Valorização de Serviços Ambientais das matas para a agricultura: Exemplo do café em Machadinho d´Oeste, RO
João A. Mangabeira 1
Ademar Ribeiro Romeiro 2
Sérgio Gomes Tôsto 3
Célia Regina Grego4
[EcoDebate] Que o verde das matas e florestas traz benefícios para a biodiversidade e o equilíbrio ambiental do planeta todo mundo já sabe. Mais do que isso, a sociedade cobra a manutenção dessa condição, especialmente do setor produtivo. Mas será que a mata é um fator limitante para a produtividade da agricultura? Até que ponto a mata pode ser benéfica, ao prestar serviços ecossistêmicos, à agricultura e aos agricultores? Qual o serviço ecossistêmico prestado por uma mata situada próxima a uma plantação agrícola?
O que talvez nem todos tenham conhecimento é que áreas consideradas como reservas florestais podem contribuir de maneira direta para a produtividade agrícola. Um exemplo é o café produzido em uma região de Rondônia, objeto de estudo da Embrapa, concluído neste ano. O trabalho mostrou que o café cultivado no entorno das reservas florestais teve um aumento de produtividade de até 20% em relação ao café cultivado em áreas mais distantes das reservas. Um exemplo claro do benefício gerado pela mata em termos de produtividade do café.
O trabalho inédito analisa a trajetória de acumulação de capital pelos produtores rurais familiares de Machadinho D’Oeste, RO, por intermédio dos serviços ecossistêmicos prestados pelas matas nativas – serviços que envolveram principalmente o trabalho de polinização das abelhas nativas e a geração de um microclima que reduziu o abortamento das flores do café em períodos críticos.
O objetivo do trabalho foi o de traçar a tipologia dos produtores rurais do município quanto ao seu nível de acumulação de capital. A análise, que abrangeu um período de aproximadamente 22 anos, buscou definir os fatores que levaram aos diferentes níveis de capitalização desses produtores, bem como avaliar o papel dos serviços ambientais ao longo desta trajetória. Entende-se por serviços ambientais aqueles oriundos do funcionamento saudável dos ecossistemas naturais ou modificados pelos seres humanos. Orientados para a agricultura, esses serviços são traduzidos em: redução dos desmatamentos, absorção do carbono atmosférico, conservação de água, conservação do solo, preservação da biodiversidade, redução do risco de fogo, entre outros.
A pesquisa foi realizada no projeto de assentamento de Machadinho d’Oeste, um projeto diferenciado dos demais projetos de assentamento da Amazônia por ter sido planejado com um traçado que não obedeceu ao tradicional padrão do tipo “espinha de peixe” existente na maioria dos projetos da região. Em Machadinho d’Oeste, lotes privados foram combinados com reservas florestais comuns. A rede viária implantada levou conta a topografia e a rede hidrográfica, e este respeito às características de relevo e hidrografia permite o acesso aos lotes mais remotos. Isto diminui os custos de manutenção, pois no traçado octogonal (espinha de peixe) é necessário que sejam construídas pontes e que haja um controle maior da erosão, o que geralmente não é feito nas regiões amazônicas. Como a sazonalidade é uma variável importante que afeta a locomoção, muitos agricultores ficam isolados no período das chuvas. As reservas florestais, em função de sua disposição em bloco e do arranjo institucional criado, têm se mantido relativamente preservadas, criando assim a possibilidade de geração de serviços ambientais.
A metodologia utilizada baseou-se em Geotecnologias (imagens de satélites e geoestatística) e na Análise de Correspondência Múltipla (ACM). Os resultados mostram a existência de 5 tipos de produtores: produtores capitalizados (Tipo 1), razoavelmente capitalizados (Tipo 2), medianamente capitalizados (Tipo3), pouco capitalizados (Tipo 4), e descapitalizados (Tipo 5). A geoestatística, ferramenta que permite identificar a relação espacial entre as amostras (VIEIRA, 2000), foi usada para analisar a distribuição espacial dos tipos de produtores quanto ao nível de capitalização, em relação à distância das reservas de matas nativas. Complementarmente foi analisada a produtividade do café, principal cultura de geração de renda na região, e sua relação com a distância das propriedades às reservas. Os resultados mostram que as propriedades com café plantado próximo às matas, em média, apresentam maior produtividade e melhor desempenho. Observou-se também que, em maior quantidade, propriedades com melhor nível de capitalização situam-se próximas às reservas, evidenciando a existência de serviços ambientais prestados pelas matas.
