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The New York Times: Apesar da resistência popular, governo brasileiro se prepara para construir Belo Monte

Raimunda Gomes da Silva. Foto de Andre Vieira/The New York Times
Raimunda Gomes da Silva. Foto de Andre Vieira/The New York Times

Para Raimunda Gomes da Silva, a iminente construção da enorme barragem de uma usina hidroelétrica na Amazônia tem um doloroso ar de déjà-vu.

Ela conta que há cerca de 25 anos, a construção de outra barragem situada mais de 300 km a leste provocou a inundação da sua propriedade, que foi invadida por cobras venenosas, insetos e onças, antes de ficar totalmente submersa.

Agora, após ela ter começado uma vida nova em Altamira, o governo está lhe dizendo para sair novamente do seu terreno, deste vez para dar lugar à barragem de Belo Monte, que alagará grande parte desta cidade, obrigando milhares de pessoas a se mudarem. “Essa barragem é uma ameaça para mim, porque eu não tenho mais aquela energia que tinha quando jovem”, afirma Raimunda, 53, cuja família de 11 pessoas espreme-se em uma casa de três quartos com um quintal cheio de bananeiras. “Nós não temos mais como investir na construção de uma outra casa como esta. Para mim, isso significa jogar fora muita esperança”.

Mas ela não terá muita escolha. A construção da barragem de Belo Monte, que será a terceira maior do mundo, deverá começar no ano que vem. Reportagem de Alexei Barrionuevo, em Altamira, para The New York Times.

A oposição sistemática ao projeto por parte de grupos ambientalistas e indígenas, com a ajuda de até mesmo figuras famosas como o cineasta canadense-americano James Cameron, não foi suficiente para deter o projeto de US$ 11 bilhões (R$ 19,4 bilhões), que gerará eletricidade para grandes cidades, como São Paulo, ao inundar uma área de 520 km² da bacia do rio Xingu.

As comunidades indígenas afirmam que a represa devastará a suas terras e obrigará cerca de 12 mil índios a deixarem as suas moradias. Elas dizem que a barragem implicará na redução do nível do rio, destruindo a pesca indígena tradicional.

A cidade de Altamira, que fica acima da barragem, enfrenta o problema oposto, já que cerca de um terço da sua área ficará debaixo d’água. Milhares de moradores terão que ser transferidos para outras residências.

Na semana passada, líderes indígenas regionais reuniram-se aqui para planejar uma drástica ocupação do canteiro de obras da barragem, mas depois de quatro dias de discussões, durante as quias não se chegou a nenhum consenso, o protesto foi cancelado. Membros de grupos não governamentais que procuram impedir a construção da barragem estão começando a parecer resignados.

“Os grupos ainda estão divididos”, diz Christian Poirier, o líder para o Brasil da Amazon Watch, que participou da reunião. “Existem diversas considerações políticas neste momento a serem sopesadas pelas lideranças indígenas. Algumas dessas lideranças foram neutralizadas por meio de propinas ou ameaças”.

O governo exerceu enorme pressão para assegurar que a construção da barragem, que é planejada há décadas, começasse a ser construída antes do término do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no final deste ano. Quando algumas das mais importantes companhias privadas de construção e engenharia civil do Brasil manifestaram preocupações quanto aos riscos financeiros no início deste ano, o governo aumentou a sua parcela de investimentos, e agora está financiando mais de três quartos do projeto.

Valter Cardeal, diretor de engenharia da Eletrobrás, a companhia estatal brasileira de energia elétrica, afirmou que o projeto não terá nenhum impacto econômico negativo sobre a comunidade indígena. Ele reconheceu que o fluxo de água abaixo da barragem será reduzido, mas disse que isso não será suficiente para prejudicar a pesca.

Segundo Cardeal, a barragem de Belo Monte trará “melhorias e avanços” para os povos indígenas, incluindo saneamento, melhores serviços de saúde e educação, e “segurança territorial” para as suas terras.

