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Cáritas lamenta que persista mito de produtividade ligada a agrotóxico

Luiz Cláudio Mandela, coordenador da Cáritas brasileira, entende que as recentes confirmações do excessivo uso de agrotóxico no Brasil demonstram que o país não superou o mito de que tais substâncias são fundamentais para garantir uma boa produção. Reportagem de João Peres, Rede Brasil Atual.

Pesquisa divulgada em janeiro pelo Ibama mostra que 88% dos agrotóxicos consumidos no país têm as classificações “altamente perigoso”, “muito perigoso” e “perigoso”. O instituto, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, entende que a demanda por produtividade é a principal responsável pelo aumento da aplicação destas substâncias, nas quais o Brasil é líder mundial. O aumento das áreas cultivadas de soja e milho, por exemplo, força a uma ampliação do uso.

Mandela acredita que não foi superada a ideia criada durante a chamada Revolução Verde, das décadas de 1960 e 1970, que pregava a mecanização e o uso de defensivos agrícolas para assegurar a produção de alimentos em quantidade suficiente para abastecer o mercado mundial. O ativista entende que a agricultura familiar tem desmentido essa tese. “A perspectiva agroecológica deve ser a base para a constituição de uma política de segurança nutricional e alimentar para o Brasil”, adverte.

A afirmação é reforçada pelos dados do Censo Agropecuário do IBGE, referência no setor. Pela primeira vez, o levantamento dedicou espaço exclusivo à agricultura familiar. As unidades menores foram responsáveis, em 2006, por 87% da produção de mandioca, 70% da produção de feijão e 46% da de milho, apesar de ocupar apenas 24% da área dos estabelecimentos agropecuários brasileiros e de aplicarem quantidade muito menor de agrotóxico.

Mandela avalia que o uso de sementes modificadas geneticamente também está por trás do aumento da aplicação destas substâncias. Inicialmente, os transgênicos prometiam entregar maior produtividade com menos uso de defensivos agrícolas. Mas, com o passar dos anos, à medida em que aumenta a área cultivada com transgênicos no Brasil, a aplicação de herbicidas e inseticidas cresce fortemente.

“Para que uma mesma semente consiga produzir em alta escala em qualquer bioma, cria-se a necessidade de atuar também no solo. Também há a introdução de novos agroquímicos para dar conta de fungos e insetos daquele meio em que uma semente exótica está sendo introduzida.”

Restrições

No Brasil, a venda de agrotóxicos está regida por um receituário parecido ao de medicamentos. Decreto presidencial de janeiro de 2002 estabelece que a receita, em duas vias, deve conter nome do usuário e da propriedade, diagnóstico e uma extensa recomendação técnica. Para o Ibama, esse é um dos pontos em que ainda há falhas.

“Temos com os agrotóxicos uma situação similar à que vemos com a automedicação. Com o agrotóxico, tem gente que consome sem a especificação correta, sem a indicação do técnico responsável”, avalia Márcio Freitas, coordenador geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas do instituto.

Ele pensa que o processo de liberação de novas substâncias e de revisão do uso das já liberadas é comparável ao dos países desenvolvidos. A Agricultura faz a avaliação da eficácia do produto. A Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), analisa os riscos à saúde humana. E o Meio Ambiente, com o trabalho do Ibama, estuda os impactos da substância na natureza.

A recente suspensão de várias substâncias devido aos riscos que implicavam ao meio ambiente ou à saúde humana levantou diversos protestos. Os representantes do agronegócio no Congresso e as empresas do setor defendem que apenas o Ministério da Agricultura deveria fazer a avaliação dos agrotóxicos e reclamam de rigor excessivo da Anvisa, contestada em diversas ações judiciais. “O poder do agronegócio é muito forte. Tem uma capacidade de regeneração e de reorganização de sua estrutura, e de enraizamento nos vários setores públicos, que não pode ser menosprezada”, afirma Mandela.

EcoDebate, 17/02/2011

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