Belo Monte e seus impactos sobre os povos indígenas. Entrevista com Ricardo Verdum
Além de todos os impactos ambientais apontados por ambientalistas, Belo Monte também poderá acentuar casos de prostituição na região de Altamira, alerta Verdum. Segundo ele, dez mil homens estão assentados, “imobilizados no canteiro de obras, e isso cria uma série de tensões e pressões, principalmente sobre as mulheres, não só nas cidades próximas, mas também mulheres indígenas e agricultoras. Elas são vítimas muito frequentes neste tipo de situação”.
Assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Ricardo Verdum participou do seminário que ocorreu recentemente em Brasília para discutir as obras de Belo Monte e os impactos que a usina causará nas comunidades indígenas que vivem no Xingu. Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, ele conta que representantes da Funai e do Ibama, “órgãos do governo federal diretamente envolvidos no processo de licenciamento, que foi emitido no dia 26 de janeiro, não compareceram”.
Na avaliação do pesquisador, a população indígena ainda “é bastante dispersa. Por isso é necessário um trabalho permanente muito forte de discussão, informação, articulação”.
Ricardo Verdum é doutor em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais foram os principais pontos discutidos no encontro em Brasília sobre a hidrelétrica de Belo Monte e a questão indígena?
Ricardo Verdum – Em primeiro lugar, a não observância da consulta que deveria ter sido realizada de forma qualificada com os indígenas, que serão os principais afetados pela hidrelétrica de Belo Monte, seja pelo desvio do rio, que desencadeará uma série de problemas, como também pelos efeitos do processo de ocupação que será gerado por trabalhadores e outras pessoas que se deslocarão para aquela região atrás de emprego. Isso tem gerado tensões em torno da terra, dos recursos naturais, pressões sobre os territórios indígenas, conflitos de interesses. Essa observância dos procedimentos de consulta de consentimento prévio, que está estabelecida em capítulos específicos da Constituição brasileira e também na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas assinada pelas Nações Unidas, não foi seguida.
Para o Seminário foram convidados representantes da Funai e do Ibama, que são os dois órgãos do governo federal diretamente envolvidos no processo de licenciamento que foi emitido no dia 26 de janeiro, mas não compareceram. Como representante governamental compareceu apenas um integrante da secretaria geral da Presidência da República, mas não se posicionou sobre o licenciamento. Os órgãos que deveriam estar lá não enviaram representantes.
IHU On-Line – A mobilização alcançada pelos indígenas contra Belo Monte é significativa ou ainda falta um trabalho mais forte em conjunto entre grupos étnicos e associações?
Ricardo Verdum – É necessário um trabalho mais forte. Dada a pressão que existe na região por parte dos empreendedores que estão visitando indígenas e ribeirinhos e por parte da Funai e do Ibama, dizendo que as populações serão compensadas, que haverá investimentos nas áreas de saúde, educação, produção. Além disso, a população é bastante dispersa. Por isso é necessário um trabalho permanente muito forte de discussão, informação, articulação. O próprio movimento indígena tem de ser fortalecido em suas formas tradicionais e nas mais modernas de organização para que coloquem em destaque seu ponto de vista, o desenvolvimento que querem para aquela região ou, pelo menos, para seus territórios.
IHU On-Line – Em que aspectos a obra trará riscos aos direitos indígenas?
Ricardo Verdum – Há grandes pressões sobre os territórios indígenas já demarcados e homologados. O canteiro de obras e o lago que será formado não chegam a se sobrepor aos territórios. Porém, na medida em que haverá impacto sobre o rio e sobre o pescado, criará obstáculos para o fluxo da pesca e para a reprodução dos peixes. A população daquela região depende muito do rio, que é uma grande fonte alimentar. Além disso, existe também um povo bastante isolado naquela região, para o qual a Funai já criou um grupo de trabalho específico e que atuará preventivamente. Todavia, dado o tamanho do impacto naquela região, com a ocupação e deslocamento de pessoas e a construção de estradas, esse grupo será muito afetado.
Embora estejam previstos investimentos na área de saúde e apoio à produção, não se sabe exatamente o que será feito, nem como. A população indígena, que é o objeto das condicionantes, dos investimentos que o empreendedor terá de fazer para mitigar os impactos, não tem sido ouvida adequadamente. Há uma série de vazios nas informações. Pessoas com as quais temos contato informam que sabem muito pouco sobre o que irá acontecer e relatam sobre uma atuação bastante precária da Funai naquela região.
