A implantação de barragens no Brasil e a violação dos direitos humanos. Entrevista com Soniamara Maranho
Reunido em Campo Grande (MS), no dia 22/112010, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – CDDPH aprovou o relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. O presidente do Conselho e Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, parabenizou a Comissão e considerou seu trabalho “árduo e histórico”.
O Relatório Final possui uma parte dedicada às recomendações e considerações gerais para garantia e preservação dos direitos humanos dos atingidos por barragens e outra referente ao acompanhamento das denúncias dos casos acolhidos pela Comissão Especial. A saber: UHE Canabrava, UHE Tucuruí, UHE Aimorés, UHE Foz do Chapecó, PCH Fumaça, PCH Emboque e Barragem de Acauã.
Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.
A Comissão identificou, nos casos analisados, um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais, merecem destaque o direito à informação e à participação; direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas.
Entre os principais fatores, apontados pelo relatório, que causam as violações de direitos humanos na implantação de barragens estão a precariedade e insuficiência dos estudos ambientais realizados pelos governos federal e estaduais, e a definição restritiva e limitada do conceito de atingido adotados pelas empresas.
Em entrevista para o Setor de Comunicação do MAB, Soniamara Maranho, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB -, fala da importância de aprovação deste relatório, especialmente para Minas Gerais, cujo estado teve duas barragens visitadas pela Comissão Especial, UHE Aimorés e PCH Fumaça. a entrevista nos foi enviada por Gilvander Moreira, frei carmelita, a quem agradecemos.
Eis a entrevista
Qual o significado deste relatório para a organização dos atingidos por barragens?
O relatório só confirma as denúncias que o movimento vem fazendo há anos. A constatação da Comissão nos casos analisados é a de que após a construção das barragens, as pessoas passam a viver em condições de vida piores do que viviam antes. As violações dos direitos humanos acontecem em todas as barragens do Brasil, principalmente depois do processo de privatização do governo FHC. Com as empresas privadas, o processo de construção de barragens e de deslocamento das famílias é muito mais violento. De posse deste relatório iremos realizar encontros para debater seu conteúdo com os atingidos por barragens de todo o Brasil e discutir o que faremos para pressionar para que se apliquem ações de reparação. Quero publicamente manifestar nosso profundo respeito e consideração com todas as pessoas que participaram da elaboração do Relatório.
Qual é a ligação entre a aprovação deste Relatório e a assinatura, pelo presidente Lula, do decreto que cria o cadastro sócio-econômico de atingidos por barragens?
O decreto já é um dos resultados do Relatório, aliás, é uma recomendação do Relatório. Através do decreto, será instituído o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por barragens. Isso é uma reivindicação antiga do MAB, pois até agora que dizia quem tinha ou não tinha direito de ser indenizado eram as empresas construtoras.
Qual a perspectiva de continuidade deste projeto de levantamento das violações dos direitos humanos em construção de barragens?
O MAB irá sugerir que o próximo trabalho da Comissão seja um estudo sobre as violações dos direitos das mulheres nas áreas de construção de barragens. O que percebemos é que os idosos, mas principalmente as mulheres, são vítimas desse processo em vigor no nosso país. As violações são as mais diversas, desde a exploração sexual, como está acontecendo agora em Rondônia, até o aumento exagerado de adolescentes grávidas que, depois da construção das barragens, ficam sozinhas para criarem seus filhos, já que os pais viajam para seus locais de origem.
Quais são as principais recomendações do Relatório?
A comissão recomendou a adoção de mais de 100 medidas para garantir e preservar os direitos humanos dos atingidos por barragens e evitar novas violações. Entre as recomendações estão mudanças nos procedimentos de concessão pública e licenciamento ambiental, que os cadastros dos atingidos sejam de responsabilidade dos governos estaduais e federal e pagos pelas empresas. Em relação ao BNDES e agências públicas nacionais de financiamento, o relatório recomenda que criem requisitos sociais e ambientais específicos para contratos de empréstimos para a implantação de barragens, bem como mecanismos para que a sociedade civil possa acompanhar e controlar seu cumprimento. Além disso, o relatório propõe que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos constitua uma Comissão de Reparação, com a participação de outros órgãos governamentais, Ministério Público, Defensoria Pública e representação da sociedade civil para acolher, avaliar e julgar solicitações de reparação, individuais e coletivas, que lhes sejam encaminhadas no prazo de 12 meses a partir de sua instalação.
Em Minas Gerais, duas barragens foram visitadas pela Comissão Especial. Este é um estado com muitos problemas de violações dos direitos humanos, podemos citar Candonga, Fumaça, Aimorés. Fale-nos um pouco da realidade deste estado.
A usina de Aimorés pertence à CEMIG e à Vale e vem operando desde fevereiro de 2006. A constituição do reservatório exigiu a total inundação da cidade de Itueta e de parte de Resplendor. Entre os atingidos há indignação com promessas não cumpridas, acordos desrespeitados, desinformação e enganos. Além disso, não houve reunião ou audiência pública em que não se multiplicassem os constrangimentos e ameaças por parte da empresa. A população não foi devidamente informada acerca do projeto e de seus impactos e o relatório apontou violação dos seguintes direitos: direito à informação, ao trabalho e renda, a um ambiente saudável e à saúde, à educação, violação dos direitos das crianças, adolescentes e dos idosos, do direito à moradia adequada, direito de organização, reunião e manifestação, do direito à plena reparação de todas as perdas e do direito à livre negociação. Segundo o relatório, considerando que a participação social constitui direito elementar da cidadania, recomendam que todas as ações e programas com a intenção de mitigar ou reparar perdas, materiais e imateriais, sejam submetidas ao controle social e a processos de deliberação que assegurem o protagonismo de organizações sociais legitimadas, tais como o Movimento de Atingidos por Barragens e a APRAPUA.
(Ecodebate, 01/12/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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