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Preocupações com segurança obscurecem ‘renascimento’ da energia nuclear nos EUA

A Watts Bar 2, a mais nova usina nuclear dos EUA, está sendo construída no Tennessee e deve começar a funcionar no ano que vem. Ela tem um histórico de preocupações com a segurança que já vem de décadas atrás. Entretanto, muitos moradores locais apoiam a usina nuclear e estão recebendo o reator de braços abertos. Foto de Robin Nelson/Zuma Press/Der Spiegel.
A Watts Bar 2, a mais nova usina nuclear dos EUA, está sendo construída no Tennessee e deve começar a funcionar no ano que vem. Ela tem um histórico de preocupações com a segurança que já vem de décadas atrás. Entretanto, muitos moradores locais apoiam a usina nuclear e estão recebendo o reator de braços abertos. Foto de Robin Nelson/Zuma Press/Der Spiegel.

Mansour Guity foi a testemunha principal do caso contra a indústria nuclear norte-americana. Ele parou usinas nucleares inteiras quase sozinho. Mas agora a guerra de 30 anos que ele vem lutando está chegando ao fim. Reportagem de Ullrich Fichtner, em Der Spiegel.

Estão dando os retoques finais no segundo reator da Estação de Geração de Energia Nuclear Watts Bar no vale do rio Tennessee, a menos de 50 quilômetros da casa de Guity. Depois que a construção foi impedida há mais de duas décadas e retomada em 2007, o reator deve agora entrar em funcionamento no ano que vem. Mansour Guity não está muito feliz no momento.

Há alguns dias, um tornado massivo varreu o Tennessee e deixou um rastro de destruição até o Alabama. Centenas de tornados quebraram postes de telefonia como se fossem palitos de fósforo e obrigaram as autoridades a fechar temporariamente a usina nuclear de Browns Ferry, irmã gêmea da usina de Fukushima. Ela entrou em operação emergencial durante a noite tempestuosa e desligou-se automaticamente.

Guity conhece bem essas questões, e sabe o que se passa dentro das usinas nucleares quando isso acontece. Engenheiro nuclear nascido no Irã em 1942, Guity é um norte-americano desapontado hoje. “Bombas-relógio”, diz ele, num tom muito amargo. “Estamos sentados sobre um punhado de bombas-relógio ligadas”.

Perda de fé

A mesa de jantar em sua casa grande, de cor creme, próxima de Knoxville, à beiras das Montanhas Smoky, está coberta de pilhas grandes e pequenas de papel, artigos de jornal, antigas atas de reunião, e relatórios técnicos sobre cabos, rejuntes e concreto. São necessárias muitas peças de quebra-cabeça para montar um quadro coerente da vida de Guity, e para entender como um homem, com uma mistura de honra profissional e integridade, enfrentou a maior companhia de energia dos Estados Unidos e desistiu no processo.

Guity diz que ainda precisa tomar 26 comprimidos por dia para manter sua depressão e outras condições de saúde sob controle. Certamente seria muito simplista culpar a indústria nuclear por seus problemas de saúde. Guity é alguém para quem o sonho americano não deu certo. Ele diz que costumava ter muita fé no país, mas que agora não sabe mais em que acreditar.

Nos anos 60, 70 e 80, ele descobriu gradualmente que muitos atalhos haviam sido tomados, e partes boa parte do trabalho eram de tão má qualidade, durante a construção das usinas nucleares ao longo do rio Tennessee, que zombavam de qualquer noção de segurança nuclear.

Guity foi engenheiro nuclear da Tennessee Valley Authority (TVA), uma grande e antiga companhia estatal que opera as usinas nucleares de Browns Ferry, Sequoyah, Bellefonte e Watts Bar. Quando as usinas foram construídas, correu o boato de que havia violações claras aos planos e normas de construção, sendo que as infrações mais sérias estavam em Watts Bar.

Fora dos padrões

As duas unidades da usina foram construídas simultaneamente nos anos 70 e 80. Só a Unidade 1 foi colocada em operação, depois de um atraso dramático, enquanto a Unidade 2 continuou inacabada até que a construção fosse retomada há alguns anos. Se Guity tivesse conseguido o que queria, toda a usina, incluindo as duas unidades e tudo mais associado a ela, teria desaparecido do mapa o quanto antes.

