Movimento antiglobalização: O mundo não mudou, mudaram os protestos
Há dez anos o movimento antiglobalização confrontou o G8 e teve um final trágico em Gênova. Das grandes marchas se passou à mobilização local. Seu espírito está nos “indignados” de Madri?
A reportagem é de Mariangela Paone e publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 25-07-2011.
Uma cidade sitiada, dividida em zonas de segurança, com uma área inexpugnável protegida por 20 mil policiais e soldados. Assim amanheceu Gênova em 20 de julho de 2001, e horas depois, enquanto se realizava a cúpula do G8, se consumou uma batalha urbana sem precedentes. A maior manifestação do movimento antiglobalização, que reuniu mais de 150 mil pessoas, acabou com centenas de feridos nos distúrbios e nos ataques policiais e com uma vítima fatal: o jovem italiano Carlo Giuliani.
A violência daqueles dias marcou um antes e um depois naquela etapa de mobilizações maciças contra os grandes símbolos do sistema econômico internacional que começaram em Seattle em 1999. Uma década depois, o que resta do movimento que marcou uma geração e que parecia ter desaparecido depois de Gênova? Que relação há com a nova onda de protesto que atravessa a Europa?
“Eles [os representantes do G8] modificaram sua encenação simbólica e prática nesse tipo de evento nas grandes capitais, nos centros onde se representava o poder. Em Gênova, com a cidade velha sitiada, parecia um conflito medieval. O movimento, por sua vez, se reconfigurou, depois da repressão aterrissou e rediscutiu muitas coisas. Defendeu baixar para o nível local, sempre mirando o global”, conta o ativista espanhol Chabier Nogueras.
Suas palavras são quase as mesmas que Susan George utiliza. Como vice-presidente da plataforma altermundista Attac e presidente do comitê de planejamento do Instituto Transnacional de Amsterdã, foi uma das referências do movimento e também esteve em Gênova naqueles dias: “As coisas mudaram. Não houve mais manifestações imensas como aquela. Depois da morte de Carlo Giuliani, as pessoas começaram a pensar que era impossível se expor a essa violência. Começamos a trabalhar em grupos menores sobre assuntos específicos. Mas depois de Gênova o movimento não ficou mais frágil, só atuou de forma diferente. Menos mobilizações maciças, mas mais trabalho em profundidade sobre o comércio, o feminismo, a taxação de transações financeiras, a Europa e o neoliberalismo”.
Nogueras experimentou na primeira pessoa a violência que se viveu em Gênova há dez anos. Havia chegado de Zaragoza à cidade italiana com um grupo do Movimento de Resistência Global, e na noite de 21 para 22 de julho se encontrava na escola Diaz, um instituto onde muitos manifestantes se alojavam depois das marchas dos dias anteriores. Durante a noite a polícia irrompeu, atacou as pessoas que dormiam na escola e deteve dezenas delas. A decisão judicial do Tribunal de Apelação de Gênova que condenou os agentes que realizaram a operação inclui as consequências físicas que Nogueras sofreu: traumatismo craniano, contusões em várias partes do corpo, lesão do perônio, lesões graves com 40 dias de baixa. “O Ministério Público disse que o que ocorreu ali foi uma luta global”, lembra.
Segundo Enara Echart, pesquisadora do Instituto Universitário para o Desenvolvimento e a Cooperação, da Universidade Complutense de Madri, e autora de vários livros sobre os movimentos sociais e o movimento antiglobalização, é verdade que Gênova acabou com um ciclo. “Houve um recuo para uma estratégia que dava maior importância à proposta que ao protesto. Não é que este desapareça, mas recua para o âmbito local. O movimento antiglobalização em longo prazo precisava encontrar núcleos de mobilização mais próprios de cada lugar.”
A falta de propostas concretas era uma das críticas mais frequentes que o movimento recebeu, a mesma que em certa medida se fez agora aos indignados. Echart acredita que na época, assim como agora, a crítica se baseia em um erro: “quando ocorrem mobilizações tão importantes, tenta-se pedir demais, enquanto os processos políticos são muito mais lentos. Os movimentos sociais, no momento em que se manifestam, já estão fazendo política… O bonito, o politicamente mais interessante do 15-M, é seu caráter transversal. Não se pode exigir deles um programa político, temos que deixar o processo agir”.
A comparação entre o movimento antiglobalização, em todas as suas expressões, e as manifestações que nos últimos meses chamaram a atenção da mídia deixa como resultado muitos paralelos, mas também diferenças. Uma é precisamente a transversalidade. “Sociologicamente, o movimento dos indignados é mais transversal, e por isso os governos atuaram com mais prudência. Muita gente se reúne voluntariamente. Mas retomam muitas das questões que colocávamos, e sim há conexões internacionais, mas é verdade que não parte, como então, de um trabalho internacional”, comenta Nogueras. Ele pensa que se o 15-M é mais transversal também é porque, diante da crise econômica mundial, “os mesmos especialistas reconhecem que o modelo fracassou” e é “muito mais simples que qualquer um compreenda o que se diz”.
