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Artistas contra Belo Monte, artigo de Rodolfo Salm

Estava tudo certo para ser tranqüilo o doutoramento “honoris causa” do ex-presidente Lula pela Universidade de Coimbra. Mas um grupo de estudantes portugueses e brasileiros conseguiu causar-lhe algum constrangimento ao recebê-lo com faixas de protesto contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte no Xingu: “Em defesa da Amazônia – Dilma pare a barragem de Belo Monte” era o que se lia numa faixa que colocaram à porta da universidade, segundo divulgou a Agência Lusa, em uma nota que falava que ele e Dilma foram recebidos sob gritos de que “água e energia não são mercadoria” (um dos motes preferidos das manifestações aqui em Altamira).

Os manifestantes conseguiram entregar-lhes um folheto com questionamentos sobre a barragem. Pode-se dizer que era uma manifestação nanica, ignorada pela imprensa brasileira, mas aqueles estudantes se colocaram muito apropriadamente como examinadores da “obra” do nosso ex-presidente, que lhe permitiu sentar entre os “sábios” da academia portuguesa. De tudo o que ele fez nesses oito anos, o que lhes pareceu mais relevante (e digno de protesto) foi plantar a semente desta obra desastrosa no coração da floresta amazônica. As obras da barragem mal começaram e a campanha pela sua paralisação vem ganhando cada vez mais adeptos, com mais e mais visibilidade.

Esteve de passagem por Altamira no ultimo dia 23 de março o astro de Hollywood e ex-governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger, que a convite do cineasta James Cameron e do líder Kayapó Raoni sobrevoou o Rio Xingu e conversou com índios preocupados com a construção de Belo Monte. Os dois participavam do Fórum Mundial de Sustentabilidade, que ocorria em Manaus, onde o ex-presidente norte-americano Bill Clinton também manifestou sua preocupação com relação à hidrelétrica.

No ano passado, a atriz Sigourney Weaver também veio à cidade e eu fiz questão de ir à beira do rio enquanto ela saía em uma expedição para se encontrar com os índios, para agradecer sua participação na luta contra a barragem. James Cameron, que disse que vai filmar um documentário sobre Belo Monte, recentemente tornou-se o principal interlocutor internacional dos movimentos de resistência à barragem, ocupando mais ou menos o mesmo papel que o roqueiro britânico Sting desempenhou no fim dos anos 1980, quando este velho projeto da ditadura militar ressurgiu.

A participação dos artistas estrangeiros na campanha contra Belo Monte é muito bem-vinda, principalmente devido à extrema dificuldade dos críticos deste projeto para falar em larga escala sobre os vários aspectos da tragédia que significaria e efetivação da obra, devido à dificuldade de acesso à grande imprensa nacional. Mas é evidente que a ajuda dos estrangeiros vem despertando as mais iradas reações xenófobas e falsamente nacionalistas.

No artigo “Qual o mistério por trás do Belo Monte?”, publicado no Monitor Mercantil de 25 de fevereiro de 2011, por exemplo, Osvaldo Nobre se queixa da campanha das celebridades internacionais contra a barragem. E de “outros, menos badalados (…) e com raras exceções, sem nenhum vínculo com a nacionalidade brasileira ou com a nossa soberania”. Realmente, é vergonhosa a complacência da maior parte da nossa intelectualidade e classe artística diante da tragédia que neste momento se arma na Região Amazônica.

Mas há cada vez mais “exceções”. Como, por exemplo, a brasileiríssima (e paraense!) atriz Dira Paes, que narrou a versão em português do filme ”

Defendendo os Rios da Amazônia“, cuja versão em inglês fora narrada por Sigourney Weaver (Defending the Rivers of the Amazon).

Também merecem destaque as manifestações de Marcos Palmeira (“Sou contra a usina de Belo Monte pelo impacto que vai causar na região, além de não ser a solução para a nossa energia. Tínhamos o Xingu como marco da preservação no Brasil e agora o ‘progresso’ chegou de vez para poluir a região e aumentar o desequilíbrio ambiental, causando mais pobreza e desigualdade!”); Letícia Spiller (“Não se pode usar como álibi o progresso, quando milhares de pessoas estão morrendo por negligenciarem o desmatamento e a mudança do curso de rios”); Christiane Torloni (“Fico preocupada com Belo Monte. Será que é uma obra de que o mundo precisa?”); e Victor Fasano (“Sou contra Belo Monte, pois sou contra a destruição de qualquer floresta, destruição de qualquer população indígena e sua cultura, contra a ignorância de alguns governantes que afirmam de peito estufado que temos o direito de destruir nosso meio ambiente porque ele é nosso, nos pertence”). Osvaldo Nobre há de admitir que temos um elenco e tanto (clique

aqui para ver todos os depoimentos na íntegra).

A polêmica acerca da construção da barragem de Belo Monte segue esquentando. Ainda mais agora que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos solicitou oficialmente a suspensão da obra pela falta de “prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada” consulta dos povos indígenas. Que é legalmente uma violação de direitos humanos. A situação já se tornou explosiva nas obras das hidrelétricas do Rio Madeira, onde operários amotinados recentemente tacaram fogo em dezenas de ônibus em seus alojamentos, reivindicando melhorias nas suas condições de trabalho. A mesma situação caótica está se armando em Altamira.

Enquanto, no imaginário popular, o rio Madeira é uma fronteira distante a ser colonizada, como observou Marcos Palmeira, o Xingu é um “marco da preservação no Brasil”. “Qual o mistério por trás do Belo Monte?”, pergunta o artigo xenófobo do Monitor Mercantil. A resposta está justamente nas cachoeiras da Volta Grande, que historicamente impediram a navegação rio-acima dos colonizadores, permitindo a preservação de uma quantidade imensa e única de povos indígenas e de florestas em todo o mundo.

Cachoeiras que pretendem destruir com Belo Monte em nome da produção de energia barata para empresas multinacionais. Assim, chegam a ser ridículos os defensores da barragem falando pela “nacionalidade brasileira” e “soberania”. Como os estudantes da Universidade de Coimbra (muito mais conscientes que os seus professores) deixaram bem claro, a luta pela vida ou a morte do Xingu é o grande drama do nosso tempo. A montagem do grande elenco já começou.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Altamira, e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

EcoDebate, 12/04/2011

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One thought on “Artistas contra Belo Monte, artigo de Rodolfo Salm

  • Realmente a imprensa nacional não está nem aí para a questão de Belo Monte, o que dificulta a luta para a paralização da obra. Achei muito importante o apoio dos artistas e dos estrangeiros e admiro muito a nossa “ilustríssima querida presidenta” por apoiar uma obra tão covarde e tão agressiva ao nosso próprio meio!!

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