Filme ‘O veneno está na mesa’, do cineasta Silvio Tendler, será exibido nos 57 anos da Ensp, 15/9
O Brasil é hoje o maior consumidor de agrotóxicos no mundo e, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, desde o início de 2010, um em cada quatro produtos do agronegócio em circulação no mundo é brasileiro. Essa liderança, porém, não é motivo de orgulho para a população brasileira, nem está fadada ao sucesso. Apesar de alavancar a economia, traz consigo um número maior de problemas de saúde para o trabalhador, sua família e o meio ambiente. Na semana em que irá comemorar seu aniversário de 57 anos, a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) escolheu o tema Rio+20: desenvolvimento sustentável, economia verde e erradicação da pobreza. Assim, a Ensp se engaja na discussão planetária sobre a transição necessária para uma economia inclusiva, verde e responsável, em que o Brasil e as áreas de saúde e meio ambiente têm papel estratégico e decisivo. Uma das atividades programadas é a exibição do documentário O veneno está na mesa, do cineasta Silvio Tendler, que mostra os enormes prejuízos causados por um modelo agrário baseado no agronegócio.
O documentário, elaborado para a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, está em exibição em todo o país. Para falar sobre a produção do filme e a importância do debate sobre o consumo dos agrotóxicos, o documentarista concedeu entrevista ao Informe Ensp e deixou claro seu ponto de vista: “O agronegócio é bom para ganhar dinheiro, mas péssimo para viver”. A atividade está marcada para quinta-feira (15/9), às 13h30, no Salão Internacional.
Em consonância ao tema escolhido para a comemoração dos 57 anos Rio+20: desenvolvimento sustentável, economia verde e erradicação da pobreza, a Ensp exibirá o documentário que o senhor dirigiu e que aborda justamente o uso dos agrotóxicos. O filme ressalta os ataques ao meio ambiente e os sérios riscos à saúde, tanto do consumidor final quanto dos agricultores expostos diariamente à intoxicação. Por que a escolha desse tema?
Silvio Tendler: O tema agrotóxico ‘está na mesa’, apesar de pouca gente tocar no assunto. Todo mundo fala que os alimentos estão altamente contaminados, mas é como se a população tivesse vergonha de reagir sobre uma coisa que nos faz mal. A partir daí, resolvi pensar nessa questão do agrotóxico, e, pela repercussão que está tendo, o documentário está funcionando como um rastilho de pólvora no Brasil inteiro. Estou sendo convidado para debates em todo o país, e isso revela um interesse da sociedade em relação ao tema.
Além do mais, fiquei sabendo de um debate sobre o filme com a participação de um dirigente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que se recusou a assistir o filme. Esses aspectos evidenciam sua importância, e, como documentarista, busquei um tema que precisava ser amplamente debatido. A saúde, hoje, está na ordem do dia.
O filme foi feito para a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Quais são seus objetivos?
Tendler: Essa campanha tem uma participação nacional muito ampla, com apoio de entidades e centros de pesquisa científica, como a própria Fiocruz, envolvidos no projeto com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, o Centro de Pesquisa Ageu Magalhães e outras unidades. Além dela, temos a Universidade Federal do Ceará, com a professora Raquel Rigotto, e a Universidade Federal do Mato Grosso, com o doutor Wanderlei Pignati, por exemplo. Portanto, temos várias entidades científicas que legitimam nossa preocupação. Temos também uma área da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) voltada para a questão do agrotóxico, além de ONGs, sindicatos, centrais sindicais e movimentos populares envolvidos. Então, temos uma boa parte da sociedade comprometida com esse processo.
Há certa contradição entre o impulso na economia e o impacto na saúde causado pelo uso dos agrotóxicos. De que forma o documentário aborda essa incompatibilidade? O uso da substância foi impulsionado a partir da Revolução Verde, nas décadas de 1960 e 1970. Como o filme trata a questão?
