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Notícia

Amazônia: Vida e bioma ameaçados

Impacto social

Entre as consequências da expansão do capitalismo na região amazônica, além da violência, encontram-se os impactos sociais e ambientais. Na questão social tome-se como exemplo o que vem acontecendo no entorno da usina hidrelétrica de Jirau e as consequências da construção de Belo Monte.

A região das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, registra uma explosão de criminalidade e de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. O aumento dos problemas supera o ritmo do crescimento populacional. As usinas começaram a ser construídas no segundo semestre de 2008. A população de Porto Velho, onde estão as duas obras, cresceu 12,5% entre aquele ano e 2010. O número de homicídios dolosos na capital aumentou 44% no mesmo período.

Segundo Raiclin Silva, do Juizado da Infância, as áreas próximas aos canteiros tinham participação mínima nos resgates de menores e agora são metade do total. O número de estupros em Rondônia cresceu 76,5% de 2008 a 2010. A quantidade de crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual subiu 18% no período. Mais de 37 mil funcionários, na maioria homens vindos de outros Estados, trabalham nas duas obras. “É como se houvesse um garimpo”, diz Silva.

“Jirau é um sinal de alerta ao governo e seus empresários”, diz nota da Aliança dos Rios da Amazônia, composta pelos Movimento Xingu Vivo para Sempre, Aliança Tapajós Vivo, Movimento Rio Madeira Vivo e Movimento Teles Pires Vivo. Segundo os movimentos, “Jirau concentra todos os problemas possíveis: em ritmo descontrolado, trouxe à região o ‘desenvolvimento’ da prostituição, do uso de drogas entre jovens pescadores e ribeirinhos, da especulação imobiliária, da elevação dos preços dos alimentos, das doenças sem atendimento, e de violências de todos os tipos”.

“Vi naqueles bares à beira do asfalto, entre uma quantidade inumerável de homens, mulheres jovens se oferecendo à prostituição, muita bebida, muita música e imaginei a quantidade de coisas indizíveis que acontecem ali e reconheço que também são parte do que está sendo produzido pelas usinas” – é o depoimento do Pastor Aluizio Vidal, presidente Regional do PSOL – RO, sobre o caos que vive Jaci-Paraná, cidade vizinha à obra.

Com a construção de Belo Monte, o quadro social não será muito diferente. Tome-se como referência a cidade de Altamira que deverá se transformar em um grande canteiro de obras.

No município, ao todo, a remoção deverá atingir pelo menos 19,2 mil habitantes, dos quais 16,4 mil estão no centro. Mais 2,8 mil estão espalhados pelo interior do município. Boa parte de Altamira, que ostenta a faixa de ser o maior município do mundo, vai ficar debaixo d’água. As áreas inundadas de Altamira e região serão usadas para abrigar tudo o que está relacionado à construção da usina, das ações de engenharia e infraestrutura da construção aos reservatórios da barragem da usina. A água também vai engolir regiões onde hoje funcionam 350 comércios e outras 85 pequenas indústrias – a maior parte delas ligadas à fabricação de tijolos.

Hoje Altamira tem 105 mil habitantes e de maneira geral, o cenário é desolador. Não há rede de esgoto e 18% das casas não têm instalações sanitárias. A coleta de lixo chega a atender pouco mais da metade das casas do município. Para ter acesso à água, mais de 70% dos habitantes recorrem a poços artesianos, os quais têm grande risco de contaminação, uma vez que o esgoto não é tratado e segue direto para o solo, em fossas improvisadas. Ironicamente, a cidade que será a sede da maior usina 100% nacional do país também sofre com abastecimento de energia. Apesar da Companhia Elétrica do Pará (Celpe) alimentar a região com energia desde há algumas décadas, os apagões são frequentes.

No quesito desmatamento, a região já está escolada, vítima de intensa ação de grilagem de terras e devastação ilegal. Os dados mais recentes do governo apontam que pelo menos 30% do território dos principais municípios que serão afetados diretamente pela usina – Altamira, Anapu, Brasil Novo, Vitória do Xingu e Senador José Porfírio – já foram totalmente devastados. Com a proximidade da obra, pelas ruas de Altamira, é possível ver pichações em muros, com o protesto de que a cidade será vítima de um “belo monte de mentiras”.

