‘Troque seu cachorro por uma criança pobre’, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] No Rock da Cachorra, Eduardo Dusek fez uma proposta ousada: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”. De fato, existem pessoas que consideram que a proposta faz sentido. Por exemplo, o programa de erradicação da pobreza extrema, do Governo Federal, chamado “Brasil sem miséria”, estabeleceu como linha de pobreza o valor de R$ 70,00 (setenta reais) de renda per capita familiar. Ou seja, uma criança pobre no Brasil vive com uma renda próxima ou abaixo de R$ 70,00 por mês. Mas o custo de um animal de estimação da classe média brasileira é maior do que isto.
A dissertação de mestrado de Roberto Luís Carvalho, realizada na ENCE/IBGE, com base em pesquisa feita nos bairros do Grande Méier, na cidade do Rio de Janeiro, mostrou que os gastos com cães e/ou gatos, no orçamento familiar das famílias de classe média, desta região da zona norte, estava em torno de R$ 162,00. Ou seja, mais do dobro do que o “custo” de uma criança pobre. Desta forma, considerando apenas o valor monetário, pode-se considerar que os animais PETs vivem melhor do que as crianças pobres.
Mas o padrão de vida de alguns cachorrinhos podem ter valores muito superiores, como ficou famosa a divulgação dos gastos com os passeios e as festas de Pepezinha, cadelinha de estimação da socialite Vera Loyola, maior símbolo de extravagância da Barra da Tijuca, a chamada Miami brasileira, no Rio de Janeiro. Muitas pessoas, na época, manifestaram o desejo de viver com o mesmo padrão da Pepezinha.
O alto custo dos cachorros motivou a cidade de Xangai, na China, em 2010 a fazer uma lei que permite no máximo um cachorro por domicílio. Muitas pessoas acham que faz sentido, pois Xangai é uma das cidades chinesas que segue a Lei do Filho Único. Portanto, não seria justo proibir um segundo filho por família e liberar mais de um cachorro ou gato.
No livro “Time to Eat your Dog (or cat): The Real Guide to Sustainable Living” dois arquitetos da Nova Zelândia, Robert e Brenda Vale, argumentam que manter um cão de tamanho médio tem o mesmo impacto ecológico do que a condução de 10,000 km por ano em um Land Cruiser. Assim, dizendo ironicamente, comê-los seria mais barato e ecologicamente correto, pois seria uma contribuição para salvar o Planeta, reduzindo os impactos da Pegada Ecológica e do aquecimento global.
A Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA) possui um documento para estabelecer critérios uniformes para a proteção dos animais em todo o mundo: a Declaração Universal de Bem-Estar Animal, com diretrizes básicas de bem-estar, reconhecendo os animais como seres sencientes (que têm sentimentos).
Mas parece que a proposta de Eduardo Dusek não contraria os princípios da proteção animal, principalmente, se for considerada como forma de crítica da cultura do PET Shopping, que significa transformar os animais de estimação em objetos de consumo e símbolos de status das classes médias emergentes. Cuidar e proteger os animais selvagens ou domésticos é uma coisa. Transformá-los em símbolos da futilidade humana é outra coisa bem diferente e totalmente dispensável.
José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
EcoDebate, 06/09/2011
[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Porquê eu tenho que trocar por uma criança pobre, e não educar os “pobres” (ou, as menos desassistidas) a ter menos filhos?
Um cachorro é um animal, que muitas vezes abandonado e não castrado, não tem consciência da escolha de “não cruzar”, já o bicho homem, animal dito racional, pode escolher “não cruzar”. Claro, há os benefícios oferecidos pelos programas assistencialistas, mas até para isso há um limite.
Existem certas matérias que são deveras infelizes.