Tendler: O documentário aborda como a chamada Revolução Verde do pós-guerra acabou com a herança da agricultura tradicional. No lugar, implantou um modelo que ameaça a fertilidade do solo, os mananciais de água e a biodiversidade, contaminando pessoas e o ar. Portanto, há veneno na mesa da gente desde a década de 1960. A revolução foi uma tentativa de duplicar a produção de alimentos no mundo. E foi muito bem vista naquela época, pois ninguém tinha noção de que ela viria contaminada, envenenada e traria riscos à saúde.
Com o passar do tempo vimos que se tratava de um “cavalo de Troia” e, por trás dela, viria algo de muito ruim: o uso de agrotóxicos e a destruição da terra, dos mananciais e danos à saúde das pessoas. Porém, tão grave quanto isso é a plantação dos transgênicos, que se apropria da produção agrícola em benefício de grandes empresas. Essa foi uma questão que emergiu em 2004, com autorização para o plantio da soja transgênica no país. Porém, antes da soja transgênica, o veneno já estava presente em nossas vidas. Durante o pós-guerra, muitas casas foram borrifadas com DDT e as pessoas achavam aquilo maravilhoso, um sinônimo do progresso. Hoje sabemos o quanto ele faz mal. Essa parte da indústria química não tem compromisso com a vida, e sim com a morte.
E de que forma essa relação saúde versus economia é abordada?
Tendler: A gente fala que o uso de agrotóxico interessa e incentiva o agronegócio, que gera commodities, mas é externamente perigoso à saúde. Ele é bom para ganhar dinheiro, mas péssimo para viver.
Qual foi o momento de maior impacto durante a produção do documentário? Quais as principais dificuldades encontradas?
Tendler: O maior impacto foi a descoberta das mortes em função do uso de agrotóxico. O Vanderlei, no Ceará, que morreu em decorrência de uma hepatopatia grave por fazer a mistura dos venenos, e a presença do agrotóxico no leite materno de mulheres em Lucas do Rio Verde (região norte de Mato Grosso) foram casos assustadores. Já em relação às dificuldades, posso afirmar que não tivemos nenhuma, pois o filme é fruto de um grande mutirão e tivemos facilidades. Sua distribuição demonstra isso. Estamos em exibição em todo o país e ele vem com o selo “copie e distribua”. As pessoas podem copiar, compartilhar e distribuir.
Do seu ponto de vista, há como reverter a situação do agrotóxico no país? Uma outra forma de produção se sustenta hoje em dia?
Tendler: Em primeiro lugar, temos que tomar medidas concretas. E a primeira que proponho é que os agrotóxicos proibidos nos países em que são fabricados sejam vetados diretamente aqui. Não há razão para uma substância proibida nos Estados Unidos, China, África e Japão continuar circulando livremente pelo Brasil. Isso tem que ser proibido já!
Por outro lado, temos que reavaliar as substâncias utilizadas aqui e fazermos um processo de reversão em direção à cultura orgânica. Isso, sim, se trata de um processo mais complexo, complicado, pois não podemos abandonar o plantio com agrotóxico e não plantarmos mais nada. Tem de haver uma conversão da cultura. Com isso, podemos salvar futuras gerações.
A falta de informação também é um grande problema para o país.
Tendler: Certamente. Falta informação, falta equipamento de produção individual, fiscalização e cuidado no descarte das embalagens. Além disso, sofremos com o uso abusivo dos agrotóxicos. Há substâncias recomendadas para serem utilizadas duas vezes por safra, mas são utilizadas em oito. No Ceará, temos regiões onde se plantava abacaxi, com uma terra muito boa, e hoje em dia não se planta mais nada. As fazendas abandonaram aquelas terras e migraram para outras porque acabaram com o solo. Temos que reverter esse quadro. O filme é um grande motivo de orgulho por trazer essas questões.
Informe Ensp, publicado pelo EcoDebate, 13/09/2011
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Como fazer para adquirir esse documentário: “O veneno está na mesa”, gostaria muito de ter esse documentário para incluir ele nas formações e encontros que temos nas comunidades. Muito obrigado. Marcio.
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