Nuclear em análise em todo o mundo menos no Brasil, artigo de Sérgio Abranches
[Ecopolítica]Na Europa todos os países estão reexaminando seus programas nucleares e as usinas em operação. No EUA, o Congresso está fazendo audiências públicas sobre segurança nuclear no país e o que fazer com as usinas existentes e com o programa de implantação de novas usinas.
No EUA onde política pública é coisa levada a sério e faz parte do orçamento. que é compulsório, todas as questões de interesse coletivo são objeto de análise e debate no parlamento. Não precisa ser parlamentarista para fazer isso. No Congresso do EUA isso acontece nas várias comissões, em particular na comissão responsável pela alocação de verbas e avaliação do desempenho orçamentário, nas duas Casas. Um bom exemplo foi a audiência recente da subcomissão de Energia e Água da Comissão de Alocações Orçamentárias do Senado sobre as implicações do acidente de Fukushima. Os senadores ouviram depoimentos de executivos e especialistas em energia nuclear durante todo um dia.
Na audiência ficou claro que as lideranças – empresariais e científicas – compartilham largamente a ideia de que a energia nuclear tem que ser seriamente reavaliada e provavelmente implementar mudanças importantes, mesmo que isso implique em atraso na implantação de novas usinas. Nos depoimentos tanto de executivos de empresas que administraram reatores, quanto de reguladores e cientistas todos concordaram que, embora a energia nuclear tenha se mostrado segura e confiável, é preciso rever seus protocolos de segurança, projetos de engenharia e processos operacionais. Considera-se, inclusive, razoável, se as revisões considerarem necessário, o relicenciamento de usinas em operação, para que se conformem aos novos protocolos, e o reexame dos planos de engenharia e processos operacionais das que estão para ser construídas, com o mesmo objetivo.
“As usinas nucleares do EUA são seguras. Mas não podemos ser complacentes em relação ao acidente de Fukushima”, disse William Levis, presidente e CEO da PSEG Power, empresa que opera cinco reatores em dois estados do país. Segundo ele, o ambiente mudou e o custo em confiança do público e credibilidade derivados de erros é altíssimo. Disse, ainda que a indústria investiu US$ 6.5 bilhões para modernizar as usinas, o que ajuda a mitigar os riscos de acidentes como os de Fukushima. Mas isso não significa que não se deva reexaminar toda a operação nuclear do país. Levi não depôs apenas em nome próprio ou de sua empresa. Falou, também, como porta-voz do Instituto de Energia Nuclear, o think thank da indústria nuclear do país.
O engenheiro nuclear e especialista em segurança nuclear, David Lochbaum, hoje diretor do projeto de segurança nuclear da Union of Concerned Scientists, uma ONG de cientistas dedicada a questões ambientais e de segurança coletiva, disse que a questão crítica no EUA é o depósito de resíduos radioativos, o combustível usado. Hoje, como no Brasil, eles são depositados em abrigos construídos no sítio da própria usina o que, para ele, significa um risco insustentável. Há, também, diz ele, demora na transferência do combustível usado das piscinas no interior dos reatores, para os abrigos. “Falhamos completamente na gestão do risco de guardar combustível irradiado nas plantas nucleares”, disse. Ele recomenda como medida imediata a aceleração da transferência do combustível das piscinas para os abrigos secos construídos no próprio local e a formulação de política para abrigo externo seguro para o combustível nuclear. Lochbaum é favorável à construção de um abrigo permanente centralizado longe das usinas.
Ernest Moniz, diretor da Iniciativa em Energia do MIT disse que depois de Fukushima o custo de operação de reatores nucleares vai aumentar, refletindo novos requisitos de gestão, no local, do combustível usado. Ele também espera que o relicenciamento de usinas mais antigas requeira avaliação mais extensa e profunda, que será mais demorada. Plantas antigas já relicenciadas podem vir a ser reavaliadas nesse processo, diz. Ele imagina que, em muitos casos, os protocolos de segurança, a engenharia e os processos sejam considerados suficientemente seguros. Em vários outros, porém, mudanças serão necessárias. “A decisão será planta a planta.”
No Brasil, tudo é diferente. Não se leva a sério os riscos e se trata a questão como merecendo apenas uma declaração evasiva e mal informada do ministro das Minas e Energia. O ministro Edson Lobão, que já havia dito, na ocasião do acidente de Fukushima, que não nos devíamos preocupar, porque nossa tecnologia é melhor que a japonesa e por isso não precisávamos avaliar nossos protocolos, agora diz que relaxar as condições de licenciamento de Angra 3 não afeta a segurança.
