Economia, população e meio ambiente no ‘Estado Estacionário’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Os economistas clássicos sabiam que a economia e a população não poderia crescer infinitamente em um Planeta finito. A chamada “lei dos rendimentos decrescentes” não deixa de ser um reconhecimento aos limites da Terra. O progresso técnico pode apenas adiar o decrescimento dos rendimentos marginais do capital, da terra e do trabalho.
Mas, a despeito dos inúmeros alertas da natureza, as atividades humanas cresceram até um ponto que ultrapassaram a capacidade de regeneração do Planeta, conforme mostram os dados da pegada ecológica. Em 2011, o mundo está utilizando cerca de 50% a mais dos recursos compatíveis com a sustentabilidade da Terra. Atualmente, ao invés do crescimento a qualquer custo para enfrentar a crise financeira, a humanidade precisa promover urgentemente um decrescimento daquelas atividades mais agressoras ao meio ambiente, se quiser ampliar seus horizontes de sobrevivência.
A economia é uma ciência em constante evolução. Adam Smith (1723-1790), figura proeminente da fundação da economia moderna, sabia dos limites do crescimento. Mas em seu famoso livro “A riqueza das Nações”, escrito em 1776 – quando a população mundial era muito pobre e contava com menos de 1 bilhão de habitantes – sua preocupação era combater as idéias metalistas do mercantilismo, mostrar que a riqueza de um país depende do valor do trabalho do seu povo e que o desenvolvimento das forças produtivas era fundamental para a redução da pobreza e a melhoria do bem-estar geral.
Dentre os autores clássicos, um economista importante para mostrar os limites do crescimento foi John Stuart Mill (1806-1873), discípulo de Adam Smith e David Ricardo (1772-1823), que escreveu o livro “Princípios de Economia Politica”, em 1848. No capítulo VI, do livro IV, que tem como título: “A condição estacionária”, ele considera que o crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto (PIB) e da população é uma impossibilidade histórica e que o “Estado estacionário” irá predominar, mais cedo ou mais tarde no mundo.
Lembremos que Stuart Mill escreveu em meados do século XIX, quanto a população mundial era de 1,4 bilhão de habitantes. O PIB mundial, em 1850, segundo cálculos de Angus Maddison, era 56 vezes menor do que o PIB de 2010. Segundo dados do FMI, o PIB mundial em 2010 (em dólares correntes) foi de 63 trilhões de dólares, para uma populaçao de 6,9 bilhões de habitantes. Assim, a preços de 2010, o PIB mundial era de 1,14 trilhão de dólares, em 1850. Portanto, a renda per capita mundial (a preços constantes) passou de 812 dólares, em 1850, para 9,1 mil dólares em 2010, um crescimento de 11 vezes no poder médio de consumo da população mundial.
Ou seja, mesmo numa época de baixo impacto da economia sobre o meio ambiente, Stuart Mill já falava em “condição estacionária”. Evidentemente, não cabia ao autor falar em decrescimento econômico naquela época. Mas o economista inglês tinha consciência dos limites do crescimento.
Em seu livro, Stuart Mill inicia o capítulo sobre “A Condição Estacionária” (a tradução em português é da editora Abril, 1983) perguntando sobre o estado da humanidade e deixando claro que o fim do crescimento da economia e da população (ou dito de outra forma, o fim do progresso material) seria uma questão de tempo:
“Para que ponto último está tendendo a sociedade, com seu progresso industrial? Quando o progresso cessar, em que condição podemos esperar que ele deixará a humanidade? Os economistas políticos sempre devem ter visto, com clareza maior ou menor, que o aumento da riqueza não é ilimitado; que ao final daquilo que denominamos condição progressista está a condição estacionária, que todo aumento de riqueza é apenas um adiamento dessa última condição, e que cada passo para a frente é um aproximar-se dela” (p.251).
Para Stuart Mill, o progresso não é ilimitado, porém seus limites não são fixos, mas móveis, pelo menos enquanto existir regiões não exploradas no mundo. Os limites da naturais de um país já densamente povoado poderiam ser ampliados via progresso técnico ou com o “transbordamento” da produção para países menos povoados:
“Os países mais ricos e mais prósperos muito cedo atingiriam a condição estacionária, se não introduzissem mais aperfeiçoamentos das técnicas produtiva, e se houvesse suspensão do processo de transbordamento do capital desses países para as regiões da Terra não cultivadas ou mal cultivadas” (p. 251).
