Serra do Cafezal: o atraso tecnológico da BR 116, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos
[EcoDebate] A polêmica arrasta-se há já mais de 10 anos e a duplicação da Rodovia Régis Bittencourt no trecho paulista da cabeceira da Serra do Mar, localmente sob a denominação de Serra do Cafezal, compreendido entre os quilômetros 336 e 367, ainda está a depender do resultado de complicadas decisões judiciais ou, em uma alternativa mais virtuosa e breve, do bom senso dos empreendedores.
De um lado numerosas e aguerridas organizações ambientalistas e da sociedade civil lutando para preservar as condições e atributos ambientais da região serrana, em especial da bacia hidrográfica do Ribeirão do Caçador, para tanto defendendo técnicas rodoviárias que garantam a integridade desse valioso patrimônio natural; de outro, a concessionária Autopista Régis Bittencourt S/A, pertencente ao grupo OHL Brasil, defendendo opção de traçado e de técnicas rodoviárias que lhe parecem mais favoráveis em uma relação simples custo/benefício.
A necessidade logística, social e econômica da duplicação da Régis é indiscutível; é até incompreensível que essa elementar providência viária não tenha sido executada há muito mais tempo considerando que se trata de uma das principais rodovias do país. A freqüência de terríveis acidentes e de imensos congestionamentos argumenta por si própria sobre a urgência com que essa duplicação se faz necessária.
Importante considerar que as técnicas rodoviárias adotadas ainda quando da abertura dessa rodovia em seus trechos mais montanhosos, fundamentalmente baseadas no encaixe da pista no terreno através de uma sequência de cortes e aterros, decorrência do estágio tecnológico da engenharia viária da época (anos 50 e 60), são em grande parte responsáveis pelo enorme número de acidentes e paralisações de tráfego. O fato explica-se pela incompatibilidade dessa concepção de engenharia com as características geológicas e geotécnicas da região, já naturalmente propensa a deslizamentos de solos e rochas. Os cortes e aterros cumprem assim o papel de induzir e potencializar os deslizamentos, especialmente em períodos de elevada pluviosidade.
Aliás, ainda nos tempos coloniais começou-se a perceber que a Serra do Mar não apenas representava uma formidável barreira topográfica. À medida que os meios de transporte exigiam estradas mais largas e com rampas menos acentuadas, foram inevitáveis obras, como cortes e aterros, que implicavam em problemáticas interferências no equilíbrio natural das encostas da serra. Apresentou-se então como problema adicional ao grande desnível topográfico e acentuadas declividades do terreno, a enorme suscetibilidade natural dessas encostas a escorregamentos de solos e rochas, os quais tornaram as obras, como o próprio uso das estradas, uma incrível odisséia técnica e financeira para a sociedade paulista, muitas vezes com tons trágicos de perdas de inúmeras vidas humanas.
Mas, por fim, com a implantação da Rodovia dos Imigrantes, cuja concepção coube ao eminente e saudoso engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, a engenharia viária brasileira, apoiada nos brilhantes avanços do conhecimento geológico e geotécnico sobre o comportamento das encostas serranas proporcionado pelos técnicos nacionais, optou pelo uso extensivo de túneis e viadutos como forma de evitar a interferência nas instáveis encostas. O sucesso técnico dessa nova concepção de projeto a define como o novo patamar tecnológico a ser adotado por todas as novas estradas brasileiras que de alguma forma venham a se desenvolver sobre regiões serranas tropicais úmidas, como é nossa Serra do Mar.
Nesse sentido, são extremamente gratificantes para a sociedade brasileira as decisões por essa mais avançada concepção que já tomaram os responsáveis pela duplicação da Rodovia Presidente Dutra, no trecho carioca da Serra das Araras, da Rodovia Rio – Teresópolis (RJ) e da Rodovia dos Tamoios (entre São José dos Campos e Caraguatatuba – SP).
Apreciaria o meio técnico nacional e agradeceria muito a sociedade brasileira se os responsáveis pela duplicação da Rodovia Régis Bittencourt em seu trecho de transposição da Serra do Cafezal, Grupo OHL, ANTT, DNIT, também aderissem a esse novo patamar tecnológico, resgatando a BR 116 para a modernidade e a racionalidade tecnológica representada pela opção por túneis e viadutos, hoje já motivo de orgulho da engenharia viária brasileira em todo o planeta.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
EcoDebate, 15/04/2011
[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Excelente artigo, mostrando que existem tecnologias capazes de possibilitar a convivência pacífica entre uso e conservação. Não precisamos sair por aí criando imensas áreas intocáveis e de atritos, como querem muitos. Pecisamos é de consciência ambiental, nas cidades e nos campos, e de muita tecnologia para o uso racional dos recursos naturais. Intocabilidade apenas em Unidades de Conservação, bem escolhidas e distribuídas pelos Biomas.