Dentro da usina, fileiras de grossos cabos elétricos eram dobradas em ângulos tão abruptos que poderiam falhar a qualquer momento. Os rejuntes ao longo de segmentos longos não estavam dentro dos padrões. As paredes de concreto eram muito finas. Guity viu tudo isso com os próprios olhos, em sua função de gerente de qualidade do projeto do reator. O motivo pelo qual Guity ainda tem problemas para dormir à noite é sua crença de que todos esses velhos erros e violações nunca poderão ser totalmente corrigidos.

Um dos motivos pelo qual Guity está tão frustrado é que não há debate público nos Estados Unidos sobre a Watts Bar, ou sobre a energia nuclear em geral. É um tema que não se levanta no país, muito embora, de acordo com Guity, existam motivos suficientes para ele ser discutido. Os Estados Unidos têm 104 reatores nucleares em operação, mais do que qualquer outro país do mundo. Muitas usinas estão perigosamente datadas – algumas têm 40 anos ou mais. Cerca de 65 mil toneladas de lixo nuclear se acumularam ao longo das décadas. Por incrível que pareça, o país não tem um plano a longo prazo para o armazenamento e destinação do lixo nuclear gerado todos os dias.

Se a segunda unidade da Watts Bar, o mais recente reator norte-americano em construção, de fato começar a funcionar no ano que vem, quase 40 anos depois que a construção começou, partes da unidade ainda datarão da época em que tantos critérios foram violados. Na verdade, ninguém, nem mesmo a TVA, sabe exatamente a natureza e a extensão dessas violações.

Carreira estagnada

A sede da TVA fica no ponto mais alto de Knoxville, em dois edifícios pálidos de 12 andares que se parecem com caixas de sapato colocadas em pé. A cidade em volta tem um ar aconchegante e provinciano.

Quando Mansour Guity chegou a Knoxville como estudante, a cidade era bem mais pobre do que hoje. Seus pais haviam fugido do Irã no início dos anos 60, durante o regime do xá, trazendo seus quatro filhos e uma filha consigo.

Guity estudou engenharia elétrica em Knoxville, e quando se formou as companhias estavam ansiosas por contratá-lo, bem como outros engenheiros recém-formados. Guity começou a trabalhar para a TVA, em sua divisão de usinas nucleares. Era o ano de 1969, e a energia nuclear ainda estava em sua infância. Só alguns esquerdistas extravagantes e sonhadores temerosos tinham medo dela. Mas Guity reconhecia o seu potencial.

Uma década mais tarde, sua fé na tecnologia e no poder dos engenheiros foi destruída. A partir de 1979, quando o trabalho estava a pleno vapor na Watts Bar, ele não conseguiu mais ignorar os defeitos de construção e começou a registrar o que via. Sua carreira começou a estagnar naquela época.

Guity, a quem os colegas de trabalho se referiam como “o Ás” até então, foi rejeitado numa promoção. Ele não recebeu aumentos, e seus relatórios não eram respondidos, desaparecendo nas entranhas da companhia. Pediram que ele rescrevesse um relatório particularmente dramático sobre o cabeamento irregular na Watts Bar. Primeiro disseram para ele transformar o relatório de 200 páginas num de 20 páginas, e depois disseram que 20 páginas ainda era muito. Isso foi no início dos anos 80, e foi um processo agonizante para Guity, que continuou citando os problemas da fiação defeituosa.

Mas os cabos, diz Guity, são “o sistema nervoso de uma usina nuclear”. Há facilmente cerca de 3 mil quilômetros de fios passando por uma usina grande como a Watts Bar. No fim das contas, o funcionamento correto desses cabos determinará se a situação na usina nuclear pode sair do controle no caso de um problema. Os relatórios de Guity mostraram que centenas de cabos foram instalados incorretamente na Watts Bar. Eles demonstraram que a TVA não ligava muito para as normas.

Uma situação problemática de proporções históricas

Guity usou os canais oficiais inúmeras vezes para chamar a atenção para os problemas, mas quando todos os seus esforços não deram em nada, ele foi a público com suas descobertas. Ao fazer isso, ele desencadeou um dos maiores escândalos da história industrial norte-americana, um que praticamente continua até hoje.

Na época, em 1985, a TVA sentiu-se compelida a fechar todas as suas usinas nucleares durante anos. A Watts Bar 1, cujos construtores estavam convencidos que estava pronta para funcionar em 1985, continuou fechada e só pode ser reiniciada 12 anos mais tarde, 23 anos depois que sua permissão inicial de construção foi concedida. Uma comissão investigadora do Congresso dos EUA avaliou todo o processo.

