade dos processos ecológicos dos ambientes alagáveis, como também à diversidade biológica de toda a região amazônica. As implicações de alterações dessa natureza irão se refletir diretamente nos ciclos climáticos e na redução dos múltiplos recursos naturais explorados pelas populações humanas locais, com reflexos negativos na economia e o abastecimento dos maiores centros urbanos na Amazônia.
Wolfgang Junk – Coordenador do INCT – Instituto Nacional de Áreas Úmidas (Inau), do Pantanal;
Jochen Schoengart e Florian Wittmann – Grupo MAUA/ Cooperação Inpa/Max-Planck, Alemanha
Maria Teresa Piedade – Grupo MAUA/Inpa
Artigo socializado pelo Jornal da Ciência/SBPC, JC e-mail 4347 e publicado pelo EcoDebate, 22/09/2011
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