IHU On-Line – Que grupos étnicos indígenas serão prejudicados por Belo Monte? Quais são as características dessas tribos?
Ricardo Verdum – Naquela região há cerca de oito grupos étnicos. Os que mais têm se movimentado são os kayapó. Mas basicamente todos os povos que estão na calha principal do rio Xingu serão, de alguma forma, impactados. Além dos kayapó, há os arara, arareute, apidereula, juruna e maracanã.
IHU On-Line – Quais serão os impactos de Belo Monte à cultura dos indígenas?
Ricardo Verdum – Alguns grupos étnicos estão mais distantes do rio Xingu e sofrerão impactos mais indiretos, relacionado ao pescado. Outros estão bem próximos ao canteiro de obras e serão bastante influenciados, atraídos pelo movimento. Alguns irão até trabalhar como funcionários. Outro impacto, caso não haja cuidado rígido, diz respeito à prostituição. São dez mil homens assentados, imobilizados no canteiro de obras, e isso cria uma série de tensões e pressões, principalmente sobre as mulheres, não só nas cidades próximas, como Altamira, mas também mulheres indígenas e agricultoras. Elas são vítimas muito frequentes neste tipo de situação. Não são apenas os indígenas prejudicados. Há uma série de comunidades de ribeirinhos, agricultores familiares que estão naquela região e que, se não forem deslocados, serão pressionados de alguma forma.
IHU On-Line – Durante a análise dos impactos de Belo Monte faltaram estudos antropológicos na região que será atingida pela obra?
Ricardo Verdum – Faltaram estudos e consultas às populações. A Funai apresentou alguns estudos, mas apontam uma série de problemas. Tanto que, internamente, quando seriam encaminhados os estudos prévios que embasaram a decisão do presidente da Funai, alguns funcionários manifestaram formalmente, através de documentos, que, como estavam sendo implementados as condicionantes, existia grande risco para as populações. Ou seja, inclusive internamente há uma crítica à qualidade dos estudos realizados. Assim como a Associação Brasileira de Antropologia, que congrega os principais antropólogos do país, também está insatisfeita com os estudos e com a licença prévia concedida.
IHU On-Line – Belo Monte é mais uma etapa de um descaso histórico com a riqueza cultural indígena?
Ricardo Verdum – É mais uma manifestação do que chamamos de colonialismo interno, expansão do processo de ocupação dessa região pela economia capitalista. É uma expansão geográfica que está chegando àquela região com um grande projeto e impactos significativos. Mas esse processo não se dá isolado, está conectado com um plano maior de ocupação, de geração de energia, principalmente para o setor mineral.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o posicionamento da Funai no caso de Belo Monte?
Ricardo Verdum – O que temos visto é um papel bastante aquém do qual deveria ter como um órgão de defesa dos direitos dos povos indígenas. Tanto é que se manifestou à revelia das avaliações, não só internas, mas também da Associação Brasileira de Antropologia e das associações indígenas. Deveria ter se posicionado ao lado desses setores, com uma forma crítica ao empreendimento. A Funai tem hoje uma visão bastante complicada; ela inicia avaliando quanto custará o serviço de mitigação dos impactos. Esse deveria ser o segundo passo. As primeiras perguntas deveriam ser: a população será efetivamente impactada ? Qual é o posicionamento do órgão?
(Ecodebate, 23/02/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Os Kayapós tem uma população estimada de aproximadamente 7100 índios, e eles possuem de reservas já homologadas aproximadamente 13038358ha o que dá uma área por índio de 1837ha/índio, ou seja uma família de pai e mãe mais um filho possuem em média 5500ha, ou seja uma área formada de um quadrado de 7,5km de lado para cada família.
Realmente se eles perderem 1% desta área para produzir energia para 10milhões de brasileiros eles vão ficar muito mal.
Sr. Rogério, além de sádico, perece totalmente desinformado. Leia mais, se informe sobre indústrias chinesas e americanas que manufaturariam o alumínio para leva-lo pronto, e pelo que sei, consumiriam 80% da energia que dizem produzir nesta criminosa e fora da lei usina, que a construçào, seria paga por nós, brasileiros. 10 milhões de brasileiros….. Onde tirou isso??? Com todo respeito, se quer ter opinião com credibilidade, estude o assunto.