Quanto a Altamira, ele afirmou que as pessoas obrigadas a se mudarem serão indenizadas e que a maioria delas será beneficiada.

No bairro situado em uma área baixa da cidade, no qual Raimunda Gomes da Silva mora, por exemplo, algumas casas são construídas sobre estacas devido às enchentes sazonais.

De acordo com Cardeal, a mudança tirará esses moradores de “condições precárias e sub-humanas”.

Ele disse que o governo dará assistência aos pequenos agricultores afetados e que as companhias de construção concordaram em investir US$ 280 milhões (R$ 493 milhões) em um plano para o desenvolvimento sustentável da região.

Porém, oponentes do projeto de construção da barragem e vários moradores afetados não acreditam nas promessas do governo.

Em uma reunião em março deste ano, líderes indígenas brandiram arcos e flechas, e ameaçaram dar início a uma guerra para impedir a construção da barragem. Mas, segundo Poirier, duas tribos, os Xikrin-Kayapos e os Parakanas, acabaram deixando de se opor ao projeto, alegando que temem perder benefícios concedidos pelo governo.

Ele e outros indivíduos envolvidos nas discussões acusam a Eletronorte de tentar dividir os grupos indígenas, corrompendo as suas lideranças com presentes ou ameaçando negar às comunidades serviços de saúde e outros tipos de assistência pública.

Cardeal e um porta-voz da Eletronorte negam tais acusações.

Os moradores de Altamira estão divididos quanto ao projeto. Alguns têm esperanças de que a barragem gere empregos e dinheiro para este município pouco habitado e que é o maior do Brasil.

Durante a construção, a barragem deverá gerar cerca de 20 mil empregos, apesar do fato de que inicialmente, pelo menos, os trabalhadores terão que vir de outras regiões, afirma Elcirene de Souza, diretora do departamento federal de empregos de Altamira. Segundo Elcirene, 90% da força de trabalho em Altamira não conta com a qualificação exigida pelos empregos dos quais o projeto necessita.

Ela afirma estar preocupada com a possibilidade de que o fluxo de trabalhadores gere problemas como a formação quadrilhas de criminosos e o tráfico drogas, conforme aconteceu na construção de outras barragens. No entanto, autoridades do governo federal disseram aos moradores que esperam evitar tais problemas ao não criarem uma vila separada para os trabalhadores, conforme foi feito no passado, e sim incorporarem esses indivíduos à própria cidade.

Currículos de trabalhadores já estão sendo enviados em grande quantidade. Segundo Elcirene de Souza, cerca de 8.200 deles, vindos de pelo menos cinco Estados brasileiros, foram recebidos nos primeiros quatro meses do ano.

Moradores como Raimunda Gomes da Silva, céticos em relação às promessas de subsídios e planos de reassentamento, estão preocupados principalmente em saber onde vão morar. Raimunda diz que o governo federal lhe pagou uma indenização baixíssima pela sua última casa, cobrindo apenas o custo do material de construção, e não o preço de mercado da residência. Ela teme que o mesmo volte a acontecer.

“Ao chegarem, eles apresentam uma tabela de preços mostrando quanto oferecerão pela nossa casa, e nós temos que aceitar, caso contrário eles não nos pagam nada”, reclama Raimunda. “Eles ditam o valor da minha casa e não me reassentam em nenhum outro lugar”.

Ela está preocupada com o marido, que é pescador. “Faltam apenas dois anos para que ele se aposente, mas nós não sabemos se ele será capaz de pescar durante mais dois anos”, diz Raimunda. “Vocês acham que o peixe ficará esperando aqui? Não, o peixe sabe para onde escapar, mas nós só podemos ir para onde eles nos jogarem”.

Tradução: UOL

Reportagem [Bypassing Resistance, Brazil Prepares to Build a Dam] do New York Times, no UOL Notícias.

EcoDebate, 23/08/2010

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