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Código Florestal: ambientalistas versus ruralistas, artigo de Alaor Barbosa

[Diário da Manhã] Discute a Câmara dos Deputados já há algum tempo o texto de um novo Código Florestal. Noticia-se que vem ocorrendo nas discussões o embate entre duas visões divergentes: a da corrente dos chamados ambientalistas e a dos chamados ruralistas. (Confesso que não sei bem o que significa esta palavra ruralista. É a qualificação e classificação dos parlamentares que defendem os interesses dos fazendeiros e dos praticantes dos chamados agronegócios? Parece. Portanto, essa corrente é bem poderosa.)

Muita gente explora o fato de ser o relator do projeto do novo Código Florestal um antigo comunista – do PC do B, um partido dissidente do velho Partidão – para tentar conferir autenticidade e suspeitabilidade ao seu relatório, considerado favorável aos proprietários rurais. Ora, os comunistas nunca se distinguiram, no Brasil, salvo ignorância da minha parte, por lutar em defesa do meio; e nos países onde ocuparam o poder também não demonstraram preocupação especial em tentar preservar o ambiente natural. Vêm os comunistas demonstrando, aliás, com desconcertante frequência, que a estupidez humana não escolhe nem poupa ideologia política.

Não entendo muito desse assunto, porém considero mais prudente o legislador apoiar os possíveis exageros dos ambientalistas – cujas posições e ações visam a preservar o ambiente natural – do que aceitar a liberdade de ação dos fazendeiros de todos os tamanhos – grandes, médios e pequenos –, que já se verificou danosíssima e perigosíssima para o equilíbrio ambiental do nosso país e do nosso planeta.

Esse terrível problema não é da nossa atualidade. Pra que falar do que fizeram com a Mata Atlântica ao longo de quatro séculos e meio? Desnecessário mencionar o problema do desmatamento da Amazônia. E a criminosa e irresponsável favelização das encostas de morros e serras e das margens de tantos rios e ribeirões e córregos?

Fiquemos em outros casos igualmente vitais: rios que vão morrendo e matas que vão sendo destruídas. Impossível citar todos os casos ou mesmo o maior número deles. Basta mencionar alguns exemplos que aí estão à nossa vista. Ainda ontem (domingo, 10 de abril de 2011), ao ver um programa de televisão feito por jornalistas brasileiros residentes no exterior, eu soube que o Rio Pará, afluente do São Francisco, em Minas, morreu. Morreu em virtude da atuação de fazendeiros. O jornalista Lucas Mendes afirmou que os fazendeiros conseguiram, em cinquenta anos, matar um rio que existia, vivo e bom e límpido e piscoso, fazia talvez milhões de anos. Eu já sabia da morte de muitos outros mananciais de Minas. O mesmo Rio São Francisco vem morrendo não muito devagar. Já anda quase completamente assoreado e, em trechos outrora navegáveis, ficou raso e impróprio à navegação. No seu extenso trecho de Minas, eu o conheço de barco em muitos pontos e em mais de uma travessia. Principalmente entre Pirapora e Itacarambi. O São Francisco é um rio que eu amo de modo muito particular. O nosso formoso Araguaia virou causa de profunda tristeza. Proprietários de terras ribeirinhos têm feito muito mal a esse belíssimo rio que os índios Carajás tratam com tanto carinho e respeito poético e místico.

Que dizer do Tietê, em São Paulo? E o Meia-Ponte no município de Goiânia? Quantos crimes ambientais! – e não só de fazendeiros, mas também de industriais e de populações ribeirinhas, a maioria muito pobres. (O que demonstra que a estupidez humana não privilegia classes socais. Antigamente, muita gente ingênua achava que os capitalistas eram todos delinquentes e os proletários gente pura.) Pequenos mananciais, grotinhas e regos que tanto fecundam e alegram a terra, têm desaparecido de modo cruel. Desaparecimentos irreversíveis, incorrigíveis, irreparáveis, definitivos, perpétuos. Os pivôs de irrigação que superabundam nas fazendas têm suprimido muita grota e grotinha preciosa. Uma tristeza. Visitei meses atrás em minha terra, Morrinhos, as terras onde existem alguns pivôs perto da cidade; e vi o sumiço deplorável de um corguinho que eu vira tempos antes serelepe e límpido. O problema dos pivôs de irrigação precisa ser examinado por quem entenda desse assunto.

