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Biogeoquímica. Ecossistemas e estratégias energéticas. Entrevista com Gervasio Piñero

Os ecossistemas são como máquinas: funcionam segundo balanços de energia e se pode calcular a sua potência, recebem ‘insumos’ de combustíveis fósseis ou fluxos internos podem ser manejados cientificamente para torná-los mais eficientes. Esses são os objetivos de um ramo da ciência: a biogeoquímica. A análise é de Gervasio Piñero, engenheiro agrônomo, em entrevista a Leonardo Moledo do Página/12, 17-08-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você é engenheiro agrônomo suponho. Digo isso porque estamos na Faculdade de Agronomia da UBA. Não é uma dedução brilhante admito, mas…

… mas está certo, sou mesmo engenheiro agrônomo.

Pesquisador do Conicet, é isso…

Pesquisador do Conicet e professor da cátedra de Ecologia.

… e aqui tenho anotado que você se ocupa de um ramo novo da ciência…

… que se chama biogeoquímica…

…mas o que significa isso.

O que essa disciplina faz é estudar os ciclos dos nutrientes e o fluxo da energia através dos ecossistemas, ou seja, como fluí a energia desde as plantas que a interceptam e como se reciclam os nutrientes dentro de um ecossistema. O que tentamos é apliar os marcos teóricos da biogeoquímica e da ecologia aos sistemas agropecuários de tal modo que possamos captar energia sem destruir os ciclos.

A definição de “ecossistema” às vezes parece um pouco, digamos esgorregadia. Como você a define?

Um ecossistema tem uma parte biótica e uma abiótica. A parte biótica são todas as coisas vivas.

Mas, como se definem os limites?

Os ecossistemas têm uma variável espacial que pode ser bastante diversa. Um ecossistema, por exemplo, pode ser o ruminar de uma vaca: há diferentes bactérias que interagem. Um ecossistema grande pode ser uma selva, onde seguramente poderá se definir ecossistemas menores. Básicamente, cada um coloca limites de acordo com o que queira estudar. Mas pode ser um tronco ou uma floresta inteira.

Qualquer coisa pode ser um ecossistema?

Não, claro que não. Tem que ter coisas bióticas (animais, plantas) e abióticas (nutrientes, minerais, etc). O que em geral caracteriza um ecossistema é que reciclem nutrientes, que tenha populações de animais e de vegetais que capturem energia e façam fluir no ecossistema. Tem que ter certa relação entre as populações e tem que formar uma comunidade.

Suponho que quando vocês falam de energia que entra e sai, de balanço de energia, a medem.

Sim, claro. A energia que capturam as plantas é o que move todo o funcionamento do sistema. Fazem fotossíntese.

É interessante: se vocês medem a energia que entra e sai, o balanço pode ser positivo ou negativo. Se é positivo, também se tem certa potência que sem mede em watt.

Claro. Há outra pessoa que trabalha aqui que se dedica ao estudo do que você acaba de dizer.

Se um ecossistema tem certa potência (a energia que sai por unidade de tempo), tem-se então ecossistemas, uns mais potentes do que outros, e alguns com potência negativa…

O que acontece é que os ecossistemas são como máquinas e é preciso calcular muito bem qual é a energia que entra. As leis de termodinâmica se mantêm no ecossistema do mesmo modo do que nas fábricas. Entra energia solar, se distribui através do sistema. Nós podemos mundar e encaminhar a energia até a produção de grãos, por exemplo. Antes, a energia derivava de outras coisas. O que nós fazemos como agronômos é canalizar essa energia do sol até um produto do qual possamos nos apropriar. Isso resulta que outras partes do ecossistema se deteriorem. O que nós fazemos, justamente, é que este desvio do fluxo de energia não produza um deterioramento do sistema. E isso não é fácil, porque a energia é finita.

É a energia solar.

Basicamente. Depois há insumos, por exemplo, de energia fóssil.

Pode existir agricultura moderna sem insumo?

