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Artigo

A justiça e a governança ambiental, artigo de Haide Maria Hupffer e Roberto Naime

[EcoDebate] Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas a partir do relacionamento de acionistas ou cotistas com o conselho de administração, a diretoria executiva, a auditoria independente e o conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa tem a finalidade de aumentar o valor percebido da organização junto à sociedade, facilitando a obtenção de capital e contribuindo para a perenidade da organização (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2010).

Atualmente todos os empregados, clientes, fornecedores, credores, governo e acionistas se sentem partes interessadas (“stakeholders”) da operação de um empreendimento e devem ter seus interesses legítimos respeitados tanto através do cumprimento da legislação quanto pela adesão voluntária das organizações a práticas ou protocolos que considerem estes interesses.

A governança ambiental mais do que um conceito é uma prática que visa compatibilizar de forma permanente, os interesses de todas as partes na manutenção de um meio ambiente sadio conforme preconiza o artigo 225 da constituição federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. O dispositivo constitucional revela uma transformação radical sobre o modo de implementação da participação no processo de tomada de decisões no Direito ao introduzir a governança ambiental como processo de participação cidadã. É a expressão de uma vontade de participação no processo de produção de decisões complexas, independente de interpretações técnicas, semânticas ou jurisdicionais do que a Constituição entende por ecologicamente equilibrado.

A gestão ambiental mais do que outras atividades do empreendimento e mais do que qualquer outro produto ou serviço considerado, é o item que mais envolve as ditas “partes interessadas”. Na ausência de mecanismos institucionais de relacionamento social normatizado entre empreendedores e partes interessadas, tem cabido às diversas instâncias e órgãos do judiciário operacionalizar e efetivar a mediação social que traduz a necessidade de implantação da governança ambiental.

É a justiça que sempre é chamada a intervir quando ocorrem conflitos nos usos e ocupações de solo, na utilização dos recursos hídricos, na execução e compatibilização de empreendimentos de interesse antrópico geral como pontes, estradas, barragens, viadutos ou shoppings centers.

Na falta de normas hipotéticas que prevejam espécies de suporte fático que simulem situações de conflitos normais decorrentes de interesses ambientais diversos, os conflitos se tornam “law cases”. E diante da ausência de normas jurídicas que incidam sobre suportes fáticos decorrentes de interesses conflitantes em casos ambientais, acabam se gerando impasses.

Situações que geralmente são muito complexas porque não envolvem interpretações de normas e sim compatibilizações de interesses multifatoriais decorrentes de interações entre uma quantidade enorme de fatores dos meios físico (rochas, solos, águas superficiais, águas subterrâneas, geomorfologia, climas, etc), meio biológico (flora, fauna, ecossistemas, biodiversidade, etc) e fatores antrópicos (ecodesign com análise do ciclo de vida de produtos, eficiência energética, otimização do uso de recursos hídricos, tratamentos de água, efluentes ou esgotos, gestão de resíduos sólidos, monitoramentos atmosféricos e responsabilidade socioambiental) exigem conhecimento inter/multi/transdisciplinar para tomada de decisões intergeracionais e transterritoriais. Todas estas dimensões ambientais do meio antrópico, ocorrem nos setores primário (agricultura e pecuária), secundário (serviços) e terciário (comércio e serviços) da economia.

As listas poderiam ser mais extensas, mas são suficientes para dimensionar o tamanho da complexidade das questões ambientais e dimensionar as dificuldades que realmente se apresentam na criação de legislações específicas.

Então tem cabido aos juízes, promotores e demais operadores do direito a função de exercerem o papel de governança ambiental na sociedade, legitimando e ouvindo todas as partes interessadas e buscando compatibilizações para as situações de conflito, preservando o meio ambiente e os interesses de todas as partes interessadas.

Dra. Haide Maria Hupffer e Dr. Roberto Naime, colunista do Ecodebate, são integrantes do Corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale

EcoDebate, 31/03/2011

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