Futebol, paixões e irracionalidades, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] De um evento em que “imergi” por três dias no convívio paulistano, voltei impressionado com a loucura canalizada para o futebol naquelas plagas. O fanatismo corintiano e anti-corintiano (por exemplo a hostilidade entre os da “Fiel” e os da “Mancha Verde”) ultrapassa todos os limites da razão. Por aqui ainda vejo prevalecerem “flautas” sadias, repletas de bom humor, sátiras inteligentes; lá, os amigos que nos receberam alertaram que não podíamos “folgar” nos corintianos na rua porque era “arriscado”.
Um modo de interpretar esse fenômeno é pelo viés do atraso cultural, mas como explicaríamos os “hooligans” na Inglaterra ou Holanda ? Outra leitura seria a da despolitização das “massas” urbanas, manipuladas pela velha fórmula do “pão e circo”, aliás, desde o Império Romano. É verdade que há países em que o fanatismo, ao invés de se manifestar no futebol, se expressa na política ou na religião. Trata-se então de diferentes “focos” para os quais canalizamos aspectos irracionais subjacentes á nossa condição humana, que para emergir dependem da capacidade (ou não) de reconhecermos e lidarmos com limites e diferenças humanas. Questões de “identidade” e “alteridade”, isto é, da dignidade que reconhecemos em nossas escolhas e nas dos outros.
Os casos recentes de Renato e de Falcão também mobilizaram paixões ardorosas, no sul, com trocas públicas de violências verbais (felizmente sem ameaças de violência física, como as dos paulistanos). Em todo o mundo o futebol é usado ainda como um trampolim para o poder (não foi por acaso que Berlusconi quis presidir do Milan), mas políticos também podem cair em desgraça, caso fracassem nos clubes.
A interdependência que hoje se evidencia, na convivência entre grupos sociais repletos de diferenças, tem gerado atitudes de personalidades públicas contra a intolerância cultural, política e religiosa. Mais líderes vem exercitando, agora, discursos de respeito às diferenças, para maiorias e minorias de cada segmento da sociedade. Paradoxalmente, enquanto nos assuntos mais “sérios” surgem opiniões mais inteligentes, no futebol – que deveria ser antes de tudo uma bela forma de lazer e congraçamento – o nível vem “descambando” para a passionalidade.
Sim, o futebol é apaixonante, mas que o seja por suas virtudes, como os demais esportes que tem uma “vocação democrática” inerente, basta lembrarmos da história de Daiane dos Santos, descoberta ao acaso numa pracinha e alçada à condição de campeã mundial. Ao tornar visível o talento de pessoas humildes, dão um belo exemplo de um “campo” realmente democrático em nosso meio. O que sempre aconteceu e continuará acontecendo, mas mesclado agora com situações que tem fugido ao controle da razão, para o que é recomendável nos tornarmos mais alertas de agora em diante. Flauta sim, fanatismo não !
Montserrat Martins colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
EcoDebate, 22/07/2011
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