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Estados e municípios privatizam SUS de diversas formas

No 2º dia do Seminário Nacional da Frente contra a privatização da saúde, uma mesa-redonda reuniu representantes dos fóruns de saúde de São Paulo, Paraná, Londrina, Rio de Janeiro, Alagoas e Rio Grande do Norte e também do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os participantes denunciaram as diversas agressões que o sistema público de saúde vem sofrendo por parte do poder público nessas regiões. O Seminário foi realizado nos dias 22 e 23 de novembro na Uerj e contou com a participação de cerca de 400 pessoas.

A representante do CNS, Ruth Bitencourt, ressaltou a importância de os movimentos se articularem para defender o Sistema Único de Saúde (SUS) e estarem vigilantes para que os conselheiros de saúde não sejam cooptados. “Evidentemente os conselhos estão muito próximos do poder. Eu ressalto muito dentro do conselho que eu sou sociedade e tenho o direito constitucional de estar lá, questionando e fiscalizando porque este é o papel do conselho”, declarou. Ruth disse também que acredita que o Conselho precisa estar na rua fazendo mobilizações e pressionando o poder público e que é preciso ganhar a opinião pública para a causa da saúde. “Antes da 14ª Conferência Nacional de Saúde, no fim do ano que vem, é muito importante que pontencializemos as discussões regionais para discutir o SUS”, destacou.

Alagoas gasta mais com rede privada do que com pública

A professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Maria Valéria Correia, do Fórum de Saúde de Alagoas relatou que em seu estado a complementariedade do SUS é invertida. “O que acontece lá é uma privatização que temos chamado de legal, porque a complementaridade é permitida pelo artigo 199 da Constituição Federal e está prevista também no artigo 24 da lei 8080, que é a lei orgânica da saúde. Mas falamos que ela é invertida porque na verdade a rede privada hoje detém, através dos convênios da venda de serviços para o SUS, mas de 60% dos recursos públicos”, denunciou.

Desta forma, segundo a professora, instituições públicas carecem de recursos enquanto o Estado privilegia as instituições privadas ditas filantrópicas. “Por exemplo, a maternidade escola Santa Mônica, que é pública, precisa ser ampliada e já há um projeto que está engavetado de desapropriação de duas casas vizinhas para ampliá-la, enquanto isso, do outro lado, se compra muitos serviços da rede privada ao invés de ampliar a rede pública. E isso não tem se dado apenas em Alagoas, mas no Brasil inteiro”, criticou.

Em Alagoas, segundo Maria Valéria, 94% da população é usuária exclusiva do sistema público de saúde. Ela relatou que também tramita na Assembléia Legislativa do estado uma lei que cria as Organizações Sociais, modelos de gestão de serviços públicos que passam a ser entregues a instituições privadas, a exemplo do que já acontece em vários estados. A professora contou que a organização dos movimentos sociais reunidos no Fórum de Saúde de Alagoas tem conseguido barrar a aprovação da lei. “Eles dizem que as Organizações Sociais são um novo modelo, mas é uma forma mascarada de privatização, porque a OS é nada mais nada menos do que uma entidade privada que assume um serviço público. Fizemos um documento nacional que se chama “Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil”. Esse documento revela que onde existe OS tem alguma medida do Ministério Público Federal ou do Ministério Público Estadual ou de ambos investigando o desvio de recurso público e isso é um grande prejuízo”, afirmou.

No Paraná, terceirizações e desrespeito ao controle social

No mesmo dia em que começou o Seminário Nacional da Frente contra a Privatização da Saúde, o município de Curitiba, no Paraná, aprovou a lei que cria as Fundações Estatais de Direito Privado que podem gerir, entre outros serviços públicos, também os de saúde. “Esta lei foi aprovada ontem, mas o Paraná já tinha um modelo de terceirização e privatização que não é nem OS nem nada. Em algumas instituições tem Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) – embora não exista lei própria – ou contratação direta de terceirização de gestão, que não segue nenhum dos modelos. Falamos que esta situação é pior do que OS porque é camuflado, não se pode vincular a terceirização do Paraná a uma pauta nacional que já existe da luta contra as OS e as Oscip, porque ela mais complexa”, descreveu o representante do Fórum Popular de Saúde do Paraná, Prentici da Silva.

Prentici denunciou que estes contratos de terceirização são feitos sem passar pelo controle social. “São feitos por convênio de gaveta e aprovadas na surdina”, questionou. Ele afirmou que, desta maneira, trabalhadores concursados e trabalhadores com contratos precarizados trabalham juntos. Os últimos sem qualquer garantia ou possibilidade de ter um plano de carreira. “Isso vai originar um serviço mais frágil à população. Quando falamos da contratação precarizada, não se trata da defesa corporativista, de estar falando apenas do interesse do trabalhador na carreira, no melhor salário, na estabilidade. Acreditamos que esses interesses – que não deixam de ser individuais do sujeito que é contratado por serviço público – também garantem o bem comum de toda a população através da estabilidade do serviço”, opinou Prentici.

São Paulo privatiza novas e antigas instituições

No início das privatizações, a lei das Organizações Sociais no estado de São Paulo dizia que apenas os novos hospitais poderiam ser geridos por OS. Mas recentemente, instituições antigas também têm sido privatizadas. “Foi aprovada uma lei no ano passado, proposta pelo governador José Serra, para que esse processo de privatização fosse ampliado para os hospitais antigos, que eram de administração direta. Logo em seguida foram entregues os hospitais Brigadeiro e o Instituto de Infectologia Emílio Ribas”, disse Ciro Maltsui, do Fórum Popular de Saúde de São Paulo.