Impacto ambiental

As hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo não são apenas um desastre social. Anunciam também um desastre ambiental. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantesca.

Assim como o país tolerou em décadas passadas agressões ao meio ambiente – Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica –, tudo leva a crer que caminhamos para outros erros. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão a decisão da construção de Jirau, Santo Antônio, Belo Monte.

Com a construção a construção de Jirau e Santo Antonio, segundo o movimento Rio Madeira Vivo, “o rio Madeira e suas margens deixarão de atender ribeirinhos, indígenas e a população de Porto Velho com água, peixes, sedimentos e vida para se tornar um rio-mercadoria. Um rio morto, estéril, com águas podres, contaminado por mercúrio, multiplicador da malária. Um rio a serviço das indústrias eletrointensivas e do agronegócio, imprestável para o povo, para a pesca artesanal, para o lazer e para as culturas de várzea”. O movimento alerta ainda que “com as usinas, o patrimônio histórico da Estrada de Ferro Madeira–Mamoré e da Igrejinha de Santo Antonio será descaracterizado para sempre. Verdadeiros monumentos ambientais como as cachoeiras de Santo Antonio e de Teotônio desaparecerão”.

No caso de Belo Monte, a devastação sobre a floresta e o rio, ainda incalculáveis, jamais poderão ser recuperados. Segundo Oswaldo Sevá, professor no Departamento de Energia e na Pós-Graduação em Antropologia da Unicamp, em carta dirigida ao presidente Lula, a obra “em parte destruirá e em parte adulterará um dos locais mais esplêndidos do país, 100 quilômetros seguidos de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas e outras relíquias arqueológicas – um verdadeiro monumento fluvial do planeta: a Volta Grande do Xingu”.

Para além das hidrelétricas, as demais cadeias produtivas na região – exploração da pecuária, soja, madeira e mineração – também provocam estragos enormes. Soma-se, agora, a esse conjunto de agressões ao meio ambiente a aprovação da reforma do Código Florestal. As mudanças nas regras de preservação de mata nativa nas propriedades rurais, que constam do novo Código Florestal aprovado pela Câmara, ampliam em 22 milhões de hectares a possibilidade de desmatamento no País – o equivalente ao Estado do Paraná.

O número representa as áreas de reserva legal que poderão ser desmatadas legalmente caso o texto seja aprovado no Senado e sancionado pela presidente. Os cálculos foram feitos pelo professor Gerd Sparovek, do Departamento de Solos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com base no texto do relator Aldo Rebelo (PC do B-SP) e na emenda 164, aprovados na Câmara na terça-feira. A conta leva em consideração a dispensa de recuperação da reserva legal, que é a área, dentro das propriedades rurais, que deve ser mantida com vegetação nativa e varia de 20% a 80% das terras.

A equação ambiental não é estratégica no governo neodesenvolvimentista. Apesar da intensa retórica, a temática ambiental está subordinada a agenda econômica. Pior ainda, a uma agenda econômica dependente de um padrão de desenvolvimento fordista. O Brasil permanece preso ao século XX, a uma concepção de industrialização tardia e tributária da Revolução Industrial.

A Amazônia manifesta que o Brasil não apenas está preso ao mantra do crescimento econômico, como vem optando por um crescimento predatório. A cobiça e a avidez dos interesses econômicos estão comprometendo aquilo que poderia ser o seu diferencial: a biodiversidade. O país está perdendo o bonde da história e não percebe, ou não quer perceber, que é um dos poucos países que poderia oferecer uma alternativa à crise civilizacional, ancorada, sobretudo na crise climática. Nesta perspectiva, subordinar a biodiversidade da região amazônica ao produtivismo do sudeste e as plataformas de exportação de commodities é no mínimo uma opção questionável.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 09/06/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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