‘O novo Código Florestal está querendo anistiar crimes ambientais’. Entrevista com Francisco Milanez
Não sendo o centro do mundo, o homem, defende Francisco Milanez, não pode criar propostas como esta do novo Código Florestal. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, o ambientalista diz que essa proposta diminuirá as áreas de proteção e as reservas legais. “Nós estamos colocando em risco biomas e perdendo espécies que ainda nem conhecemos”, apontou.
Francisco afirma que os desastres naturais recentes se devem às intervenções irresponsáveis do homem. “Seria muito ruim para um país que sempre se orgulhou de não ter essas destruições naturais que conseguíssemos, através da nossa burrice, começar a construir esse tipo de perda”, descreveu.
Francisco Milanez é educador ambiental, arquiteto, biólogo e membro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan e da Fundação para o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado – Ecofund.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a sua posição a respeito o novo Código Florestal?
Francisco Milanez – A proposta de lei para modificar o Código Florestal, originada pelo deputado Aldo Rebelo, é, em minha opinião, inconsequente, pois vivemos numa época em que a preservação do Código Ambiental deveria estar sendo aumentada. Se perguntássemos para uma criança de 2 anos sobre esse assunto, ela responderia que o certo é aumentar a preservação, as áreas de preservação, conservar e preservar as beiras de rios…
Como alguém propõe diminuir, então? Rebelo propõe isso em um momento equivocado dizendo que o código não está sendo seguido. É verdade, a aplicação do código atual não foi efetivada como um todo. O governo Lula tentou fazer com que ele fosse totalmente implementado e já surgiram reações. Precisamos aplicar o código atual. A única coisa que nós não podemos fazer é dizer que é preciso diminuir as áreas de preservação, quando a falta de preservação está ocasionando perdas para todos os setores produtivos e para as pessoas, suas famílias. É insensato. A proposta de um novo Código Florestal está querendo anistiar crimes ambientais. Quem desmatou contra a lei, plantou, não manteve as áreas de preservação agora vai ser anistiado.
Sou totalmente contra essa ideia de anistia. Crime é crime, e quem comete um precisa ser penalizado. Já chega a anistia que foi dada aos torturadores, que até hoje não foram presos. Não importa o quanto será diminuído o nível de preservação. Não pode ser diminuído e ponto final. É totalmente insensato diminuir as zonas de preservação ao redor dos corpos d’água, por exemplo.
Também precisamos diferenciar uma reserva legal de áreas de preservação permanentes (ou APPs), que nessa proposta parecem a mesma coisa. Elas são diferentes, cumprem funções diferentes e não podem ser justapostas. Essas são algumas das colocações que esse projeto vergonhoso do Aldo Rebelo está propondo. Ele quer ir atrás de um sentimento paranoico, ele acha que, se não colonizar a Amazônia, se não ocupar toda ela, perderemos a floresta. Isso é uma estupidez, porque fará com que as reservas legais, que na Amazônia são maiores, sejam ocupadas. Ele não se informou bem sobre as riquezas da Amazônia, não sabe que além de permitir o aumento do desmatamento, o novo código, se aprovado, permitirá que as riquezas existentes no subsolo da Amazônia sejam extraídas. E isso chamará a atenção de invasores, ocasionando um problema ainda maior.
É uma coisa louca que serve apenas aos especuladores que são uma minoria. Por outro lado, têm grandes especuladores da agricultura, dita agrobusiness, que vão lá, rapinam uma área, tiram o máximo em um tempo curto e depois vão embora rapinar outras áreas em outros países. Empresas que destruíram a Malásia e a Coreia querem agora destruir também o Brasil, como essas que vieram implantar monocultura de eucalipto no Rio Grande do Sul.
O agrobusiness não tem qualquer compromisso, carinho, paixão ou ligação com a terra; seus defensores eles só querem desapropriar. Assim como a especulação imobiliária desapropria a cidade, a especulação rural destrói os campos e vai mudando de lugar e deixando para trás uma dívida social.
IHU On-Line – O senhor é, então, a favor da continuidade do atual Código Florestal?
Francisco Milanez – Sim. O Brasil é um país gigante e hoje nós temos condição total de, com a tecnologia, controlar todas as propriedades rurais da Amazônia. Quem sempre empatou o Brasil foram as grandes áreas do Norte e Oeste que não tinham como ter fiscais. Mas, hoje, basta simplesmente você ter um software adequado que lhe permitirá fazer uma análise da flora existente de tanto em tanto tempo. Com isto, se perceberá se a área foi desmatada em tal lugar; será possivel ir até o proprietário e multá-lo. Assim, aplica-se a lei. Hoje é muito mais fácil, nós temos condições, existe tecnologia. Houve épocas em que não tinha como controlar. Mas atualmente, via satélite, isso é totalmente possível.
