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‘Novo’ Código Florestal é prejuízo certo para a Mata Atlântica, artigo de André Lima

O acordo previsto para votação do Código florestal na próxima 3a feira (24) entre ruralistas e governo trará um enorme impacto para todos os Biomas brasileiros. Mas para a Mata Atlântica esse impacto com certeza será gravíssimo, comprometendo ganhos importantes obtidos nos últimos anos de políticas para o Bioma. Explico.

Cômputo da APP na Reserva legal

Pela legislação em vigor, o cômputo das APPs na reserva legal só é válido quanto a sua soma excede a 50% da área do imóvel na Mata Atlântica, ou 25% no caso de imóveis com até 30 hectares.

O projeto na versão do substitutivo 186 do deputado Aldo Rabelo, apresentado na sessão Plenária Extraordinária da Câmara de 11 de maio passado, prevê o cômputo automático das Áreas de preservação permanente (mesmo que estejam desmatadas) na área de reserva legal independentemente da área total das APPs. Isso significa de pronto uma “anistia” de recomposição florestal que atingirá entre 25 e 50% de todo passivo florestal referente à recomposição das reservas legais na região da Mata Atlântica. Isso porque na média, as APP’s na Mata Atlântica representam entre 5 a 10% da área total dos imóveis de acordo com dados da Embrapa. Se a reserva legal é de 20% na Mata Atlântica e entre 5 e 10% passarão a ser considerados Reserva legal, portanto entre 25 e 50% do passivo atual de Reserva legal estará resolvido somente com essa única flexibilização.

Redução da obrigação de recomposição de APPs de rios com até 10 m de largura

O projeto em referência prevê a anistia de 50% de recomposição das áreas de preservação permanente desmatadas nas margens de rios com até 10 metros de largura. Isso porque somente 15 metros dos 30 considerados com APP deverão ser recompostos. De acordo com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cerca de 50% da malha hídrica do País é representada por rios com menos de 5 metros de largura. O impacto dessa medida é indiscutível e de dimensões imprevisíveis. É preciso fazer uma análise específica bioma a bioma dadas as condições geográficas bastante distintas de um para o outro, mas de qualquer forma, considerando que mais de 60% da população brasileira consome água proveniente de áreas de preservação permanente existentes na Mata Atlântica é óbvio que essa anistia por si só terá um impacto inaceitável.

Pecuária em topos de morro e terrenos com alta declividade

Outra novidade preocupante é a regularização de pecuária extensiva (improdutiva) em áreas de topos de morro e terrenos com declividade entre 25 e 45º . É inaceitável que o poder público admita a possibilidade de regularizar atividade econômica de baixíssima produtividade sobre áreas cuja cobertura florestal deveria ser mantida, sendo inclusive economicamente mais rentável do que a pecuária extensiva.Na Mata Atlântica estamos tratando de áreas como as que foram objeto dos deslizamentos em Teresópolis e Nova Friburgo na região Serrana do Rio de Janeiro.

Definição de novos desmatamentos e consolidação de atividades em APP pelos Estados

Emenda já pré-acordada entre a base do Governo (PMDB e parte do PT), oposição e ruralistas delegará aos estados (na Mata Atlântica são 17) o poder, que hoje compete ao CONAMA, de estabelecer as “exceções” para permitir novos desmatamentos e consolidar ocupações hoje ilegais a pretexto de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. Quem conhece o código rural-florestal de Santa Catarina que contrariou frontalmente a lei federal já tem uma noção do que poderá vir dos estados mais comprometidos com o agronegócio e sensíveis à especulação imobiliária (em mangues, restingas, dunas, margens de rios, lagoas e morros).

Inviabilização da meta de recomposição e integridade do Bioma

Soma-se a tudo isso, agravando substancialmente os impactos sobre a Mata Atlântica, o que foi apontado por um importante estudo, ainda pouco divulgado, mas conhecido essa semana em Brasília, assinado por pesquisadores do IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, órgão oficial vinculado ao Ministério do Planejamento. O estudo “Código Florestal: Implicações do PL 1.876/99 nas áreas de Reserva legal” indica, em números calçados em dados oficiais, os impactos diretos da proposta do deputado Aldo na isenção de recomposição de reserva legal em todos os Biomas Brasileiros.

