Programa Nuclear Brasileiro: Revisão nuclear, artigo de Reinaldo Calixto Campos
[O Globo] Ao contrário do Japão, o Brasil tem o privilégio de não estar situado sobre limites de placas que possam gerar desastres do porte de um terremoto de grande impacto ou uma tsunami. Isso não impede, no entanto, que, em função do desastre nuclear de Fukushima, não seja o momento de rever o papel das usinas nucleares no país e as suas condições de segurança. Em um país onde chuvas, inundações e deslizamentos matam tantos, fica sempre a desconfiança se planos de emergência funcionarão tão bem no papel como na prática.
Devemos, sim, reavaliar se o país necessita de outras quatro usinas, conforme os planos do Programa Nuclear Brasileiro. Quando se trata de energia nuclear, há uma dimensão difícil de controlar quando algo sai errado: as possibilidades são pequenas, mas, quando ocorrem, as consequências são extensas no tempo, e os seus limites, indefinidos, com um grande número de afetados. Está na memória de muitos de nós o acidente com césio-137, em 1987, decorrente de um aparelho de radioterapia, abandonado como lixo hospitalar e encontrado por catadores de ferro velho em Goiânia. O atendimento e a descontaminação da área e população afetada (cerca de 110 mil pessoas, segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear) revelaram as dificuldades de tomada de decisões e suas incertezas. As mais de 13 toneladas de lixo atômico recolhidas, e lacradas em tambores, se mantêm perigosas pelos próximos 156 anos, um testemunho silencioso, e um tanto esquecido, daquele episódio.
O Brasil não precisa recorrer às usinas nucleares para reforçar sua matriz energética. Somos um país rico em outras formas de energia, como a eólica e a solar. Além de mais limpas, temos todo o potencial para desenvolver tecnologia nessas áreas, baratear os custos da energia assim gerada e sermos competitivos na exportação deste conhecimento e tecnologia, contribuindo com produtos de maior valor agregado na nossa pauta de exportações, hoje fortemente baseada em commodities.
Diferentemente do Japão, onde a energia nuclear é responsável por 30% da eletricidade gerada no país, temos que nos valer de nossas vantagens para oferecer ao mundo um exemplo a ser seguido. Investir em educação, segurança e na infraestrutura, promover o desenvolvimento econômico baseado em tecnologias limpas, incentivar a pesquisa e a criação de novas tecnologias e apoiar as diversas formas de energia possíveis são os caminhos a serem seguidos.
Enganam-se os que pensam que o abandono da energia nuclear pela Alemanha (um dos seus líderes de seu desenvolvimento) trata-se de uma atitude populista de seu governo atual. Como em nenhum outro país, a História ensinou a eles os riscos da leniência com o populismo. Se eles a abandonam, é porque já estão com o pé no futuro, enxergando um mundo onde a energia nuclear não será fundamental, não valendo o risco a correr e o preço a pagar. Aproveitemos para abandonar o desenvolvimentismo obsoleto dos anos 70 e entrarmos, definitivamente, no século XXI.
Reinaldo Calixto Campos é pesquisador do Centro Técnico Científico da PUC-Rio.
Artigo em O Globo, socializado pelo Jornal da Ciência/SBPC, JC e-mail 4329
EcoDebate, 25/08/2011
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“O Brasil pode seguir a tendência de países como Alemanha e Itália, decretando moratória no uso da energia nuclear, se aprovar proposta em tramitação no Senado. Projeto de lei do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) suspende a construção de novas usinas termonucleares em todo o território nacional pelo prazo de 30 anos.”