A verdade é que os indignados têm um apoio popular que o movimento antiglobalização não alcançou. Em seu último número, a revista “The Economist”, em um artigo sobre o movimento espanhol dos indignados, cita o estudo apresentado em junho pela Havas Media, que calcula o apoio popular em 80% dos cidadãos e define os indignados da Espanha como “os manifestantes mais conscientizados da Europa”: não atiram pedras, mas conseguem que suas demandas calem na sociedade, afirma o semanário, citando as declarações do candidato socialista Alfredo Pérez Rubalcaba a favor de uma reforma eleitoral e o debate sobre as hipotecas.
“Não houve lançamento de pedras nem de gás lacrimogêneo”, escreveu “The Economist” sobre a última manifestação de 19 de julho. Isso ocorreu em Seattle, em Gênova, em Gotemburgo, e as imagens de ações violentas de uma minoria conquistaram toda a atenção. Ações que até o momento foram alheias ao movimento dos indignados.
“Mas o que acontecerá se as demandas dos novos protestos não forem atendidas?”, pergunta-se Aitor, um dos espanhóis que sofreu o ataque à escola Diaz em 2001 e que agora participa dos protestos contra os despejos. “É verdade que se faz questão de manter o protesto em algumas estratégias concretas, na ação direta não violenta. Mas se gerarem situações de tensão é mais difícil saber o que pode acontecer”, diz.
Vittorio Agnoletto foi o porta-voz do Fórum Social durante as jornadas de Gênova em 2001. Sobre o que aconteceu naqueles dias, não acredita que por parte do movimento haja algo a censurar — “fizemos tudo de forma transparente e fomos vítimas de uma repressão decidida internacionalmente”, afirma –, mas diz que, se houve equívocos no movimento, foi “o erro político, estratégico, de não ter conseguido traduzir as grandes campanhas em questões da vida cotidiana que afetam as pessoas. Mas em Gênova foi semeado um germe cujo resultado colhemos na Itália há algumas semanas, com o referendo que rejeitou a privatização da água e da energia nuclear”. “Tínhamos razão quando falamos que o modelo de desenvolvimento ameaçava a biosfera, quando dizíamos que íamos enfrentar uma crise econômica gravíssima, com graves consequências sociais. Agora a situação é muito pior que dez anos atrás. Nestes dias organizamos uma exposição em Gênova sob o título de Cassandra, o movimento previu através da análise o que aconteceria, mas não conseguiu mudar o curso da história”, diz Agnoletto, que hoje estará na cidade italiana para as comemorações do décimo aniversário daquela mobilização.
Nogueras também estará em Gênova, junto com sua companheira, que dentro de alguns meses o tornará pai. Para falar do que aconteceu, para que não se perca a memória do que a Anistia Internacional definiu em 2001 como “a mais grave suspensão dos direitos democráticos em um país ocidental depois da Segunda Guerra Mundial”. Foi antes do 11 de Setembro. O que veio depois chegou a superar os trágicos dias de Gênova.
Em 2009, no prólogo da nova edição do livro de culto do movimento, “No Logo”, sua autora, Naomi Klein, refletia dez anos depois da publicação de seu texto sobre o destino do movimento. “Em algumas partes do mundo, em particular na América Latina, a onda de resistência se desenvolveu e reforçou. Em alguns países os movimentos sociais cresceram o suficiente para se unir aos partidos políticos, ganhando eleições nacionais e estabelecendo um novo regime regional de comércio justo. Mas em outros lugares o movimento desapareceu com o 11 de Setembro. Como se o que sabíamos sobre a complexidade do corporativismo global – que todas as injustiças do mundo não podem ser atribuídas só a um partido de direita, a um Estado, independentemente de seu poder – tivesse desaparecido.” “Mas se há um momento para lembrar o que aprendemos no início do milênio é agora”, acrescenta.
Fatos do altermundismo
– O começo em Seattle. Em 30 de novembro de 1999, um grupo de manifestantes bloqueou a entrada dos delegados da cúpula da Organização Mundial do Comércio na cidade americana. O protesto continuou durante os quatro dias da cúpula.
– Dos EUA para a Europa. Em abril de 2000 em Washington, cerca de 3 mil pessoas tentaram abortar uma cúpula do Banco Mundial e do FMI. Em setembro, 10 mil manifestantes se mobilizaram em Praga contra as mesmas instituições. No dia 23 se organizou um encontro entre representantes do movimento e do Banco Mundial, graças à mediação do presidente checo Vaclav Havel.
– A época dos fóruns sociais. Em janeiro de 2001 em Porto Alegre foi organizada a primeira contracúpula, enquanto em Davos se reunia o Fórum Econômico Mundial. As primeiras três edições foram na cidade brasileira. Depois vieram Mumbai, Caracas, Nairóbi, Belém e Dacar.
– A batalha de Gênova. Em julho de 2001, por motivo do G8, a cidade italiana recebeu mais de 150 mil pessoas. O que seria uma marcha pacífica terminou com a morte do jovem de 23 anos Carlo Giuliani e centenas de feridos. A cidade foi um campo de batalha.
(Ecodebate, 26/07/2011) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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