A usina recebeu licença para instalação sem cumprir as exigências estabelecidas pela licença prévia. Isso em si já é uma séria irregularidade. O grave é que as condições tinham por objetivo garantir uma via segura para evacuação da população em caso de emergência ou acidente e prover recursos para a preservação de duas unidades de conservação que, além de proteger a biodiversidade, servem como áreas de amortecimento no caso de acidentes. Uma delas impede, também, a ocupação de áreas próximas à usina.
Mas o ministro, que sempre revela pouca intimidade com os assuntos de sua pasta e jamais consegue lhes dar o tratamento sério que exigem, tem a dizer muito pouco à população.
Sobre o afrouxamento das condições, o ministro consegue produzir esse primor de tergiversação, para usar um termo caro à presidente Dilma Rousseff: “foram feitas algumas evoluções, no que diz respeito à avaliação das condições de licenciamento” para construção da Usina Nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ), ao longo dos 20 anos de existência do projeto.
Mas, conforta a população afirmando que “não se fará nada para romper padrões ou limites de segurança. Tudo que se fará em Angra 3 estará rigorosamente dentro dos padrões de segurança e de produção de energia”. Menos esclarecedor impossível.
O problema é o que já se fez, obviamente, e não o que ainda se fará. A ausência de fortes medidas para revisão do programa nuclear e reavaliação das usinas em operação já constitui um risco grave em si mesma.
Outras pérolas do ministro.
Sobre risco tem apenas a dizer o seguinte:
“A população não precisa ter a menor preocupação quanto aos cuidados em relação às usinas”.
Sobre o licenciamento irregular:
“O licenciamento vai evoluindo nas suas condições.”
“Não se está dispensando obrigações que devem ser observadas. Não há nenhuma dispensa que possa causar prejuízos ou danos à segurança das usinas. Nós pretendemos manter a segurança como ponto número 1 e ponto fundamental.”
É claro que a população deve ficar muito preocupada, ao contrário do que diz o ministro. Principalmente com o tratamento dado por ele a assunto de tamanha gravidade. É claro que afrouxar a condição de fazer uma estrada adequada entre Paraty e Cunha para servir de via de escape para a população tem a ver com rebaixamento da segurança. Quem conhece as estradas Angra-Rio e Paraty-Cunha sabe que elas não são adequadas a uma evacuação de emergência, especialmente se ela acontecer em finais de semana ou feriados, quando a população presente aumenta exponencialmente.
A própria leveza com que o governo está tratando dessa questão já é sinal de risco elevado. O risco político é um dos componentes mais letais de acidentes em instalações de alto risco.
O que já deveria ter acontecido? Audiências com cientistas e especialistas sobre a segurança das usinas; com os responsáveis pela área nuclear sobre as medidas de precaução adotadas após o desastre de Fukushima, como está ocorrendo em todo o mundo; investigação, de preferência no Congresso, sobre porque funcionários do setor nuclear dizem ser necessária uma agência regulatória independente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN.
O governo já deveria ter constituído uma comissão de cientistas, engenheiros nucleares, especialistas em segurança nuclear e em risco para avaliar, com autonomia, o programa nuclear brasileiro, as condições de licenciamento da usinas e propor medidas adicionais de segurança, critérios de licenciamento, avaliação periódica mais profunda da segurança das usinas, protocolos suplementares e disposição dos resíduos radiativos.
Sérgio Abranches, PhD, cientista político, é pesquisador independente sobre Ecopolítica, a relação entre o desenvolvimento econômico, o progresso social e o meio ambiente, com ênfase na mudança climática e na Amazônia. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica. É co-fundador de O Eco, agência de notícias ambientais apoiada pelas fundações Avina e Hewlett, dedicada a ampliar a pauta ambiental na imprensa e treinar jovens jornalistas na cobertura sobre meio ambiente no Brasil. Manteve uma coluna sobre questões ambientais, segurança energética e mudança climática em O Eco por seis anos. É colaborador do blog The Great Energy Challenge, uma parceria entre o Planet Forward e a National Geographic. É autor de Copenhague: Antes e Depois, Civilização Brasileira, 2010, sobre a política global do clima. A matéria sobre os Muriquis da Reserva Montes Claros, Caratinga, MG, em co-autoria com a colunista de O Globo, Miriam Leitão, e publicado simultaneamente em O Globo e O Eco, recebeu o prêmio de jornalismo ambiental da SOS Mata Atlântica.
Artigo originalmente publicado no Blog Ecopolítica.
EcoDebate, 07/04/2011
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