Mas, da mesma forma que o Planeta tem um limite, o crescimento econômico também tem o seu limite. Por isto o “Estado Progressivo” desembocaria no “Estado Estacionário”. Assim, além de prever que a economia irá, algum dia, parar de crescer, Stuart Mill, considera positivo o fim do crescimento quantitativo e critica a competicão econômica desenfreada:
“Estou propenso a crer que essa condição estacionária seria, no conjunto, uma enorme melhoria da nossa condição atual. Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é aquele de sempre lutar para progredir do ponto de vista econômico, que pensam que o atropelar e pisar os outros, o dar cotoveladas, eu uma andar sempre ao encalço do outro (características da vida social de hoje) são o destino mais desejável da espécie humana, quando na realidade não são outra coisa senão os sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso industrial ” (p. 252).
A concepção ideal de sociedade para Stuart Mill envolvia uma melhor distribuição da renda e da propriedade e mais tempo para o lazer:
“Podemos pensar, por exemplo (conforme sugestão apresentada em um capítulo anterior), em limitar a soma que qualquer pessoa pode adquirir por doação ou por herança ao montante suficiente para proporcionar uma autonomia razoável. Sob essa dupla influência, a sociedade apresentaria as seguintes características dominantes: um conjunto de trabalhadores bem remunerados e afluentes e inexistência de fortunas enormes, a não ser as que fossem ganhas e acumuladas durante uma única vida de existência; em contrapartida, um conjunto, muito maior do que atualmente, de pessoas não apenas livres das ocupações mais duras, mas também dispondo de lazer suficiente, tanto físico quanto mental, para se libertarem de detalhes mecânicos e poderem cultivar livremente os encantos da vida, e para darem exemplos disso às classes menos favorecidas para o cultivo desses valores. Essa condição da sociedade, tão altamente preferível à atual, não apenas é perfeitamente compatível com a condição estacionária, senão que, segundo parece, se coaduna com mais naturalidade com essa condição estacionária do que com qualquer outra” (p. 253).
De certa forma, antecipando-se a Escola de Frankfurt, Stuart Mill faz uma crítica à concepção de progresso material, entendido como um constante crescimento econômico para satisfazer os interesses antropocêntricos. Ele defende o espaço do meio ambiente (e da biodiversidade) da seguinte forma:
“Por outro lado, não se sente muita satisfação em contemplar um mundo em que não sobrasse mais espaço para a atividade espontânea da Natureza; um mundo em que se cultivasse cada rood (1/4 de acre) de terra capaz de produzir alimentos para os seres humanos, um mundo em que toda área agreste e florida, ou pastagem natural, fosse arada, um mundo em que todos os quadrúpedes ou aves não domesticados para o uso humano fossem exterminados como rivais do homem em busca de alimento, um mundo em que cada cerca-viva ou árvore supérflua fossem arrancadas, e raramente sobrasse um lugar onde pudesse crescer um arbusto ou uma flor selvagem, sem serem exterminados como erva daninha, em nome de uma agricultura aprimorada. Se a Terra tiver que perder a grande parte de amenidades que deve a coisas que o aumento ilimitado da riqueza e da população extirpariam dela, simplesmente para possibilitar à terra sustentar uma população maior, mas não uma população melhor ou mais feliz, espero sinceramente, por amor à posteridade, que a população se contente com permanecer estacionária, muito antes que a necessidade a obrigue a isso” (p. 254).
Portanto, numa linguagem atual, poderíamos dizer que Stuart Mill defendeu uma relação harmoniosa entre economia, população e meio ambiente, maior liberdade e autonomia das pessoas, além de combater a visão utilitarista na qual o ser humano tem o direito de ocupar todos os espaços do Planeta. Indubitavelmente, ele já defendia, à sua maneira, o direito da biodiversidade.
Por fim, Stuart Mill explica que o “Estado Estacionário” não significa o fim da história. Ao contrário, ao controlar o crescimento extensivo da população e da economia, o ser humano estaria trocando o crescimento quantitativo pelo crescimento qualitativo. Vejamos as palavras finais do capítulo:
“Dificilmente será necessário observar que uma condição estacionária do capital e da população não implica uma condição estacionária do aperfeiçoamento humano (…) Somente quando, além de instituições justas, o aumento quantitativo da humanidade for guiado de forma planejada pela previsão criteriosa, somente então as conquistas sobre as forças da Natureza conseguidas pelo intelecto e pela energia de pesquisadores científicos poderão transformar-se em propriedade comum da espécie humana, bem como em meio para melhorar e elevar a sorte de todos” (p. 254).
Não seriam estas palavras uma forma antecipada, em mais de 150 anos, de um modelo de desenvolvimento com uma população estabilizada, uma sociedade do conhecimento e uma economia verde, renovável, limpa e inclusiva, onde houvesse crescimento apenas em termos qualitativos e de forma harmônica com o meio ambiente?
José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 14/09/2011
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