A vegetação do cerrado vem sendo velozmente destruída, de uns trinta anos para hoje, em extensíssimas áreas de várias regiões do Brasil por causa do interesse de produzir soja para exportar: um negócio rendosíssimo. Em nome do afã de ganhar dinheiro e produzir divisas, o Brasil vem sendo destruído rapidamente na sua privilegiadíssima base física. Muita gente sustenta que a fartura de dinheiro gerada pelo chamado agronegócio justifica a destruição deste trecho do planeta Terra que é o Brasil Central, onde predomina o bioma do cerrado. Como se não fosse possível produzir e ganhar dinheiro sem destruir o meio.

Em Goiás, quem viaja (apenas para citar um miúdo exemplo e caso) de Bela Vista a Piracanjuba se espanta e assusta ante o desaparecimento das belas matas de cerrado que existiam ali até há pouco tempo – e que eu conheci na infância e na juventude e mesmo na maturidade. Muito se tem notabilizado em destruir o cerrado a operosa gente que se espraia através de todo o Brasil a partir do Rio Grande do Sul. A gauchada que tem invadido tantas zonas antes virgens é muito perita e eficientíssima em criar riquezas rurais substitutivas de matas de cerrado. Na Bahia, é chocante a troca total do cerrado por soja nas terras situadas ao longo da rodovia que leva de Brasília a Salvador: a gauchada está lá. Em Minas, os gaúchos fundaram uma cidade, com o nome de Chapada Gaúcha, rente ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas (andei por lá há poucos anos, tendo partido da cidade de Arinos), e vêm derrubando mais e mais matas de cerrado a fim de as substituir por plantações de soja tão extensas que a vista as não abarca. Em Minas, não é somente a soja o fator de destruição do cerrado: atua também, muito forte, a produção de madeira utilizada em carvoeiras – numerosas e visibilíssimas a quem viaja de Brasília a Belo Horizonte. Feiíssimo espetáculo que os amantes da terra não suportam contemplar.

Os ambientalistas das burocracias oficiais incomodam proprietários rurais com fiscalizações e multas? Antes apoiar os burocratas ambientalistas do que permitir que os proprietários rurais se vejam livres, totalmente livres para fazer o que queiram, ainda que com danos ao meio. O “laissez faire, laissez passer” no campo seria um suicídio coletivo. É improvável que algum proprietário rural seja multado sem motivo. Considero mesmo insuficiente a quantidade atual de fiscalização. Quem quer que percorra a as zonas rurais do País sabe com que astúcia e esperteza muitos proprietários rurais procedem para, aproveitando-se da falta – ou da insuficiente – fiscalização, infringir, por exemplo, as normas relativas às áreas mínimas de matas que devem ser preservadas em cada propriedade rural. Não existe proprietário rural ingênuo.

Alaor Barbosa, jornalista e advogado, membro da Academia Goiana de Letras, da Academia de Letras do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal

Artigo originalmente publicado no Diário da Manhã, de Goiânia/GO.

EcoDebate, 13/04/2011

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One thought on “Código Florestal: ambientalistas versus ruralistas, artigo de Alaor Barbosa

  • Osvaldo Ferreira Valente

    O articulista faz tudo para colocar a culpa só nos produtores rurais. Será que onde ele mora, em alguma cidade, certamente, pelo seu desconhecimento do campo, os esgotos domésticos são todos tratados antes de serem lançados nos rios? O Tietê está morto por culpa dos ruralistas? Os morros de Nova Friburgo e Teresópolis deslizaram por causa da ação de ruralistas? O problema ambiental no Brasil ficou sério desde o momento em que os órgãos encarregados de velar por ele deixaram a tecnologia e a assistência técnica de lado e viraram fiscais de leis que muitos leigos fizeram, na arrogância de achar que elas devem vir de cabeças coroadas e não serem frutos das demandas da sociedade. Não pegam, por isso, criando as celeumas que todos conhecemos em nosso dia a dia. O mais preocupante, ainda, é ver que os leigos mencionados costumam se apresentar como porta-vozes da sociedade.

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