Ciro relatou que a privatização do Instituto Emílio Ribas, por exemplo, já acontece há um tempo, mesmo antes da lei. Os serviços básicos, como o de segurança, limpeza e lavanderia, já haviam sido terceirizados.”Houve uma privatização muito danosa no Emílio Ribas, que é um hospital de infectologia, um centro de referência, que recebe pacientes de todo o país praticamente. Eles terceirizaram o laboratório e isso foi muito complicado porque o instituto necessitava de agilidade nas análises. Foi tudo terceirizado num único laboratório particular, que também é sob a forma de OS. E o pior de tudo é que a sede deste laboratório não fica nem em São Paulo, mas em Barueri, então, o resultado do exame que saía dentro de uma ou duas horas, demora às vezes um dia. Então, teve um prejuízo para a qualidade do atendimento”, afirmou. De acordo com o Fórum de São Paulo, alguns trabalhadores resistiram a essas mudanças, mas muitos sofreram assédio moral e inclusive foram realocados para outras funções e alguns até para outros hospitais. “Para coroar, a partir deste ano, toda a gestão do hospital foi transferida para uma OS”, acrescentou Ciro.

O que tem ocorrido, de acordo com o Fórum Popular de Saúde de São Paulo, é que o governo do estado está reformado as instituições antigas e entregando às OS. Foi o caso do hospital Brigadeiro, que passou a se chamar Hospital Estadual Eurícledes Hermínio. Ele desenvolvia um trabalho de referência com pacientes diabéticos, sobretudo com o tratamento de ‘pé diabético’ [uma situação típica em pacientes diabéticos], e agora se tornou um hospital de transplantes com um número menor de leitos. “A gente sabe que pé diabético não dá o mesmo ibope que transplante de órgãos. Não tenho dúvida de que transplante é importante e que existe um déficit hoje de transplante, mas não se pode cobrir a cabeça para descobrir os pés, é preciso criar um outro serviço”, comenta Ciro.

O militante relatou também que em São Paulo tem havido um processo de “quarteirização”, ou seja, o Estado terceiriza a gestão para uma OS que a assume, mas contrata uma série de outras empresas para gerir todo o serviço. “Até os serviços médicos estão sendo terceirizados. Muitas vezes, então, a OS acaba negociando, por exemplo, com a cooperativa de anestesistas, o que significa uma quarteirização do serviço fim, que é o serviço médico”, destacou. Desta forma, de acordo com Ciro, prevalece a produtividade do ponto de vista empresarial e não há nada garantindo a qualidade do atendimento. “O que eles cobram são números, tantas cirurgias e tantos atendimentos por mês, e se não atingir não recebem o financiamento que está no contrato. Então, quando não atingem a meta, acabam inventando, e, em outros momentos, se já estourou a meta, como não recebem a mais por atender mais gente, cessa-se o atendimento. Isso é perverso com a saúde da população”, reforçou.

Em Natal, UPA’s sem discussão com a comunidade

Para o Fórum Estadual em defesa da saúde pública e contra as privatizações do Rio Grande do Norte, se os R$ 6 milhões que foram investidos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) fossem aplicados em unidades básicas de saúde, a população seria muito mais beneficiada. “Mas fizeram isso de forma antidemocrática, sem diálogo com a sociedade”, relata Vânia Aguiar, do Fórum de Saúde do Rio Grande do Norte.

Ela relata que uma outra UPA será construída em uma área de lazer muita utilizada pela comunidade, no bairro Cidade da Esperança, na zona oeste de Natal. A praça já foi destruída sem que a população pudesse se manifestar. “Nas audiências públicas, os vereadores ficam tentando falar que nós somos contra as UPAs, mas não somos contra, só não queremos que ela seja feita tirando o pouco que a população tem e existem outros locais onde ela poderia ser construída”, diz Vânia. De acordo com a militante, as unidades de saúde de Natal também estão se tornando OS, sem que a população discuta. E no estado do Rio Grande do Norte, trabalhadores concursados não são chamados para compor o quadro defasado das unidades de saúde. Ao contrário disso, avançam as terceirizações

Crise na saúde do Rio se arrasta

Para a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Maria Inês Bravo, do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, se o SUS der certo no Rio ele dará certo no Brasil todo, por isso a crise nunca termina. Ela explica: “Nós temos a maior rede de saúde pública do Brasil. Conseqüentemente, ao setor privado não interessa que o SUS dê certo no Rio. Então, esta crise vem se arrastando”.

A professora lembra que o Rio de Janeiro foi o primeiro a aprovar em 2007 o projeto de Fundações Estatais de Direito Privado e aprovou também em 2009 a proposta de Organizações Sociais e Oscips. Ela relata que neste ano as UPAs estão sendo transformadas em OS. “Com isso há a demissão de profissionais, insegurança e baixa qualidade de serviços, consequentemente há uma rede sucateada e um estado que não está realmente aplicando na saúde o quanto deveria. E também um estado e um município que resolvem tratar a saúde como caso de polícia. A secretaria de saúde é transformada em secretaria de saúde e segurança sem consultar o conselho e a população”, critica.

A professora denuncia que o Rio vive também um processo de fechamento de hospitais importantes, como o Hospital São Sebastião, de doenças infecciosas e parasitárias e também do hospital do Instituto de Assistência aos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Iaserj). Recentemente outro hospital – o Pedro II – foi fechado devido a um princípio de incêndio que, de acordo com o Fórum de Saúde do Rio de Janeiro, foi criminoso. E a proposta é que o hospital reabra sob a gestão de uma OS. Segundo Maria Inês, está em curso também um processo de desvalorização do controle social e cooptação dos conselhos. “Temos a passos largos a privatização e uma situação de calamidade pública no Rio de Janeiro, que só irá se resolver com a mobilização e a organização da população”, diz.

Reportagem de Raquel Júnia, da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), publicada pelo EcoDebate, 23/12/2010


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