Caroço do açaí é eficaz no combate a várias doenças, como hipertensão, colesterol alto e resistência insulínica
Infográfico no Correio Braziliense.
Pesquisador da Uerj descobre que extrato feito a partir do caroço do açaí é eficaz no combate à hipertensão, ao colesterol alto e à resistência insulínica. O composto também pode ajudar no tratamento do enfisema pulmonar
Fruto nativo da Região Norte, o açaí ultrapassou fronteiras e é saboreado por brasileiros de todas as partes do país. Alimento tradicional das populações ribeirinhas da Floresta Amazônica, a polpa do produto é servida com peixes no Pará, no Acre e no Amapá. No resto do Brasil, as receitas ganharam o sabor adocicado. A polpa é consumida na tijela misturada com xarope de guaraná, cereais, banana e outras frutas. O caroço do açaí, no entanto, é considerado um resíduo e quase sempre tem o lixo como destino. Um estudo inédito conduzido na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) poderá, muito em breve, mudar tal situação. O trabalho revelou que a porção descartada do fruto tem propriedades farmacológicas surpreendentes. O extrato produzido a partir do caroço mostrou ser anti-hipertensivo e capaz de reduzir o nível de colesterol do sangue e a resistência insulínica, além de se mostrar um promissor elemento na prevenção ou restrição de danos resultantes do enfisema pulmonar. Reportagem de Márcia Neri, no Correio Braziliense.
À frente da pesquisa, o médico e farmacologista Roberto Soares de Moura avaliou os benefícios do caroço em laboratório. Estimulado pelo amplo consumo da fruta no país, ele começou o estudo desvendando as propriedades da polpa, já que o caroço nem sequer chega ao consumidor do Sudeste. Ao constatar o efeito vasodilatador do produto em camundongos, o professor da Uerj deduziu que o açaí poderia ser mais benéfico do que se imaginava até então. Decidido a pesquisar todas as partes do alimento, Moura conseguiu amostras da fruta completa enviadas diretamente do Pará e produziu três extratos diferentes para introduzir na dieta de camundongos: um feito da fruta inteira, outro somente da poupa e um terceiro apenas do caroço. Em um dos grupos testados, os animais não tinham uma alimentação balanceada, eram hipertensos, diabéticos e obesos. “Para minha surpresa, o extrato mais potente foi o do caroço. A quantidade e a qualidade de polifenóis ou flavonoides, substâncias com excelente ação contra os radicais livres e presentes nessa parte da fruta, explica suas virtudes”, observa.
Os testes comprovaram que os efeitos danosos da alimentação rica em gordura oferecida aos camundongos foram amenizados pelos preparados de açaí. Para os animais que ingeriam o extrato do caroço do açaí, a vasodilatação foi bem evidente. “A ação vasodilatadora permite que o composto seja utilizado como anti-hipertensivo. O extrato reduz o colesterol e tem efeito celular, pois ativa um transportador de glicose, o glut 4. Em seres humanos diabéticos ou com síndrome metabólica, esse receptor fica adormecido e não transporta adequadamente o açúcar para o interior das células”, especifica o pesquisador, que já patenteou as descobertas e está trabalhando no desenvolvimento de um medicamento oral em forma de cápsula feito a partir do caroço.
Cigarro
O cientista da Uerj não esconde o entusiasmo em relação a um teste classificado por ele próprio como radical, que também foi conduzido no laboratório da universidade. Certo das propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes do extrato do caroço e impressionado com os resultados obtidos com a inclusão do composto na dieta, Moura resolveu testá-lo contra o enfisema pulmonar, mal que acomete milhões de pessoas em todo o mundo.
Como o cigarro é um dos principais causadores dessa doença inflamatória que atinge os pulmões, o produto foi usado por dois meses nos camundongos, período considerado longo para os animais. Os roedores foram separados em três grupos — o primeiro foi exposto ao ar ambiente, o segundo à fumaça de cigarro comum e o último à fumaça de cigarro cujo conteúdo estava misturado ao extrato do caroço do açaí. “Ao fazer a biópsia do pulmão dos camundongos, constatamos que os órgãos daqueles que inalaram a fumaça do cigarro com o extrato do caroço quase não sofreram lesões nos alvéolos. Já os animais que aspiraram a fumaça sem a mistura padeceram com danos sérios, como inflamação profunda e feridas enfisematosas”, conta o médico farmacologista.
O extrato do caroço da fruta poderá ser usado ainda como cicatrizantes na forma de pomada e enxaguatório bucal. Uma parceria com um laboratório particular permitirá o desenvolvimento desses produtos. “Acredito que essa parte do açaí, que hoje é desprezada, em breve será matéria-prima para itens extremamente benéficos à saúde do homem, como gel cicatrizante, cápsulas e outros produtos. E o que é melhor, a preços muito acessíveis. Penso em desenvolver um filtro para os cigarros”, adianta Moura.
Sinal hormonal
Resistência à insulina é quando o organismo não consegue usar a própria insulina apropriadamente. O hormônio produzido no pâncreas envia um sinal para as células do nosso corpo dizendo que devem permitir que o açúcar ou a glicose se mova do sangue para o ambiente intracelular. Dessa forma, o açúcar pode ser usado como combustível ou armazenado como energia que será usada oportunamente. Quando as células não recebem os sinais da insulina, o açúcar ou a glicose não consegue adentrá-las, condição identificada como resistência à insulina.
Alimento industrial seguro
A produção de açaí vem crescendo de forma impressionante ao longo dos anos. No Pará, maior produtor nacional da fruta, em 2003, foram colhidas pouco mais de 257 mil toneladas. Em 2009, os paraenses extraíram das palmeiras 605 mil toneladas. Atualmente, a polpa é também exportada para diversos países. O agronegócio do produto envolve mais de 30 mil pessoas. Infelizmente, alguns ribeirinhos que se valem do fruto para consumo próprio passaram a ser infectados pelo Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, fato que deixou em alerta os apreciadores do alimento nos quatro cantos do país. Pesquisa recente conduzida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) constatou que o Trypanosoma cruzi realmente sobrevive na polpa do açaí na temperatura ambiente, na geladeira ou congelado por algumas horas a -20°C.
O biólogo Luiz Augusto Corrêa Passos, pesquisador da Unicamp e um dos coordenadores do estudo, observa, porém, que para os consumidores que saboreiam a polpa industrializada — que passa pelo processo de pasteurização — o risco de contaminação é quase nulo. Isso não ocorre com os ribeirinhos que extraem a polpa artesanalmente e em condições precárias de higiene. “Se no processo de masseração da polpa, os frutos tiverem contaminados com o inseto vetor do protozoário, com excrementos do barbeiro ou com excretas de um animal que é reservatório, a contaminação pode ocorrer”, alerta.
Segundo Passos, nenhum caso de doença de Chagas relacionada à polpa do açaí foi registrado no Sul do país. Mas, no Norte, microepidemias do mal afetam a população todos os anos. O pesquisador diz que é importante ressaltar que menos de 1% dos casos do mal são transmitidos via oral. “No processo industrial, o fruto é lavado cuidadosamente e isso elimina as chances de contaminação. Temos acompanhado o trabalho de equipes do Ministério da Saúde que atuam com os ribeirinhos. É fundamental orientá-los para reduzir o risco de contraírem a doença”, salienta. (MN)
EcoDebate, 10/11/2010
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