Êxodo e miséria… artigo de Nelson Tembra
[EcoDebate] Sobre a matéria “Programa planta êxodo e colhe miséria” publicada na grande mídia, tenho o entendimento de que os problemas nela apontados são crônicos e decorrem da associação de vários fatores.
A reportagem informa que “ao contrário do que planejava” o governo federal, o cultivo de palma de óleo no município de Tomé-Açú, na região nordeste do Pará, está arrancando o produtor do campo e germinando uma série de mazelas na zona urbana da região.
O ministro do Desenvolvimento Agrário lançou, em abril do ano passado, junto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Tomé-Açu (PA), na comunidade de Quatro Bocas, um plano de estímulo ao plantio de dendê (palma), de múltiplos usos industriais, cuja demanda mundial triplicou nos últimos dez anos.
Em iniciativa inédita, foi lançado um conjunto de ações para disciplinar a expansão do cultivo de óleo de dendê no território brasileiro, que inclui medidas de contenção da expansão desordenada do dendê por meio de um zoneamento agro ecológico e controle por satélite sobre o plantio, mesmo em áreas desmatadas legalmente após 2008.
Para o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo no Brasil, o Governo Federal criou uma linha de crédito, o Pronaf-Eco, para agricultores enquadrados no Programa Nacional de Agricultura Familiar – MDA, com juros de 2% ao ano em até 14 anos e carência de seis anos.
Quando foi idealizado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo ganhou diretrizes que deveriam beneficiar a economia familiar e estimular a parceria entre grandes grupos empresariais e milhares de agricultores possuidores de pequenas propriedades rurais, estabelecendo um protocolo socioambiental para produção de palma de óleo no Estado no qual se busca a integração da agricultura familiar entre pequenos, médios e grandes produtores.
Ironicamente, segundo o secretário de Projetos Estratégicos do Pará do governo de Ana Júlia Carepa (PT), Marcílio Monteiro, o projeto seria realizado no Pará “porque o estado construiu uma base sólida para isso”. Na cerimônia de lançamento do programa, a governadora Ana Júlia Carepa entregou mil certificados a pequenos produtores rurais da região, e a estimativa do governo paraense era de efetivar 30 mil certificados num período de três meses.
Porém, após um ano do lançamento do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Tomé-Açú acusa que grande parte dos agricultores locais desistiu dos projetos e venderam suas terras para atravessadores “espertalhões” a “preço de banana”, os quais revenderam essas terras a preços de mercado para uma grande “bioempresa” que tem endereço certo, sendo os pequenos agricultores, “esmagados pelo sistema”, obrigados a ir morar nas zonas periféricas do município, acarretando uma série de problemas como o aumento da marginalidade, a prostituição, tráfico de drogas, violência, aumento na demanda por serviços públicos etc.
Não é a primeira vez que ocorrem problemas de efeito contrário ao desejado em programas do governo. Se os agricultores estão abandonando o projeto e vendendo as suas terras, é porque algo está errado. Talvez não estejam satisfeitos por não estarem conseguindo sobreviver, e isso pode ser ocasionado por vários fatores, como a falta de vocação dos próprios colonos para o trabalho; ou por falhas no processo de seleção dos mesmos para adesão ao programa; ou por falhas no planejamento dos projetos, ou por todos estes fatores concomitantemente.
Podem aderir ao programa pessoas físicas enquadradas como agricultores familiares do Pronaf, desde que apresentem proposta ou projeto técnico para investimento em silvicultura, entendendo-se por silvicultura o ato de implantar ou manter povoamentos florestais geradores de diferentes produtos, madeireiros e não madeireiros, e a adoção de práticas conservacionistas e de correção da acidez e fertilidade do solo, visando à sua recuperação e melhoramento da capacidade produtiva.
A produção de cachos para processamento do óleo não é rentável até o quinto ou sexto ano, portanto, são necessários créditos especiais para sustentar essas famílias durante este período. O Pronaf-Eco não contempla culturas de subsistência de ciclo curto, mas outros programas do próprio BNDES poderiam suprir essas necessidades, que, se não foram, deveriam ter sido consideradas.
Por outro lado, não podemos esquecer-nos do processo de especulação política eleitoral que pode ter facilitado a adesão de certos “produtores” não qualificados aos objetivos do programa, além da falta de capacidade gerencial, e da incorreta aplicação ou desvio dos recursos destinados às atividades dos projetos.
O fato é que produtores continuam enfrentando sérias dificuldades para desenvolver projetos em suas pequenas propriedades, mesmo com o crescimento expressivo dos recursos destinados a esse segmento da economia, e os que conseguem financiamento esbarram na falta de acompanhamento técnico para desenvolver as atividades e o que antes parecia ser a esperança de obter lucro e melhoria na qualidade de vida acaba se transformando em dívida que dificilmente se consegue pagar, sujando o nome na praça e não conseguindo mais financiamento em lugar nenhum.
Os órgãos oficiais de assistência técnica explicam que apesar dos investimentos na área, ainda necessitam de mais recursos e do aumento no número de técnicos agrícolas para atender à crescente demanda dos pequenos produtores.
Há de ser modificado o perfil clássico, no qual, ao que parece, os maiores beneficiários dos volumosos recursos destinados ao financiamento da agricultura familiar acabam sendo alguns fornecedores de serviços ou materiais e insumos agropecuários, como sementes, adubos, defensivos, ferramentas, máquinas, etc, os quais obtêm das vendas realizadas aos projetos “tutelados” o pagamento garantido pelo agente repassador dos recursos.
Ao pobre agricultor, via de regra, resta ficar no desespero, com o compromisso de pagar o financiamento ou perder a sua área hipotecada e ficar com o nome sujo na praça pelo resto da vida, ou vendê-la pelo preço que conseguir, não importa a quem, sejam gregos ou troianos. Podem alegar como justificativa para o fracasso, além de deficiências na assistência técnica, a má concepção e o mal dimensionamento de projetos inviáveis e impagáveis, pré-fabricados em série a partir de matrizes pré-definidas, somente para cumprir tabela ou para fins meramente eleitorais.
Nelson Tembra, Belém/Pa, Eng. Agrônomo, é colaborador do EcoDebate.
Artigo originalmente publicado no Blog do Nelson Tembra.
EcoDebate, 08/04/2011
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