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O ogro do campo, artigo de Ruben Siqueira

A atual escalada de violência no campo, a par do avanço do Código Florestal dos ruralistas no Congresso, evidencia mais uma vez que o campo brasileiro “muda” para continuar o mesmo. Medidas tomadas nem de longe perturbam as altas transações com a terra e a agricultura. . A situação se agrava, atrelados ao governo os movimentos camponeses refluem e o próprio governo se atrela ao agronegócio.

Em abril a CPT – Comissão Pastoral da Terra lançou relatório sobre conflitos no campo em 2010. O número total permaneceu no mesmo patamar de 2009 – 1.186. As ocupações de terra caíram em 38%, os conflitos por terra (expulsões, pistolagem, despejos e ameaças) cresceram em 21%. No Nordeste estes passaram de 320 para 440, salto de 37,5%. Crescimento maior foi na Bahia: de 48 para 91, disparo de 89,6%. Assassinatos foram 34, dez a mais que em 2009.

Dos 638 conflitos de terra em 2010, mais da metade refere-se a posseiros (antigos donos de pequenas áreas sem títulos da propriedade) e a povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, extrativistas, fundos de pasto etc. Contra eles foram 57% das violências no ano. A maioria devido a grandes projetos, como barragens, ferrovias, rodovias, parques eólicos, e ao boom da mineração.

Reaparece a velha Bahia, que tem o maior número de agricultores familiares, cerca de 666 mil (15% do Brasil e 30% do Nordeste), e terras públicas, territórios tradicionais e pequenas posses em profusão. Nos anos 80, a Bahia rivalizava com o Pará e o Maranhão nos índices de violência no campo. Caiu aqui – ainda bem – a pistolagem que segue matando no Pará.

Entre abril e junho, diferentes movimentos sociais camponeses vieram à capital baiana por três vezes. Não foi para buscar o que governos presumivelmente “companheiros” lhes facilitariam. Menos ainda “comer carne” paga pelo erário, o que deu grande repercussão na mídia. Vieram porque é o que lhes resta para continuar a existir, produzir e nos alimentar. E buscar a real democracia na Bahia e no Brasil.

Algo mais “mudou” no campo. Acaba de ser lançada por empresários do agronegócio a campanha publicitária “Sou Agro”. O que querem? A quem de fato interessa o “sucesso” do agronegócio?

Segundo o Censo Agropecuário 2006, 84% dos 5,1 milhões dos estabelecimentos agropecuários do país são familiares (4,3 milhões) e ocupam apenas 24% da área total dos estabelecimentos. Em produtividade por hectare, sem tantos insumos tóxicos, conseguem o dobro dos não-familiares. Empregam quase nove vezes mais. Produzem 70% do que comemos, fora o autoconsumo. E geram 38% do Valor Bruto da Produção. Estimativas mostram que apenas 13,2% do valor aí gerado foram créditos. Já no agronegócio, estes somam 49%! Conclusão: os do “Sou Agro” querem é continuar a esconder esta escandalosa verdade, minimizar crimes, respaldar pioras na lei, mamar nas tetas do Estado-Nação e perpetuar o Brasil como “fazendona colonial”. Devia ser campanha “Sou Ogro”.

A solução para os conflitos no campo é tão velha quanto a questão: superar a desigualdade política e econômica no campo, multiplicar a agricultura que alimenta a nação, fortalece nossa economia, combate o caos urbano e protege o meio ambiente e a saúde, através da reforma agrária e do apoio maior à agricultura familiar e agroecológica. O ano 2010 foi o pior da (contra) reforma agrária de Lula. O primeiro de Dilma vai pela metade e no mesmo… As políticas de inclusão e o Plano Safra / Bahia recém lançado significam avanço, mas pífio diante do que recebe o agronegócio de exportação.

Como nos anos 70/80 sob ditadura, hoje sob democracia, vivemos um novo “desenvolvimentismo” que segue à custa de vitimar os mais pobres. A roda de nossa história nunca consegue ir completamente para a frente… Os conflitos mudam no campo, nos rastros do novo ciclo, desta vez capitaneado pela “esquerda”, para valer o mesmo arcaico Brasil de sempre, sob o verniz da modernidade globalizada dos agronegócios e suas campanhas enganosas.

Ruben Siqueira é sociólogo, da Comissão Pastoral da Terra / Bahia

Artigo enviado pelo Autor e publicado no EcoDebate, 18/08/2011

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