Isso é o que nós procuramos fazer, inventar sistemas que minimizem os insumos, usando o máximo da energia solar.

E como isso se faz?

Não é nada fácil. Há muitas práticas de manejo agrícola. A agricultura tem dois caminhos de desenvolvimento muito diferentes.

A ver.

Um é dobrar até a hidroponia, onde os insumos são máximos: o solo não importa, “se diz dá de comer na boca” da planta e a quantidade de insumos é brutal.

E o outro caminho?

A outra maneira é procurar obter um ecossistema mais integral, no qual se trata de se colocar a menor quantidade possível de insumos, mas é preciso muita informação, conhecimento, para canalizar a energia que vem do sol e melhorar a saúde do ecossistema. A agricultura está entre esses caminhos: ou continuamos deteriorando o solo cada vez mais ou começamos a pensar em práticas de manejo que nos levem até outro lado.

A população continua aumentando. E é verdade que já não vale a equação maltusiana, mas de qualquer forma é preciso se perguntar se a agricultura pode aumentar sua produção ao ritmo que aumenta a população.

Essa é uma pergunta que ninguem, suponho, constesta. Por duas razões: primeiro, porque não sabemos até quanto irá aumentar a população. De fato, as estimativas mais razoáveis supõem que em pouco tempo a mesma irá estancar. O que a agricultura tem demonstrado nos últimos anos é que tem aumentado os custos por hectare a custo obviamente de enormes insumos. Não sei o que irá acontecer lá na frente, o que posso dizer é que se continuamos consumindo energia como loucos, a produção irá aumentar. A chave seria descobrir como continuar produzindo o que se vem produzindo sem a necessidade de se precisar de tanta energia na agricultura. Isso é o que precisamos fazer.

E conseguem?

Em alguns casos sim. A semeadura direta, por exemplo. É uma modalidade muito comum que reduz enormemente os insumos em gastos de petróleo e gera um montão de coisas que aumentam a produtividade.

É preciso se preocupar com a redução?

Claro. Tem todo sentido apagar as luzes da casa quando não se precisam delas. Por outro lado, é preciso melhorar a eficiência das cidades no transporte, no consumo. E nós, como engenheiros agrônomos, precisamos fazer isso com os sistemas produtivos.

Com o balanço energético e os problemas que existem, encaminhamo-nos para um desastre energético?

Eu acredito que não. Há evidências de várias civilizações que tiveram catástrofes pelo mau uso do território. Os maias, os nazca, os habitantes da ilha de Páscoa… mas eu acredito que nós temos suficiente informação e conhecimento para reverter os perigos que estamos enfrentando. O tema chave é como distribuir a matriz energética no mundo; quanto mais deixarmos de usar petróleo e começarmos a usar coisas renováveis, melhor.

Urânio, por exemplo.

O que acontece é que o urânio é parecido com o petróleo, porque se esgota e é finito. O que me parece que é chave é a fusão.

Sempre se está “próximo” da fusão, mas nunca se chega.

Isso é interessante, porque num mundo onde a energia fosse livre (que é que aconteceria com a fusão) mudaria muitíssimo nossos paradigmas de vida.

De qualquer forma, um mundo onde a energia fosse de graça contradiz todo o sentido da termodinâmica. Qual vair ser o custo da fusão? Isso ninguém pensa no momento.

Segundo o que dizem é bastante barato e inócuo.

Mas lembre que em 1954, acredito, Eisenhower disse que a energia atômica iria fazer com que a eletricidade se tornaria tão barata que nem valeria a pena cobrá-la. Era a grande panacéia que não aconteceu ao final. E, além disso, não temos ainda a fusão.

É verdade. Estamos num mundo limitado pela energia. O que eu me pergunto é o que aconteceria se houvesse alguma descoberta que permitisse mudar isso. Assim o mundo inteiro se tornaria outra coisa.

Você não acredita que estamos indo em direção a uma catástrofe e isso é alentador.

(Ecodebate, 23/08/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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