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Preservação das florestas depende de política agrícola adequada, entrevista com o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues

Desmatamento, violência e subdesenvolvimento são características que persistem na Amazônia há mais de três décadas, constata o engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo

Na avaliação do biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, os problemas ambientais brasileiros e a falta de cuidado com as florestas são consequência da ausência de uma política agrícola. “Em vez de aumentar as áreas agrícolas, temos de utilizar melhor o solo disponível para a agricultura”, sugere

Ásia, África e América são os continentes que abrigam as maiores florestas tropicais do mundo. Entretanto, é no Brasil que o desmatamento florestal é mais acentuado. Segundo o pesquisador, a situação ambiental das florestas é reflexo da condição econômica de cada país e a atual conjuntura brasileira explica a pressão de transformar áreas florestais em agrícolas.

Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, Rodrigues defende a manutenção de áreas florestais em propriedades rurais. Segundo ele, a preservação das florestas na agricultura é um importante serviço ambiental. “A maioria das culturas depende de polinizadores para aumentar a produtividade e, logicamente, os polinizadores vão estar nos ambientais naturais. Os agricultores ainda não têm essa ideia, porque não veem uma abelha ou um inseto fazendo a polinização da soja e do café. Eles não conseguem ver a importância deste polinizador na sua produtividade final”, constata.

Para o pesquisador, as florestas brasileiras deveriam ser protegidas com instrumentos de reserva legal. Contudo, se aprovado o Código Florestal, elas “serão transformadas em ambientes de baixa produtividade, serão desmatadas, e pouco utilizadas em termos de produção de alimentos”.

Ricardo Ribeiro Rodrigues é graduado em Ciências Biológicas e doutor em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente é docente na Universidade de São Paulo – USP e coordena o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da instituição.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – As florestas tropicais existem em três regiões do planeta: América, África e Ásia. Em que continente estão mais preservadas e ameaçadas?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – Elas estão sobre pressão em todos estes ambientes. Certamente na Ásia sofrem uma pressão maior, mas o Brasil tem batido recorde de desmatamento nos últimos anos. O dilema das florestas é reflexo da conjuntura econômica de cada país. O Brasil está em um momento econômico interessante. Portanto, há pressão para ampliar as áreas agrícolas.

IHU On-Line – Como é feito, no Brasil, a reestruturação ecológica de áreas florestais degradadas? O país tem uma preocupação em restaurar essas terras? Existe alguma política pública nesse sentido?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – Hoje, o país investe bastante em iniciativas de restauração ecológica e dispõe de tecnologia avançada para realizar esse processo. A tecnologia brasileira está sendo referência para o mundo na questão da restauração, embora, no país, o reparo das terras florestais esteja associado à punição da aplicação da legislação ambiental, ou à certificação ambiental do produto agrícola. Então, não existe uma preocupação ambiental por si só e, sim, uma imposição penal ou de mercado. De qualquer modo, é pela imposição que, às vezes, se constrói uma cultura de preservação.

IHU On-Line – Que regiões do país mais se preocupam com a restauração ecológica?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – Hoje, tenta-se restaurar a Mata Atlântica e os estados do Sudeste são os que mais têm investido em restauração, pois são os mais degradados e os que têm mais áreas para restaurar. Esta preocupação está sendo passada para os demais estados: Mato Grosso e Pará já estão discutindo a possibilidade de restaurar áreas degradas.

IHU On-Line – O atual texto do Código Florestal traz risco para a manutenção das florestas brasileiras?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – Com certeza. Se o texto for mantido da forma que está, o impacto florestal será enorme, porque ele reduz as Áreas de Preservação Permanente – APPs e as exigências das reservas legais. O Brasil tem muitas florestas remanescentes em áreas de baixa aptidão agrícola, ou seja, são florestas que não deveriam ser substituídas por atividades de produção, porque o ambiente é de baixa produtividade em função da fertilidade do solo e do afloramento de rochas. As florestas poderiam ser protegidas com o instrumento da reserva legal. Mas com a mudança do Código Florestal, serão transformadas em ambientes de baixa produtividade, serão desmatadas, e pouco utilizadas em termos de produção de alimentos. O Código Florestal está na contramão da perspectiva brasileira de produzir alimentos com sustentabilidade ambiental.