De acordo com o estudo, o texto que supostamente será colocado em votação na próxima 3ª feira (dia 24) no Plenário da Câmara, fruto do anunciado acordo feito com o Governo, representará uma anistia da ordem de 30 milhões de hectares desmatados ilegalmente em todo Brasil. Esse valor refere-se somente em relação das áreas de reserva legal desmatadas ilegalmente. Isso representa a metade de toda área de lavoura existente no País.

Na Mata Atlântica essa anistia poderá impactar de acordo com os pesquisadores do IPEA, considerando somente as áreas já desmatadas 4 milhões de hectares. Isso porque o projeto do Deputado Aldo prevê que nenhum imóvel com área inferior a 4 módulos fiscais (que varia de 5 a 80 hectares na Mata Atlântica) será obrigado a recompor a área de reserva legal desmatada ilegalmente. A anistia deverá comprometer portanto quase 30% da meta.

A Mata Atlântica cobria originalmente aproximadamente 1,3 mil km2 de acordo com o Mapa do IBGE aprovado pelo Diário Oficial da União de 24/11/2008.1,3 milhões de km2, ou 130 milhões de hectares considerando todos os ecossistemas associados. De acordo com o Atlas da Fundação SOS Mata Atlântica desenvolvido em parceria com o INPE (veja relatório em http://migre.me/4zZJG) o remanescente florestal da Mata Atlântica até 2010 era de pouco mais de 11,3% do bioma original, o que significam 14,6 milhões de hectares (floresta, mangue, restinga) de vegetação nativa existente. Considerando apenas remanescentes com mais de 100 hectares esse percentual cai para pouco menos de 8% do Bioma original. Isso mostra a extrema fragilidade atual do bioma em face da alta fragmentação, ou seja cerca de 40% do que resta de Mata Atlântica está significativamente comprometido por constituírem blocos florestais inferiores a 100 hectares.

Se considerarmos que somente 3,4 milhões de hectares (2,6% do Bioma original) estão protegidos sob a forma de unidade de conservação de proteção integral significa dizer que pouco mais de 11,2 milhões de hectares (menos de 9% do Bioma fora de UC) remanescem protegidos pelas áreas de preservação permanente ou reservas legais. Nessa escala do bioma é possível dizer, portanto, que faltariam para completar os 20% correspondentes à legislação em vigor hoje, algo em torno de 14 milhões de hectares.

No entanto, o estudo do IPEA prevê que 4 milhões de hectares serão anistiados na Mata Atlântica, e outros quase 4 milhões estarão submetidos à pressão contaminados pela anistia que será votada na semana próxima.  Em outras palavras o impacto pode atingir entre 30 e 60% do que deveria ser recuperado e mantido como floresta na Mata Atlântica pela Lei em vigor hoje.

Consequentemente a meta proposta pelas organizações que integram o Pacto pela Mata Atlântica (http://www.pactomataatlantica.org.br/index.aspx?lang=pt-br) de recompor 15 milhões de hectares até o ano de 2050 ficaria totalmente comprometida.

Prejuízo aos manguezais

Por fim, há ainda prejuízos aos mangues em função da pressão do lobby da carcinicultura (cultivo de camarões) para excluir da definição de mangues as áreas denominadas salgados e apicuns que estão diretamente interligados e integrados aos manguezais. Tal medida, acatada por Aldo, permitirá tais cultivos altamente comprometedores dos mangues, não apenas por inviabilizar o crescimento dos mangues mas principalmente pelo intenso uso de fertilizantes e químicos que comprometem o ecossistema aquático altamente sensível, além de submeterem a risco de espécies exóticas.

Assim sendo

Diante de tudo o que foi verificado acima, extraído de um exame apurado da última versão do texto do deputado Aldo Rabelo é possível dizer que, se aprovado na Câmara, teremos um retrocesso inaceitável. Teremos portanto muito trabalho pela frente, tanto no Senado quanto junto à presidente Dilma no que tange aos vetos necessários e que lhe caberá aplicar sobre o Projeto para que cumpra seus compromissos de campanha presidencial e mantenha os compromissos assumidos ao longo dos 8 anos do governo Lula em relação à Mata Atlântica.

André Lima, Advogado, Mestre em Política e Gestão Ambiental, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica

Artigo originalmente publicado no Observatório Parlamentar Socioambiental.

EcoDebate, 24/05/2011

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