Quando as audiências começaram em fevereiro de 1986, e Guity e um punhado de colegas que pensavam parecido foram para Washington para testemunhar na sala 2322 do Rayburn House Office Building, a TVA teve que fechar – ou melhor, foi obrigada a fechar – usinas nucleares no valor de US$ 15 bilhões. E isso foi, pelo menos em parte, culpa de Guity ou, dependendo do ponto de vista, sua conquista.

O presidente do comitê do Congresso falou em um gerenciamento grosseiro e numa “situação problemática” de proporções monumentais. O “desastre histórico” consistia no fato de que a TVA, por motivos de custo, havia supostamente planejado suas usinas nucleares de forma incorreta e as construído com defeitos. Mas na época argumentou-se que seria muito difícil determinar se essas usinas eram seguras ou não. A questão ainda não pode ser respondida hoje, 25 anos depois.

Um idílio americano

É importante lembrar onde essa história se desenrolou. Visto da perspectiva de suas estreitas estradas interioranas, o Tennessee é um livro ilustrado dos Estados Unidos rural.

Pequenos caminhões normais e caminhões de contêineres abrem caminho por uma paisagem vasta e agradável em meio a florestas. Casas de madeira recém-construídas são cercadas por gramados perfeitos e jardins bem cuidados onde a bandeira norte-americana é exibida com orgulho. Forasteiros podem imaginar todos os tipos de coisas quando visitam a região, mas é pouco provável que cheguem à ideia de que há usinas nucleares obsoletas escondidas atrás da floresta.

Os moradores locais estão mais ou menos no mesmo barco. Sua região é tão grande e vasta que mesmo as usinas nucleares parecem brinquedos no meio disso. Parece impossível imaginar que elas possam representar uma ameaça existencial.

Esta visão de mundo está representada totalmente no Museu Americano de Ciência e Energia em Oak Ridge. O museu, que não fica longe da Watts Bar, é uma estrutura de concreto desgastada pelo tempo que conta a história da superioridade técnica de tempos passados.

Fé nuclear

Oak Ridge abrigava o Projeto Manhattan, talvez o mais ousado projeto de pesquisa de todos os tempos, que reuniu físicos importantes e dezenas de milhares de técnicos para construir secretamente a bomba atômica durante a 2ª Guerra Mundial. Os grandes complexos que cercam o museu hoje são chamados de “Y-12”, “K-25” e “X-10”. O urânio era enriquecido nessas instalações, a bomba que foi lançada em Hiroshima foi concebida aqui, e os cientistas mais tarde também desenvolveram as bombas de hidrogênio em Oak Ridge.

Mísseis e bombas são exibidos nas câmaras do museu, onde modelos destinados às crianças explicam os maravilhosos benefícios da energia nuclear. Uma das mensagens do museu é: nós construímos a bomba, então porque deveríamos temer a energia nuclear civil? A segunda mensagem é: os EUA estão à frente da tecnologia e representam o progresso.

A usina nuclear de Watts Bar fica a uma hora de carro de Oak Ridge, cercada por uma paisagem ribeirinha serena, num lugar onde o peixe-gato é notoriamente maior do que o normal. James Fry, 55, que passou 13 anos dirigindo caminhões para Nova York e Montreal, agora administra um camping na área.

Ele vem para Watts Bar para pescar há sete anos. Durante esse tempo, diz ele, houve duas ocasiões em que ele viu um pedaço de papel no quadro de avisos do estacionamento em frente à usina nuclear. Era um aviso alertando as pessoas para não comerem peixes do rio, por causa do risco de radiação.

Fry não se preocupa se a usina pode representar um perigo para as pessoas. “A usina é uma boa vizinha”, diz ele. “Nós não tempos problemas.”

“Segura, limpa, confiável e barata”

Uma vez, no fim de abril, a Comissão de Regulação Nuclear (NRC, na sigla em inglês) realizou um evento de informação sobre o progresso da construção da Watts Bar num hotel em Athens, não longe do reator. Um cartaz no lobby, escrito com caneta hidrográfica, identificava o evento público. Mais parecia um cartaz anunciando um mercado de pulgas.

