Não é preciso esperar que o pior aconteça, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Indignação não basta, é preciso avançar.
É inquietante o panorama. Acumulam-se notícias sobre ameaças de volta de inflação mais forte, por causa de fatores externos (crise econômica nos países industrializados; fuga de capitais especulativos para países com taxas de juros altas, como o nosso; aplicações em commodities, elevando seus preços) e fatores internos (demanda alta de produtos, com ganhos de renda nos setores de menor poder aquisitivo; ampliação de programas sociais, com consequências semelhantes – entre outros). Ao mesmo tempo, cresce a preocupação com as altas de preços de alimentos e o retorno a lutas sindicais pela indexação de salários. Um quadro que, se não for revertido, poderia levar até mesmo à perda das conquistas recentes na redução da miséria e da pobreza.
E neste momento só pode crescer a preocupação com o quadro institucional, os três Poderes da República mergulhados em notícias que levam ou podem levar a população – ou grandes setores – à descrença nas instituições e a reações. E aí se englobam Legislativo, Executivo e Judiciário.
Pode-se começar pelo primeiro. Que reação social pode haver à notícia de que alguns dos nomes mais envolvidos em escândalos passam a integrar o Conselho de Ética do Senado (Agência Estado, 27/4)? Ou às informações de que empresas – algumas delas entre as maiores, definidoras de muitas políticas e obras – contribuíram em 2010 com 76,8% (R$ 293,3 milhões) do Fundo Partidário, que poderia ter recebido, no máximo, R$ 151,1 milhões (Estado, 28/4)? Ou que muitos dos parlamentares que mais defenderam mudanças no Código Florestal, para anistiar desmatadores e ocupantes de áreas interditadas, estão entre aqueles que maiores multas haviam recebido?
Nem é preciso falar em escândalos em torno de viagens e passagens de parlamentares, nepotismo, sessões secretas para aprovar o que o eleitorado condenaria. Mas pode-se lembrar o passe de mágica com que o Senado Federal mudou o conteúdo do projeto da Lei da Ficha Limpa – para livrar a cara de tanta gente – e o mandou para a sanção presidencial sem retornar à Câmara dos Deputados, como exige a legislação. Igual procedimento, também no Senado, suprimiu do projeto da lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos a exigência de que a incineração do lixo só poderia ser admitida se não houvesse nenhuma outra possibilidade (redução do lixo, reaproveitamento, reciclagem). E também o mandou direto para a sanção presidencial, sem retorno à Câmara.
Pode-se passar ao Judiciário, no qual o inacreditável acúmulo de processos leva a que só ao fim de muitos anos sejam julgadas questões vitais para a sociedade ou para as pessoas. Como a Lei da Ficha Limpa, criando desnecessária confusão no quadro de candidatos às vésperas das eleições de 2010 – que poderá repetir-se em 2012. Ou que não se tomem providências para apressar o julgamento do processo do “mensalão”. Não é preciso falar nas confusões em torno de vencimentos e vantagens nesse âmbito. Mas é preciso dizer que a lentidão, a falta de providências contribuem, juntamente com o descaso do Executivo, para o quadro de superlotação de presídios. Sem falar que o princípio da reeducação do presidiário passou a ser fantasia de outros séculos.
Na área do Executivo, raro é o dia em que o Tribunal de Contas da União ou outro órgão não impugne licitações “fajutas”, com sobrepreços evidentes que vão onerar o contribuinte de impostos. Isso vale inclusive para uma das maiores aberrações, que é a inacreditável situação dos aeroportos, às vésperas de Copa do Mundo de 2014, em que indícios indesejáveis de irregularidades também já aparecem no noticiário. Esta semana, este jornal informou que administradores públicos do Estado de São Paulo são acusados de causar prejuízos de R$ 2,6 bilhões aos cofres governamentais. E quem lê as informações sobre o projeto de reforma florestal se abisma ao ver que os órgãos ambientais deixaram que a reserva legal obrigatória nas propriedades se transformasse em mera ficção – nunca ninguém vai ver se existe; quando vai e multa, ela não é paga.
A área de energia continua à espera de que o governo federal promova uma discussão competente sobre a matriz energética – e não continue insistindo em seu projeto de novas usinas nucleares e/ou mega-hidrelétricas na Amazônia, em projetos recheados de furos -, quase se esquecendo das várias energias renováveis. E as cidades não sabem mais o que pensar em matéria de segurança e crime organizado. Nem mesmo o que fazer para evitar que os jovens até 24 anos, as maiores vítimas do desemprego, sejam também as maiores vítimas de homicídios.
Tantas coisas que induzem à descrença nas instituições podem tornar-se muito graves em momentos de incerteza como o que se começa a reviver. Ou de crise mesmo.
A sociedade brasileira, diante dos quadros até aqui sintetizados, vive no que tem sido chamado neste espaço de “retórica da indignação”. Indigna-se com os escândalos, com a incompetência, com o descaso diante de suas necessidades. Mas nada faz. Em parte, porque muitas pessoas que se indignam também sonegam impostos, furam filas, subornam o guarda. Em parte porque não sabem o que fazer.
É preciso, então, que a sociedade aprenda a se organizar. A discutir as suas questões – se necessário, com a ajuda de órgãos como o Ministério Público e outros – e seja capaz de transformá-las em propostas, que leve para o campo da política e o terreno eleitoral.
Fora daí não parece haver solução. Fatalmente se irá de espasmo em espasmo, na hora de questões mais graves ou mais escandalosas. Para em seguida retomar o caminho da “retórica da indignação”, ineficaz e paralisante.
Mas também é prudente que cada um dos Poderes reveja seu quadro. Que os partidos políticos sejam capazes de formular novas propostas eleitorais.
Não é preciso esperar que o pior aconteça.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 17/05/2011
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