A trajetória de acumulação de capital em Machadinho d’Oeste mostrou-se totalmente diferenciada dos padrões usuais de acumulação de capital dos agricultores em geral, se forem considerados aspectos como acesso a crédito, nível educacional, saúde, acesso à cidade, distância ao centro urbano, nível de fertilidade dos solos, uso de insumos e equipamentos, entre outros.
Os agricultores familiares mais capitalizados são muito dependentes da renda proveniente da cultura do café. O cultivo do café (Coffea canephora – variedades ‘Conilon’ e ‘Robusta’) em Machadinho d’Oeste enfrenta um grande problema atualmente: os sucessivos “veranicos” que vêm ocorrendo nos últimos 10 anos na época da floração do café. A floração, a formação dos chumbinhos e a expansão dos frutos iniciam-se normalmente a partir de setembro, com o reinício das chuvas da primavera, as quais induzem a floração principal do café. Uma temperatura elevada associada a um déficit hídrico durante a florada pode causar o abortamento das flores. Após a fecundação, surgem os chumbinhos e os frutos se expandem. Se houver uma estiagem forte nesta fase, o estresse hídrico poderá prejudicar o crescimento dos frutos. Em Rondônia, nota-se que começa haver falta de chuvas na época da floração, o que causa prejuízo pela queda das flores e no início do desenvolvimento dos frutos, provocando drástica redução na produção das lavouras. Em Machadinho d’ Oeste o café produzido não difere muito do resto do Estado de Rondônia, sendo produzido com baixo uso de insumos agrícolas e mecanização. De acordo com observações da EMATER local e de produtores e técnicos locais, a produção de café em todos os anos apresenta – se baixa devido ao déficit hídrico na florada, ocasionado pelo aumento da temperatura, o que provoca o abortamento das flores.
Mesmo sendo baixo se comparado à média nacional, este nível de produtividade do café em Machadinho d’Oeste é favorável aos produtores, pois o custo de produção também é baixo (praticamente contratação da mão de obra temporária para ajuda na colheita). O uso de insumos ditos “modernos” e de mecanização torna a relação custo-benefício desfavorável aos produtores; não compensa usar estes insumos devido ao baixo preço alcançado e pela distância aos centros consumidores. O café desta região não é um café para exportação, e sim para blend (combinação de grãos de diferentes regiões produtoras do país), para formar um café solúvel que é consumido principalmente nas regiões sul e sudeste.
No entanto, os produtores de café que estão situados próximos às reservas florestais em blocos não sofrem muito com o fenômeno dos “veranicos”. A pesquisa comprovou, por meio de entrevistas com produtores, das análises de dados por imagens de satélite de alta resolução e da análise geoestatística, a evidência dos serviços ecossistêmicos prestados pelas matas e seus benefícios para o agricultor, corroborando assim os dados da literatura levantada.
Os estudos consultados na literatura levantada mostram que a presença de remanescentes de vegetação nativa contribuiu não só para o aumento da produção, mas também para a melhoria da qualidade dos grãos de café. Os polinizadores oriundos da floresta aumentaram a produção de café em até 20% dentro do raio de um quilômetro da mata. O número de grãos de menor qualidade foi reduzido em 27% (Ricketts et al., 2004). De Marco & Coelho (2004), assim como Ricketts et al. (2004), desenvolveram seus trabalhos avaliando o efeito da presença de fragmentos a uma distância máxima de 1 km sobre a produtividade de cafezais e verificaram que os polinizadores presentes em tais fragmentos contribuem, em média, com 14,6% e 20% para o aumento da produção de frutos e da produtividade do café, respectivamente (FERREIRA, 2008). Assim, considerando um aumento médio de 5% associado ao serviço de polinização, isto se refere a 8,8 sacas a mais de café para o produtor por hectare, caso a mata seja mantida. Se o valor de uma saca de café é, no mercado, de aproximadamente R$245,00, esse produtor de café terá, nestes termos, um valor da polinização como serviço do ecossistema para culturas próximas às matas nativas de R$ 2.156,00 por hectare ao ano (FERREIRA, 2008).