A coisa mais evidente em relação aos presentes no encontro foi que não havia oponentes à energia nuclear. Ninguém estava do lado de fora com panfletos ou cartazes de protesto, não havia megafones, e a presença da polícia não foi necessária. As três ou quatro dúzias de homens de ternos escuros ficaram juntos, homens da NRC e da TVA. Parecia o encontro de um clube cujos membros se conhecem há anos.

“A energia nuclear é uma forma segura, limpa, confiável e barata de produção de energia”, disse Ashok Bhatnagar, 55, vice-presidente sênior de operações nucleares, alguns dias depois. Ele tinha 11 anos quando seus pais deixaram sua Índia nativa. Bhatnagar foi para a faculdade nos Estados Unidos e trabalhou na Duke Energy na Carolina do Norte por muitos anos. Ele ficou intrigado com a TVA, diz ele, porque, como uma companhia estatal, ela não precisava ter lucro mas só fazer um trabalho que fizesse sentido para o bem público.

Durante nossa conversa no centro de visitantes da usina, Bhatnagar, que usava uma camisa polo azul-escura com o logo da TVA, perguntou educadamente sobre a situação do debate nuclear na Alemanha. Ele também fez algumas observações interessantes sobre Fukushima.

“O tsunami”, diz Bhatnagar, “ou seja, a onda em si, matou 15 mil pessoas. Mas a radiação de Fukushima não matou ninguém ainda, até onde sabemos. A verdade é que os sistemas essencialmente fizeram exatamente o que deveriam fazer. Acho que precisamos nos perguntar quanto risco estamos dispostos a assumir. Se quisermos risco zero, teremos que transferir metade das cidades costeiras da Ásia por causa dos tsunamis.”

Defendendo a energia atômica na noite das mulheres

Bhatnagar não faz menção a cabos, rejuntes ou concreto. Um assessor de imprensa da TVA depois enviou à Spiegel algumas informações sobre o assunto em resposta a um pedido. E o assessor confirma, de certa forma, as preocupações de Guity – de que ainda existe material muito velho instalado e em uso em ambas as unidades da Watts Bar.

Os cabos instalados antes de 1986, escreveu o assessor, foram substituídos “ou testados para cumprir com padrões e normas”. No que diz respeito ao concreto, o assessor acrescentou, as estruturas da Watts Bar 2 “estavam na maioria concluídas” quando o trabalho atual começou em 2007. Mas isso significa que a Watts Bar 2 é essencialmente o mesmo reator que Guity acredita deveria ser derrubado, se as questões de segurança fossem levadas a sério.

O Tennessee fica numa parte do país onde os tornados são comuns e os principais rios têm uma tendência a cheias. Não há nenhuma indicação desses perigos às sextas-feiras, que são as noites “das mulheres” no The Joker, um bar a cinco minutos da usina de Watts Bar. O bar ocupa um longo prédio perto de um estacionamento no meio dos bosques. Dentro dele, homens sentam-se com os cotovelos sobre o balcão, bebendo canecas de cerveja. Muitos são funcionários e ex-funcionários da TVA, e alguns usam a camisa polo com o logo da empresa.

Um deles, um homem alto e com barba, tem algumas coisas a dizer sobre a usina nuclear. Ela é finalmente uma escolha entre a eletricidade e a luz de vela, diz ele. Qualquer um que seja seriamente contra a energia nuclear deveria se acostumar com a ideia de viver nas cavernas novamente, diz ele, acrescentando que os alemães descobrirão isso cedo ou tarde.

Às 21h, a Noite das Mulheres começa e um grupo de mulheres acima do peso liga o aparelho de karaokê e começa a cantar baladas melosas.

“Bagunçado”

Qualquer um que pense diferente no Tennessee, talvez alguém com inclinações ambientalistas, precisa arrumar argumentos melhores do que o famoso slogan do movimento anti-nuclear: “Energia nuclear? Não, obrigado!”. Os norte-americanos no geral não têm medo da tecnologia nuclear, e ainda acreditam firmemente que a energia nuclear é uma parte razoável da sociedade moderna que tolera uma certa quantidade de risco.

“Tudo está completamente bagunçado”, diz Stephen Smith, um homem enérgico, de boa aparência, e com ar de garoto aos 49 anos. “Mas é assim que as coisas são nos EUA. Nós enchemos o Golfo do México de petróleo, e depois nem achamos que há um motivo para debate”. Smith tem três filhos, dois netos, um cachorro e uma casa nos arredores de Knoxville que produz tanta energia quanto consome durante o ano.