Eu não acho que seja a hora certa de mudar o código, porque, primeiro, precisamos cumprir o código atual. Se efetivarmos ele de forma completa, ele vai dar conta de preservar tudo que precisamos e conseguiremos parar com esses desastres naturais, que não são naturais. Essas chuvas, essa desorganização climática é artificial. Isso foi produzido pelo homem, tanto que nunca existiu essa mesma frequência. Em 1941 houve uma enchente em Porto Alegre, mas o que está acontecendo é que nós estamos tendo enchentes e secas mensalmente em lugares diferentes e isso nunca aconteceu. Seria muito ruim para um país, que sempre se orgulhou de não ter essas destruições naturais, se começásesmos, através da nossa burrice, a construir esse tipo de perda.
IHU On-Line – O senhor defende investimentos na utilização das florestas. Como esses investimentos podem ser feitos?
Francisco Milanez – A floresta é o melhor negócio do mundo. O problema do agricultor é o preço oscilante em relação à venda dos produtos que cultiva e o avanço da monocultura. O outro problema é que ele tem dívidas grandes e precisa fazer investimentos grandes em máquinas, manejo da terra, óleo diesel, mão de obra e a adubação química, venenos e agrotóxicos.
Quando a floresta é utilizada de forma racional, o investimento é quase zero, não há oscilação, não há risco, porque a floresta é sempre produtiva. O uso da floresta é um investimento zero: não precisa de grandes máquinas, não tem que fazer todos os riscos. Então, não vai ter perda, vai sempre haver produção maior ou menor. Este é o sonho de todo o agricultor. As pessoas, porém, não enxergam que a nossa agricultura é oriunda de descendentes europeus que só sabiam “enfiar um arado na terra”. Essa cultura ainda é muito presente no Rio Grande do Sul e no Paraná. E quem foram os pioneiros na Amazônia? Os gaúchos, os agricultores do norte do Paraná e do oeste catarinense. Foram para lá destruir a floresta porque não sabem manejá-la. O governo tem que educar para a floresta.
IHU On-Line – O que está por trás do novo Código Florestal?
Francisco Milanez – Alguns malucos lunáticos. Quem pensa hoje em ocupação da Amazônia por países estrangeiros só pode ser lunático. Mas, antes de tudo, é um criminoso ambiental que considera que aquilo que já foi desmatado não precisa ser recuperado.
IHU On-Line – Quais são as principais forças políticas no Congresso contra a mudança do Código?
Francisco Milanez – Todos aqueles que não estão contaminados, e todos os dias, felizmente, temos mais pessoas tendo sentimento do ambientalismo. Curiosamente, os ambientalistas ditos contra o desenvolvimento econômico são os melhores amigos do desenvolvimento econômico, pois as coisas que falamos duram por serem verdadeira.
IHU On-Line – O presidente da Câmara garantiu que o projeto do código somente será encaminhado para votação quando houver acordo sobre a proposta. É possível perceber um acordo entre agricultores e os movimentos sociais contrários às mudanças?
Francisco Milanez – Eu sinto que sim. A bancada ruralista é enorme no Congresso, mas se depender dos movimentos sociais e da agricultura familiar, que é muito maior, o novo código não será aprovado.
IHU On-Line – Se o novo Código Florestal for aprovado, o que muda especificamente no cenário ambiental do Rio Grande do Sul?
Francisco Milanez – O Rio Grande do Sul, como todos os estados mais desenvolvidos em termos agrícolas, está no limite. Nós já estamos sem água em duas bacias. O Rio Grande do Sul é um dos estados mais ricos em águas potáveis do Brasil. Mas estamos passando por essa situação que causa mortes. Uma das bacias com déficit de água fica em Santa Maria, a outra é no litoral Norte. Se este projeto do deputado Aldo Rebelo for aprovado, nós rapidamente estaríamos em uma situação muito pior em termos de meio ambiente, desregulação do clima, chuvas, destruição e secas.
O Rio Grande do Sul irá sentir isso através da redução das áreas de proteção, o que causará maiores acidentes, desmoronamentos, perdas de safra e de casas, porque as enchentes levam a esse tipo de problema. Teremos uma grande perda da biodiversidade, existem plantas que estamos extinguindo que podem ser a cura do câncer, mas nós nem conhecemos elas, ainda que já estejamos acabando com essas plantas. Diminuindo as áreas de proteção e as reservas legais, nós estamos colocando em risco biomas e perdendo espécies que sequer conhecemos. O homem não é o centro do mundo.
(Ecodebate, 10/05/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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Tenho certeza de que seus antepassados desmataram muito.
O sr. está com certeza procurando saber qual a area que eles desbravaram para poder às suas expensas recupera-las.
Estou certo, não estou ?
É realmente absurdo o novo código florestal.
Por que ao inves de criarmos esse não esquecemos o antigo e pronto.Teremos ai um país sem leis de proteção verdadeira ao meio ambiente.