Assim, pelo presente estudo, ficou evidente que a cultura do café é bastante favorecida, tanto em termos de produtividade quanto de qualidade. Quando plantado próximo à mata, o café beneficia-se da polinização das abelhas nativas e do microclima gerado pelas matas, o que favorece o vingamento dos frutos do café pela diminuição do abortamento das flores. Além disso, o microclima gerado pela mata cria um ambiente de trabalho bem mais agradável e, consequentemente, um aumento no bem-estar dos trabalhadores.
Uma das conclusões do trabalho foi a evidência da contribuição dos serviços ecossistêmicos na produtividade do café, sendo maior a produtividade do café perto das reservas florestais em blocos. Para este caso, a taxa média de produtividade do café é aproximadamente 20% maior nos cafezais perto da mata. Este evidência, portanto, mostra que a mata, por intermédio de serviços ecossistêmicos diversos, pode estar contribuindo para o aumento da produtividade do café. Os testes geoestatísticos mostram uma forte correlação espacial positiva da medida do nível crescente de capitalização à medida que os lotes com café se aproximam das reservas florestais. Neste caso, existe uma forte evidência de que os produtores rurais em Machadinho d´Oeste não se capitalizaram somente pelos padrões convencionais de uma dinâmica de evolução de sistemas agrários. Pode-se afirmar, pelo encontrado nesta pesquisa, que existe um componente de serviços ecossistêmicos contribuindo na trajetória de acumulação de capital nos sistemas de produção agrícola estudados. Portanto, este estudo sugere um novo enfoque nas pesquisas sobre os serviços ecossistêmicos prestados para a agricultura.
A parte metodológica desta pesquisa mostra a importância e a operacionalidade do uso de imagens de satélite de alta resolução na aferição das informações subjetivas oriundas do campo, ou seja, a consolidação de uma metodologia de precisão no levantamento da informação. O instrumental estatístico utilizado (ACM) mostrou-se adequado para evidenciar a complexidade e diferenciação dos sistemas de produção, assim como a análise espacial de dados socioeconômicos por meio da geoestatística foi adequada na área da pesquisa socioeconômica. A junção dos instrumentais da estatística multivariada e da geoestatística enriquece as análises socioeconômicas e a avaliação de serviços ambientais, e permite correlacionar o desenho espacial do projeto Machadinho com a possível prestação de serviços ambientais na melhoria produtiva dos sistemas de produção agrícola.
A metodologia mostrou-se adequada e consistente aos estudos propostos para este trabalho e representa, portanto, um interessante caminho metodológico para estudos futuros sobre levantamento dos recursos naturais e avaliação de serviços ambientais, oferecendo uma nova dimensão e valor às matas, via reservas legais (RL) ou áreas de preservação permanente (APP) nas propriedades ou no seu entorno. Contribui também para a avaliação e análise dos impactos ambientais, sociais e econômicos da agricultura, para estudos de sustentabilidade agrícola e pesquisas espaço-temporais do uso das terras. De forma inovadora, este trabalho de pesquisa traz, também, uma abordagem que permite analisar a trajetória de acumulação de capital dos agricultores sob um enfoque abrangente, integrando geotecnologia, estatística multivariada e geoestatística.
LITERATURA CITADA
De MARCO, P.Jr.; COELHO ,F.M. Services performed by the ecosystem: forest remnants influence agricultural cultures’ pollination and production. Biodiversity and Conservation, v. 13, p1245-1255, 2004.
FERREIRA, F.M.C: A polinização como um serviço do ecossistema: uma estratégia econômica para conservação: Tese de doutorado, Universidade de Minas Gerais como parte das exigências do programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008
RICKETTS,T.H., DAILY,G.C., EHRLICH,P.R., MICHENER,C.D.,. Economic value of tropical forest to coffee production. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 101, p. 12579-12582, 2004.
VIEIRA, S.R. Uso de geoestatística em estudos de variabilidade espacial de propriedades do solo. In: NOVAIS, R. F. (Ed.). Tópicos em Ciência do Solo 1. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2000. p.3-87.
1 Doutor em Desenvolvimento Econômico e Pesquisador A da Embrapa Monitoramento por Satélite
2 Prof. Doutor em Economia do Instituto de Economia da Unicamp
3 Doutor em Desenvolvimento, Espaço e Meio Ambiente e Pesquisador A da Embrapa Monitoramento por Satélite
4 Doutora em Energia na Agricultura e Pesquisadora A da Embrapa Monitoramento por Satélite
EcoDebate, 22/12/2010
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