IHU On-Line – Como o senhor define a posição do Brasil em relação à forma como lida com suas florestas? Por que há conflito entre produção agrícola e sustentabilidade florestal?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – O Brasil tem uma legislação interessante que precisava ser cumprida. O conflito entre agricultura e meio ambiente ocorre porque temos florestas e muita aptidão agrícola.
Os problemas ambientais ocorrem pela ausência de uma política agrícola. Em vez de aumentar as áreas agrícolas, temos de utilizar melhor o solo disponível para a agricultura. Dois terços das terras agrícolas são utilizadas para atividade de baixa produtividade. Um proprietário que tem 30 hectares de terra, o que equivale a 42 campos de futebol, ganharia, no sistema de ocupação com pecuária, o rendimento médio de seis mil reais por ano. Quer dizer, o investimento renderia um salário mínimo por mês, o que é muito pouco.
Nós precisamos efetivamente ocupar as áreas de pastagens e transformá-las em áreas de produção de alimentos. Somente a partir desta adequação conseguimos disponibilizar em torno de 70/80 milhões de hectares para agricultura. Com essa extensão de terra, o Brasil pode produzir alimentos até 2050.

IHU On-Line – Diversas empresas de celulose mantêm projetos florestais. Pode-se chamar essas plantações de florestas? Como o senhor vê esse debate entre as florestas plantadas com espécies nativas e exóticas?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – A produção de eucaliptos e pinos é uma atividade agrícola como a produção de café, arroz e pastagem. É uma atividade válida como atividade de produção, e não como atividade ambiental. Logicamente, os pinos e o eucalipto, principalmente, têm um impacto ambiental menor do que a cultura de soja e cana-de-açúcar, pelo uso de pesticidas, pela questão da mecanização.
Quanto mais madeira disponível for plantada, menor será a pressão sobre as formações naturais. Se nós tivéssemos carvão produzido a partir do eucalipto, teríamos uma pressão menor sobre as formações florestais naturais, que são desmatadas para serem transformadas em carvão para a produção de energia.

IHU On-Line – Quais as principais metas e desafios da comunidade internacional em relação às florestas?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – A comunidade internacional está preocupada com a questão da biodiversidade, com as mudanças climáticas, com o dióxido de carbono. Então, hoje, todas estas questões transversais não estão restritas a um único país. Logicamente, as florestas têm uma contribuição muito grande não somente na questão da biodiversidade, mas na questão econômica – ainda não conhecemos todo o potencial econômico e medicinal das florestas. Além disso, elas desempenham um papel importante na redução dos impactos das mudanças climáticas.

IHU On-Line – Em que consiste uma conservação ambiental adequada das florestas?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – Hoje, temos clareza de que é possível produzir com sustentabilidade ambiental. Isso significa destinar, na propriedade rural, áreas de conservação e utilizar tecnologias que permitam produção com baixo impacto ambiental. A presença de uma formação natural dentro de uma propriedade rural é importantíssima como serviço ambiental, inclusive para a própria área agrícola, e atua como polinizador. Por exemplo, a maioria das culturas depende de polinizadores para aumentar a produtividade e, logicamente, os polinizadores vão estar nos ambientais naturais. Os agricultores ainda não têm essa ideia, porque não veem uma abelha, um inseto fazendo a polinização da soja e do café. Eles não conseguem ver a importância deste polinizador na sua produtividade final.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Ricardo Ribeiro Rodrigues – O Brasil está avançando muito na possibilidade de produzir alimentos com sustentabilidade ambiental, e esse é um diferencial. Entretanto, a substituição do Código Florestal vai atrapalhar o avanço ambiental que estava sendo feito, já que desvincula a questão ambiental da agricultura.

(Ecodebate, 20/06/2011) Entrevista realizada por Patricia Fachin e Rafaela Kley e publicada pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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