Índice indica vulnerabilidade de municípios fluminenses às mudanças climáticas
Como os municípios do Rio de Janeiro estão se preparando para essas mudanças e qual o grau de exposição de cada um nos próximos 30 anos? Para responder a estas perguntas, a Fiocruz fez um estudo encomendado pela Secretaria Estadual de Ambiente e o Inea
Se até 2040 o panorama climático do planeta se mantiver no rumo atual, com a continuada liberação de gás carbônico na atmosfera, especialistas acreditam que diversas mudanças climáticas podem acontecer, como alterações nos índices pluviométricos e na temperatura. Como os municípios do Rio de Janeiro estão se preparando para esta possibilidade e qual o grau de exposição de cada um deles nos próximos 30 anos? Para responder a estas perguntas, a Fiocruz desenvolveu um estudo encomendado pela Secretaria Estadual de Ambiente e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio de Janeiro. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e a Fiocruz Minas, integram a iniciativa.
O coordenador técnico do projeto, Ulisses Confalonieri, defendeu a importância da adoção de indicadores capazes de retratar a realidade de cada região, sem apresentar um grau de complexidade que inviabilize a sua utilização na gestão pública (Foto: Gutemberg Brito) |
O relatório final do projeto Mapa de Vulnerabilidade da População do Estado do Rio de Janeiro aos Impactos das Mudanças Climáticas nas Áreas Social, Saúde e Ambiental, que apresenta os municípios mais e menos vulneráveis às mudanças climáticas, foi lançado na quinta-feira (24/3), em oficina que contou com a presença do Secretário Estadual do Meio Ambiente, Carlos Minc, da diretora do IOC, Tania Araújo-Jorge, e do representante da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, José Paulo Vicente da Silva, além da equipe do projeto.
O trabalho criou um cálculo do índice de vulnerabilidade municipal cujo cálculo leva em consideração componentes de saúde, ambiente e sociais, como números de casos de doenças infecciosas influenciadas pelo clima, renda e acesso da população a trabalho e habitação, além das características de cobertura vegetal e da fauna de cada um dos 92 municípios do estado. O objetivo do projeto foi indicar a vulnerabilidade e a exposição de cada um deles às mudanças climáticas previstas para os próximos 30 anos, considerando um cenário pior e outro melhor. Dentre os principais resultados encontrados, o estudo apontou a macrorregião Metropolitana e seu entorno como a mais vulnerável, em especial pelo elevado número de casos de dengue e pelas mortes ocasionadas por enchentes e deslizamentos de terra. Municípios da chamada Costa Verde, como Angra dos Reis e Paraty, por sua vez, destacam-se pela grande vulnerabilidade ambiental.
Orientação de políticas públicas
Para o secretário do Meio Ambiente, o projeto representa uma aproximação da teoria com a realidade municipal, fundamental para estimular as prefeituras a aturem na resolução de problemas. “Não é um estudo sobre a extinção de ursos polares e nem sobre o derretimento de geleiras a milhares de quilômetros, daqui a cem anos. É sobre os nossos municípios, daqui a poucas décadas”, frisou Minc, durante a mesa de abertura do evento. “É um projeto revolucionário porque traz os aspectos sociais e da saúde para o debate sobre o clima, mostrando os possíveis impactos das mudanças climáticas na ocorrência de doenças, na desestruturação do emprego, na fragilização das populações. Isso vai ajudar a mobilizar prefeitos, profissionais de saúde, sindicatos e a própria sociedade para uma aproximação fundamental com o tema”.
Os indicadores municipais levaram em consideração aspectos da epidemiologia de doenças, acesso a educação, emprego e moradia e características ambientais de cada região, sob o impacto de cenários climáticos possíveis para os próximos 30 anos |
Na mesma mesa, a diretora do IOC lembrou que o projeto é mais um marco na adaptação do Instituto às questões do século 21. “Os desafios desse século são de outra natureza em relação àqueles enfrentados por Oswaldo Cruz. É fundamental abordarmos a questão ambiental quando pensamos nos problemas de saúde atuais e das próximas décadas”, defendeu Tania. “Além de projetos como este, coordenamos ações de pesquisa em áreas de Mata Atlântica no Rio de Janeiro e na Ilha Grande e em diversos municípios do Rio, além de oferecermos uma recém-criada pós-graduação em biodiversidade e saúde, para formar mestres e doutores nesta temática, com projetos importantes como este que Martha coordena”.
