Genialidade e loucura, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] O mito da loucura criativa na “alma de artista” é irresistível e tão antigo, pelo menos, quanto Lord Byron, poeta do início do Romantismo no qual a morte precoce era um dever, ao final do século XVIII e início do século XIX. Todos nos rendemos a ele, vendo na rebeldia e na ruptura de todos os limites a inspiração para transcender realidades aborrecidas do dia-a-dia. A morte Amy e sua curta vida repleta de excessos é apenas a confirmação desse mito, que nada parece desmentir. Será a loucura indispensável para a criatividade?
Há pelo menos um gênio das artes, no entanto, que contraria essa biografia trágica: Charles Chaplin. Mesmo com seus excessos com as mulheres (marcantes no filme biográfico “Chaplin”, de 1992, interpretado por Robert Downey Jr.), teve uma longa e profícua vida cinematográfica, 75 anos de carreira, até sua morte aos 88 anos de idade. Há passagens curiosas de seu lado rebelde, como o desprezo pelos Oscars que provocou a ira da Academia quando ele deixou seu Oscar de 1929 ao lado da porta, para não deixá-la bater. Sim, um gênio irreverente, mas com certeza nada ‘maluco’ e que ao final se ‘acomodou’ mesmo na vida amorosa, vivendo seus últimos 34 anos na companhia da quarta e última esposa (37 anos mais nova que ele, é verdade, mas nisso ele não chegou a ser criativo).
A idade da morte não é o fator único ou principal da correlação entre genialidade e loucura – antes disso, estariam o próprio estilo de vida, dos excessos, da rebeldia. Desses, há pelo menos um quesito incontestável: não há como ser criativo sem rebeldia com o ‘status quo’ dominante. A conformidade com as regras burocráticas vigentes não é compatível, afinal, com a capacidade de criar, de inovar, de surpreender. Até a ciência mais convencional já correlacionou os fatos, localizando no hemisfério esquerdo nosso pensamento lógico, racional, em contraste com o hemisfério direito, de onde brotam os impulsos criativos e portanto contrários à lógica habitual. Temos assim um hemisfério “chato” e previsível, por mais inteligência de que seja capaz, e o outro hemisfério divertido e incontrolável na sua forma de produzir idéias.
Não é verdade que os artistas geniais tenham de morrer até os 27 anos, “tomar todas” ou serem auto-destrutivos, já vimos que Chaplin não era nada disso. Mas é verdade, sim, que pessoas criativas não estão sob controle das formas “padrões” de pensar e se comportar que pautam as condutas consideradas mais “normais” para a maioria. “Padrões” que, aliás, não tornam necessariamente as pessoas mais felizes, às vezes só nos fazem mais aborrecidos.
Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra
EcoDebate, 29/07/2011
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