A luz da cozinha de Smith vem de aberturas espelhadas no teto, e a água é aquecida com a eletricidade gerada por 36 painéis solares Sharp no telhado.

Há apenas dois anos, um senador do Tennessee revelou um plano para construir 100 novas usinas nucleares. Poucas semanas depois do desastre de Fukushima, o presidente Barack Obama anunciou que o governo permitiria a construção de novos reatores. “Parece uma piada, não é?”, diz Smith. “Mas não é. É nossa loucura diária nesse país.”

A ruína industrial mais cara da história dos EUA

Nos anos 80, depois de Chernobyl, Smith e alguns outros ativistas anti-nucleares periodicamente agitavam as coisas no museu de Oak Ridge, andando por lá com contadores Geiger e levando consigo sobreviventes de Hiroshima, e eram chamados de traidores por seus compatriotas.

Smith não é nenhum traidor – bem o contrário. Ele tem uma clínica veterinária em Knoxville há 10 anos, mas seu ativismo ambientalista continuou a se expandir até que ele decidiu fazer disso uma atividade de tempo integral em 1999. Hoje ele é diretor executivo da Aliança do Sul pela Energia Limpa, uma espécie de centro de estudos com 35 funcionários e um orçamento anual de US$ 4 milhões. “Agora o mundo é meu paciente”, diz ele, “e ele não está nada bem.”

Smith não é mais o tipo de ativista que luta por um planeta melhor com apitos e cartazes. Ele se transformou num lobista sério, um que também é convidado para as reuniões da diretoria da TVA. Ele conhece Ashok Bhatnagar, sabe quais são seus argumentos e nem os utiliza contra ele. “Quando ouço Bhatnagar falando sobre a Watts Bar hoje, sempre penso: é exatamente isso que os engenheiros nucleares no Japão estavam dizendo – duas semanas antes do tsunami.”

A Watts Bar, diz Smith, é a ruína industrial mais cara da história dos EUA. Para piorar as coisas, ela também é um escândalo de implicações políticas globais. Isso porque além da eletricidade, a Watts Bar também produz trício, que é usado para fabricar ogivas nucleares. “É hipocrisia pura”, diz Smith. “O que estamos fazendo aqui é exatamente o que queremos proibir que todos os outros países façam. Estamos misturando o uso civil com o militar. Nós, e não os outros, estamos violando os tratados internacionais.”

“Nunca acaba”

Muitos aspectos da história do Tennessee são difíceis de acreditar. Nos anos 80, quando Guity estava discutindo se ia a público com seus resultados assustadores, uma agência externa entrevistou 5.200 funcionários da TVA que haviam trabalhado ou ainda trabalhavam no projeto de construção da Watts Bar. Os funcionários relataram 5.081 problemas, incluindo 1.868 com implicações de segurança, dos quais 79% mais tarde foram comprovados. Por exemplo, cerca de 18 toneladas de material impróprio foram usadas na usina para preencher rejuntes. Na Alemanha, essa infração provavelmente teria levado à demolição de toda a usina.

Nos Estados Unidos, por outro lado, a construção chegou ao fim na Watts Bar nas semanas seguintes. A Unidade 1 foi o último reator nuclear licenciado no século 20, e a Unidade 2 será o primeiro no século 21. Mansour Guity acompanha todas as notícias sobre o progresso da usina. Ele tem dificuldades para abandonar a causa, principalmente porque sempre há alguma coisa nova acontecendo na Watts Bar.

Em março, um funcionário de uma empresa terceirizada foi indiciado por acusações de ter inventado resultados de testes sobre os problemas dos cabos. Em janeiro, o gerente líder do projeto, um iraniano, desapareceu da noite para o dia, supostamente por causa de “problemas pessoais”.

Alguns dias antes, O NRC havia enviado uma carta dura para a TVA, citando problemas com sistemas de prevenção de incêndio e a má qualidade geral dos relatórios da TVA. “Isso simplesmente continua acontecendo”, diz Guity. “Nunca acaba. Nunca.”

Guity, que está mal de saúde, diz que quando a Watts Bar 2 for concluída, ele sentirá que eles construíram um memorial à derrota de sua vida.

Traduzido do alemão por Christopher Sultan.
Tradução: Eloise De Vylder

Reportagem [Safety Concerns Cloud US Nuclear Renaissance] de Der Spiegel, em UOL Notícias.

EcoDebate, 26/07/2011

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