A pesquisadora do IOC Martha Barata, coordenadora-geral do projeto, ressaltou a importância de desenvolver indicadores simples e acessíveis para aplicação na gestão dos municípios. “É preciso um equilíbrio entre a quantidade de variáveis consideradas, para que não se percam dados relevantes e nem seja complexo demais para ser útil à gestão pública”, explicou Martha. “O mapeamento que desenvolvemos procurou abordar os aspectos mais relevantes de cada indicador, projetados para médio prazo, ainda próximo da realidade dos gestores. A metodologia e os dados obtidos poderão, no entanto, ser atualizados futuramente, assim como os indicadores observados poderão ser aprimorados”.
Mapas de vulnerabilidade
O índice de vulnerabilidade municipal proposto pelo estudo é definido a partir de três componentes (vulnerabilidade da saúde, da família e do ambiente), cada uma variando entre 0 (o melhor cenário, comparativamente) e 1 (o pior). Os indicadores são combinados e projetados em cenários climáticos possíveis para o período de 2010 a 2040, gerando os índices de vulnerabilidade municipal finais, que também variam de 0 a 1.
A vulnerabilidade da saúde é estimada a partir de dados oficiais do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre a morbidade relativa a três doenças presentes de forma endêmico-epidêmica no estado (dengue, leptospirose, leishmaniose) e pela mortalidade causada por diarreia em crianças de menos de 5 anos. O índice de vulnerabilidade social da família, baseado em dados do Censo Demográfico 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), engloba uma série de fatores coletivos e contextuais – como estrutura familiar, acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, renda, desenvolvimento infanto-juvenil e condições habitacionais – para identificar municípios onde os grupos sociais tenham menor capacidade de reagir a adversidades e a possíveis impactos das mudanças do clima.
O terceiro índice, que contempla a vulnerabilidade ambiental, considera as características de sistemas biofísicos suscetíveis aos efeitos do clima. Entre os indicadores avaliados estão cobertura vegetal, conservação da biodiversidade e eventos hidrometeorológicos extremos (como mortes relacionadas a chuvas e enchentes, conforme registro da Defesa Civil). “Com espécies e ecossistemas mais variados, municípios como Angra dos Reis e Rio de Janeiro são mais sensíveis e pequenas mudanças podem significar perdas maiores de biodiversidade”, explica Martha. “A região serrana, onde a mortalidade relacionada a enchentes e deslizamentos é grande, também apresenta índice elevado nessa categoria”.
Para a geração do índice municipal, estes três componentes são combinados com cenários de perspectivas futuras. É levada em consideração a diferença esperada de temperatura e precipitação entre o clima atual (definido com base no intervalo de 1960 a 1990) e os cenários futuros entre 2010 e 2040 (baseados em possíveis modelos climáticos definidos pelo IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
A pesquisa desenvolveu mapas de vulnerabilidade baseados no cenário mais pessimista – característico de um mundo futuro de crescimento econômico muito rápido, com reduções apenas medianas na utilização de combustíveis fósseis e na emissão de gases poluidores na atmosfera. “Para este cenário, o índice apontou um conjunto de municípios da macrorregião Metropolitana e seu entorno como o mais suscetível de sofrer maiores impactos do clima no futuro”, afirmou Martha. “Este conjunto de informações agregadas permite a identificação deste hotspot metropolitano, mas os indicadores parciais também podem ser utilizados para a orientação de políticas setoriais, sejam de saúde, socioeconômicas ou de proteção ambiental”, destacou.
A diretora do IOC ressaltou a importância do Instituto coordenar um estudo gerador de ferramentas para a gestão pública do risco sanitário e ambiental, contribuindo de modo decisivo para a consolidação da parceria da Secretaria Estadual de Ambiente do Rio de Janeiro com o IOC/Fiocruz. “Quando Martha Barata, nossa economista especialista em planejamento estratégico, nos pediu maior tempo para se dedicar ao que um doutor é capaz de fazer bem, pesquisar e se dedicar a solucionar problemas reais presentes na sociedade, sabíamos que estaríamos ganhando uma assessoria estratégica de alto nível para abordar a questão das políticas públicas no tema do ambiente. Hoje podemos nos orgulhar do relatório do projeto apresentado e disponibilizado na internet pela Secretaria Estadual de Ambiente, que o encomendou e financiou”, concluiu.
Reportagem de Marcelo Garcia, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 30/03/2011
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