Acho que ‘todas as bocas tem direito de comer”, então, uma atitude não exclui a outra: você pode cuidar da criança e do cachorro/gato….o que não está certo é ter animais de estimação com padrão de comportamento de humanos (banho com sais, fitinha e outras frescurinhas) – isso é ‘desvio de comportamento’, muito visível nas classes média e alta….aliás, não seria também um desvio de comportamento colocarmos nossas filhas em salão de beleza para pintar e alisar cabelos, salto alto em crianças, empurrar os filhos para ‘modelar’ desde pequenos….Concluindo, temos que olhar para nós mesmos e nos perguntar por que colocamos tanta expectativa: nos filhos ou pet’s ‘troféus’.
Chega ao nível do rídiculo as formas como os pets são tratados.
Não desmereço a questão animal, inclusive em meu blog na-beirada tenho posts em prol destes, no entanto, limites são importantes, inclusive no que tange a humanização destes.
Em muitos filmes tipo Discovery channel vemos análises neste sentido, como um animal que sente amor ou desprezo…esses são sentimentos humanos e devem ser tratados como tal.
Os animais ditos irracionais são, eles mesmos, incapazes de controlar sua reprodução, como também eram os seres humanos há poucos anos. Mas agora os humanos podem ter sua reprodução regulada, bastando para isso utilizar sua tão propalada racionalidade, avaliando as possibilidades da qualidade de vida dos seres que geram para habitar um planeta doente e já sobrecarregado de gente. Noutras palavras: os humanos precisam parar de se comportarem guiados somente pelo instinto reprodutivo, como os outros animais. Mas sabemos que a grande maioria das pessoas é, de fato, incapaz de racionalizar seus comportamentos, especialmente diante de instinto tão poderoso como é o da preservação da espécie. Daí, a importância da intervenção do Estado. Mas este, até agora, tem se mantido afastado dessa questão, que é fundamental, em termos de erradicação da miséria, de qualidade de vida e de condições ambientais. E, assim, o instinto age contra si próprio. Em busca de grande quantidade, sacrifica a qualidade e põe em risco a própria existência da espécie, e das outras.
Quanto à qualidade de vida, esta sim, deve ser, a todo custo, priorizada, independente de tratar-se de seres humanos ou de outros animais. Mais um detalhe: as consequencias de se criar um ser humano são muito maiores do que para se criar um cão. Criar um ser humano com responsabilidade significa mantê-lo vivo, feliz e saudável, e educá-lo, isto é, prepará-lo para apossar-se da própria vida, enquanto ser social, ou seja, atuando em benefício próprio e da sociedade, de que é inseparável. É assim. Se nós fazemos a História, devemos fazê-la com responsabilidade. É aí que o capitalismo falha, pois tem como objetivo precípuo acumular.
Amigo José Eustáquio.
como sempre muito pertinente e perspicaz seu artigo e colocações. Pegando carona; deixo algumas reflexões urgentes para a nossa, em vias de se consolidar: sociedade tupiniquim.
Concordo que o pior tipo de gente que existe por aqui somos nós: a maioria: classe média em tudo: finanças; evolução espiritual; capacidade cognitiva; raciocínio crítico (a maioria, border line (os normais); ainda acredita e em coisas diet, ligth, só um pouquinho não faz mal, beba com moderação, eleja semianalfabetos para cuidar de você e da educação de seus quase bichinhos de estimação (filhos). Vamos começar a discutir nossa participação. mas, resumindo: qual a diferença entre uma criança pobre e um bezerrinho (fruto da procriação de seres que optam por viver uma vida de gado? – manipulada pelos donos dos currais eleitorais? qual a diferença entre os profissionais da política e do serviço publico e os donos usuários de pet shop? Assunto interessante.
Mais um excelente artigo do JEDA.
Tem gente exgerando nos cuidados e gastos com seus PETs.
Deveriam dedicar parte destes gastos às crianças pobres.
Mas, criar pequenos animais dentro de casa pode prover em parte nossas necessidades afetivas, o que facilita muito a decisão de não ter filhos. Isso é fato corriqueiro nos dias atuais.
Por outro lado, me responda: Quem tem uma pegada ecológica maior, um filho humano ou um “filho” cachorro/gato?
Então talvez pudéssemos trocar o verso do Eduardo Dusek por outro: “Não tenha filhos, adote um cachorro, o planeta agradece”.